Francisco Julião |
Político, advogado e escritor, Francisco Julião Arruda de Paula nasceu a 16 de fevereiro de 1915, no Engenho Boa Esperança, município de Bom Jardim. Foi um dos líderes, em 1955, no Engenho Galiléia, das chamadas Ligas Camponeses, cooperativas que tinham por objetivo lutar pela distribuição de terras e levar os benefícios das leis trabalhistas aos camponeses As Ligas Camponesas se espalharam por vários pontos do Estado de Pernambuco, pregavam uma reforma agrária radical assustando os proprietários de terras e, a partir de 1962, começaram a perder força depois que o presidente João Goulart decretou a sindicalização rural até então inexistente no Brasil. Formado em Direito em 1939, no Recife, começou a trabalhar como advogado de trabalhadores rurais a partir de 1940. Deputado estadual por duas vezes, em 1962 foi eleito deputado federal por Pernambuco, tendo o mandato cassado por ocasião do golpe militar de 1964. Libertado em 1965, exilou-se no México, retornando ao Brasil em 1979, beneficiado pela anistia. Em 1988, tentou eleição para deputado federal e foi derrotado. Retornou ao México para escrever suas memórias e, em 1991, estava novamente no Brasil. Morreu de enfarte, a 10 de julho de 1999, na cidade de Cuernavaca, México, onde vivia desde que se recolheu, em 1997, para escrever um livro de memórias Livros publicados: "Cachaça" (1951); "Irmão Juazeiro" (novela, 1961); "O Que São as Ligas Camponesas" (1962); "Até Quarta, Isabela" (memórias, 1965), com edições no México e Portugal; "Cambão: La Cara Oculta de Brasil" (1968); "Escuta, Camponês". Durante o período em que esteve preso, passou pela Fortaleza de Lage (RJ), onde encontrou Miguel Arraes e os dois trabalharam na tradução do livro "A Politização das Massas Através da Propaganda Política", do russo Sergei Tchakotine.Julião desfaz alguns incorreções históricas Trechos de entrevistas à imprensa brasileira Não foi o criador das Ligas Camponesas: "De 1940 a 1955, trabalhei como advogado de camponeses, não fundei a Liga, ela foi fundada por um grupo de camponeses que a levou a mim para que desse ajuda. A primeira Liga foi a da Galiléia, fundada a 01 de janeiro de 1955 e que se chamava Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de Pernambuco. Foi um grupo de camponeses com uma certa experiência política, que já tinha militado em Partidos, de uma certa cabeça, que fundou o negócio, mas faltava um advogado e eu era conhecido na região. Foi uma comissão à minha casa, me apresentou os estatutos e disse: 'Existe uma associação e queríamos que você aceitasse ser o nosso advogado'. Aceitei imediatamente. Por isso o negócio veio bater na minha mão. Coincidiu que eu acaba de ser eleito deputado estadual pelo partido Socialista e na tribuna política me tornei importante como defensor dos camponeses A famosa história de que a Liga surgiu para financiar enterros de crianças: "Não. Isso é uma história que a gente criou para dramatizar um pouco mais, creio que um pouco ligado à poesia de João Cabral de Melo Neto e à "Geografia da Fome" de Josué de Castro. Como morria muita gente, podia-se falar em genocídio. Em verdade, a Liga da Galiléia era para ver se podia pagar uma professora para alfabetizar os filhos do pessoal, pra conseguir crédito para enxadas e para comprar algumas coisas necessárias. Os camponeses fizeram uma cooperativa muito simples, via-se a marca da mão deles, e o juiz acabou aprovando a associação De onde veio no nome Liga: Quem batizou a Sociedade Agrícola e Pecuária com esse nome Liga, em 1955, foram os jornais do Recife para torná-la ilegal. A Liga Camponesa começou sendo crônica policial. Qualquer coisa relacionada com a Liga estava na página policial, porque consideravam que tudo que acontecia no campo não era senão uma série de delitos cometidos pelos camponeses sob a orientação desse fulano de tal, esse senhor advogado e agora deputado que criava conflitos, tirando a paz do campo Mas, como o nascimento da Liga coincidiu com a