Paulo Batista Gomes

Paulo Batista Gomes

segunda-feira, 26 de novembro de 2012


BORA PT.... PORQUE O PT É O BRICS E O PT É A UNASUL

Pois bem, Bora Vanguarda que o povo ta na frente!

Mas diga lá, quem foi que articulou e LUTA CONCRETAMENTE PELA CONSOLIDAÇÃO DOS MERCADOS ALTERNATIVOS?

BRICS - Agrupamento Brasil-Rússia-Índia-China-África do Sul


A idéia dos BRICS foi formulada pelo economista-chefe da Goldman Sachs, Jim O´Neil, em estudo de 2001, intitulado “Building Better Global Economic BRICs”. Fixou-se como categoria da análise nos meios econômico-financeiros, empresariais, acadêmicos e de comunicação. Em 2006, o conceito deu origem a um agrupamento, propriamente dito, incorporado à política externa de Brasil, Rússia, Índia e China. Em 2011, por ocasião da III Cúpula, a África do Sul passou a fazer parte do agrupamento, que adotou a sigla BRICS.

O peso econômico dos BRICS é certamente considerável. Entre 2003 e 2007, o crescimento dos quatro países representou 65% da expansão do PIB mundial. Em paridade de poder de compra, o PIB dos BRICS já supera hoje o dos EUA ou o da União Européia. Para dar uma idéia do ritmo de crescimento desses países, em 2003 os BRICs respondiam por 9% do PIB mundial, e, em 2009, esse valor aumentou para 14%. Em 2010, o PIB conjunto dos cinco países (incluindo a África do Sul), totalizou US$ 11 trilhões, ou 18% da economia mundial. Considerando o PIB pela paridade de poder de compra, esse índice é ainda maior: US$ 19 trilhões, ou 25%.

Até 2006, os BRICs não estavam reunidos em mecanismo que permitisse a articulação entre eles. O conceito expressava a existência de quatro países que individualmente tinham características que lhes permitiam ser considerados em conjunto, mas não como um mecanismo. Isso mudou a partir da Reunião de Chanceleres dos quatro países organizada à margem da 61ª. Assembléia Geral das Nações Unidas, em 23 de setembro de 2006. Este constituiu o primeiro passo para que Brasil, Rússia, Índia e China começassem a trabalhar coletivamente. Pode-se dizer que, então, em paralelo ao conceito “BRICs” passou a existir um grupo que passava a atuar no cenário internacional, o BRIC. Em 2011, após o ingresso da África do Sul, o mecanismo tornou-se o BRICS (com "s" maiúsculo ao final).

Como agrupamento, o BRICS tem um caráter informal. Não tem um documento constitutivo, não funciona com um secretariado fixo nem tem fundos destinados a financiar qualquer de suas atividades. Em última análise, o que sustenta o mecanismo é a vontade política de seus membros. Ainda assim, o BRICS tem um grau de institucionalização que se vai definindo, à medida que os cinco países intensificam sua interação.

Etapa importante para aprofundar a institucionalização vertical do BRICS foi a elevação do nível de interação política que, desde junho 2009, com a Cúpula de Ecaterimburgo, alcançou o nível de Chefes de Estado/Governo. A II Cúpula, realizada em Brasília, em 15 de abril de 2010, levou adiante esse processo. A III Cúpula ocorreu em Sanya, na China, em 14 de abril de 2011, e demonstrou que a vontade política de dar seguimento à interlocução dos países continua presente até o nível decisório mais alto. A III Cúpula reforçou a posição do BRICS como espaço de diálogo e concertação no cenário internacional. Ademais, ampliou a voz dos cinco países sobre temas da agenda global, em particular os econômico-financeiros, e deu impulso político para a identificação e o desenvolvimento de projetos conjuntos específicos, em setores estratégicos como o agrícola, o de energia e o científico-tecnológico. A IV Cúpula foi realizada em 29 de março de 2012, em Nova Delhi. A V Cúpula está prevista para ser realizada na África do Sul, em março de 2013.

Além da institucionalização vertical, o BRICS também se abriu para uma institucionalização horizontal, ao incluir em seu escopo diversas frentes de atuação. A mais desenvolvida, fazendo jus à origem do grupo, é a econômico-financeira. Ministros encarregados da área de Finanças e Presidentes dos Bancos Centrais têm-se reunido com freqüência. Os Altos Funcionários Responsáveis por Temas de Segurança do BRICS já se reuniram duas vezes. Os temas segurança alimentar, agricultura e energia também já foram tratados no âmbito do agrupamento, em nível ministerial. As Cortes Supremas assinaram documento de cooperação e, com base nele, foi realizado, no Brasil, curso para magistrados dos BRICS. Já realizaram-se, ademais, eventos buscando a aproximação entre acadêmicos, empresários, representantes de cooperativas. Foram, ainda, assinados acordos entre os bancos de desenvolvimento. Os institutos estatísticos também se encontraram em preparação para a II e a III Cúpulas e publicaram uma coletânea de dados. Versões atualizadas da coletânea foram lançadas por ocasião da Cúpula de Sanya e da Cúpula de Nova Delhi. Todas as três publicações encontram-se neste site.