chegada de Juscelino ao poder, com o problema do desenvolvimentismo, havendo uma certa euforia na burguesia nacional para quebrar os latifúndios e criar indústrias de transformação, então essa coincidência nos favoreceu Contra a invasão de terras: "Eu defendia o que estava no Código, na Lei, na Constituição. Nunca saí dali. A Liga Camponesa nunca foi u núcleo de guerrilha e sim um movimento de massa, um rio que ia crescendo à medida em que o camponês começava a se sentir mais politizado e, mais identificado com sua causa, tinha mais esperança de obter um pedaço de terra. Como movimento, era fácil de receber muitas correntes, era um rio que recebia muitos afluentes. Entravam muitas tendências esquerdistas e algumas delas tratavam de radicalizar muito, usando uma linguagem tão radical que sectarizava o movimento. Eu era contra a invasão de terras mas havia grupos que tomavam certa quantidade de camponeses e invadiam propriedades de senhores de engenho que já não cultivavam, esperavam para fazer especulação ou vender bem essas terras. Eu dizia: Por que vocês invadem um pedaço de terra sabendo que isso pode desmoralizar o movimento? Essas coisas ocorreram algumas vezes e eu tinha que ir com muita dificuldade pra tirar esses camponeses e voltar. Sobre a acusação, em 1963, de que as Ligas tinham armas: "Nunca armei um camponês. Não existe um camponês da Liga que tenha sido armado. Primeiro: a Liga não tinha dinheiro. Segundo: eu não cria na possibilidade de uma guerrilha no Brasil, sobretudo porque havia liberdade de fundar sindicatos, ligas, cooperativas e era preferível usar esses instrumentos para fazer o movimento crescer. Ademais, o número de camponeses realmente reunidos em ligas era pequeno em relação à grande massa camponesa desmobilizada. Essa acusação foi feita para encobrir o armamento dos usineiros. Tínhamos serviço de informação dentro das usinas, sabíamos que entravam caixas e caixas de metralhadoras, sabíamos onde estavam. Muitos capangas de usinas eram aliados ou parentes de camponeses e informavam: 'Vocês se cuidem que tá entrando muita arma'. Entravam sobretudo por São Paulo, o governador Adhemar de Barros foi um dos homens que mais compraram armas para entregar aos latifundiários pernambucanos. A penetração era fácil e a melhor maneira de encobrir essa penetração fácil de armas era dizer que as ligas estavam se preparando para a guerrilha, que recebiam armas tchecas As ligas estavam-se espalhando pelo Brasil? Havia camponeses com uma vaga esperança de que um dia a Liga chegasse lá no Piauí ou no Maranhão ou no sul do Ceará. Em Pernambuco e na Paraíba, aí sim, os movimentos camponeses eram fortíssimos, começando a entrar em Alagoas e numa parte da Bahia. O movimento crescia e chegou um momento em que recebeu uma grande importância por parte da imprensa, saindo da página policial para a política Sobre a força social que as Ligas chegaram a ter antes de 1963: "Chegou um momento em que o movimento realmente adquiriu força, mas começou a cair quando João Goulart decretou a sindicalização rural, o que antes era proibido no Brasil, considerado problema de segurança nacional. O I Congresso Camponês em Minas Gerais, em 1962, foi encerrado por Goulart decretando a sindicalização rural. O Padre Laje, de Minas, começou a fundar sindicatos; o Padre Crespo, no Nordeste, também; a Igreja recebeu a incumbência de fundar sindicatos. Eu mesmo fundei 32, chamados de 'sindicatos da Liga' porque eram um pouco mais autônomos, não eram propriamente controlados pelo Ministério do Trabalho. Muita gente que não era camponês, mas assalariado, cortador de cana, passou pro sindicato. A Liga era feita por gente que arrendava terra, mas como não havia sindicato, muitos vinham pedir ajuda pra receber um salário mínimo ou certos benefícios que a lei trabalhista dava aos assalariados do campo. Por falta de sindicato, a Liga defendia essa gente. Mas quando o sindicato surgiu, houve um descenso. Fonte: Jornal O Pasquim, edição de 12/01/197. |