Em síntese, o BRICS abre para seus cinco membros espaço para (a) diálogo, identificação de convergências e concertação em relação a diversos temas; e (b) ampliação de contatos e cooperação em setores específicos.

Bora PT!

 

Fora banco mundial e suas políticas econômicas colonizadoras!

 

Pela criação do Banco Sul e a conquista de autonomia político-econômica aos povos em desenvolvimento!

 

Pela primeira vez, a maioria do povo Latino-Americano tem orgulho de sua origem e de seus valores, é normal a proteção de nossos valores sociais e econômicos!

Vivas a UNASUL!

Unasul: Uma Perspectiva Política de Integração Sul-americana


Publicado em 25 janeiro, 2011

Por Guilherme Pedroso Nascimento Nafalski

01. Apresentação

Em 23 de maio e 2008, Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e Venezuela assinaram o Tratado Constitutivo da União de Nações Sul-Americanas, a Unasul. Em princípio, o ato pode ser visto como mais um fato cotidiano entre chancelarias, dentro do que convencionamos tratar como relações internacionais ou política externa dos países. Mas este ato é a força motriz desta pesquisa, que pode ser compreendido como um momento novo, uma possibilidade da política em uma esfera em que sua aparição costuma ser bastante rara.

Essa pesquisa tem como pressuposto a busca da política, tal como proposta pelo filósofo francês Jacques Rancière.Ou seja, como “um modelo de ser da comunidade que se opõe a outro modo de ser, um recorte do mundo sensível que se opõe a outro recorte do mundo sensível”. Isso se torna possível em um momento em que aqueles antes destituídos de fala se colocam frente aos comumente detentores da fala, constituindo um dissenso. Ele se opõe a um pensamento que vê a política como a busca de um consenso, que para ele seria “o esquecimento do modo de racionalidade próprio à política”. Tal formulação é possível se temos em conta que vivemos em um mundo já organizado a partir de regras pré-estabelecidas dentro de uma lógica consensual de como devem agir os atores em sociedade. Os operadores desta lógica, Rancière chama de polícia, em suas palavras “o recorte do mundo sensível que define, no mais das vezes implicitamente, as formas do espaço em que o comando se exerce. É a ordem do visível e do dizível que determina a distribuição das partes e dos papéis primeiramente a visibilidade mesma das ‘capacidades’ e das ‘incapacidades’ associadas a tal lugar ou tal função”3. Em outras palavras, polícia são aqueles que detêm o poder de nominar o mundo existente.

Essa opção metodológica carrega consigo uma questão que permeia toda a pesquisa que é a existência ou não de política em um ambiente tão negociado que é o das relações internacionais, permeado por de ritos, hierarquias e códigos separando quem pode, ou não, participar das decisões ou fazer o uso da palavra. A palavra, por sinal, é o primeiro, senão o único, motivo de embate que poderíamos aproximar da política. As falas públicas são negociadas e institucionais, já que quem a profere representa algo (um país, um partido, um conjunto de pessoas). Ao se referir às reuniões da ONU, Celso Amorim aponta para esta dificuldade na fala pública:

“Os pronunciamentos durante uma sessões abertas representam um componente essencial no trabalho do Conselho de segurança, na medida em que captam a posição dos membros do Conselho em diferentes momentos no tratamento de temas específicos da agenda. Vale notar, ao mesmo tempo, que os pronunciamentos não contam toda a história. Como bem sabem aqueles que acompanham os trabalhos do Conselho, é nas consultas informais que se realizam os debates mais interativos, em que as delegações tem que investir seus recursos diplomáticos se quiserem influenciar os resultados. Num certo sentido, os pronunciamentos podem ser comparados a fotografias; ao passo que as consultas, com sua dinâmica por vezes imprevisível, poderia ser descrita como um drama que se desenrola, como num teatro ou num filme. Ainda assim, apesar de muitos pleitos por maior transparência, as consultas informais continuam a realizar-se em portas fechadas. É dizer, o ‘filme’ infelizmente não está disponível ao público geral, o que apenas aumenta a importância das ‘fotografias’.”

O embaixador dizia que ao público geral ficariam os certames já ordenados dentro de uma ordem negociada, consensuada. A ele, ao público geral, é negada a participação na disputa pela palavra. Por serem os participantes das decisões que levaram a Unasul os costumeiros outsiders do mundo policial e pela forma como ela foi constituída, essa pesquisa busca na assinatura do tratado de constituição da Unasul a possibilidade da política no plano da política externa.

A integração continental não é uma idéia nova, mas nessa roupagem e com as idéias e pessoas envolvidas no processo de construção da Unasul, o eixo sobre o qual essa integração se dava mudou. Assim como o protagonismo do governo brasileiro no processo modificou a geografia das negociações internacionais e consolidou um novo espaço de fala. Isso será apresentado nesta dissertação a partir de uma revisão histórica da política externa do país, na qual serão entremeados os discursos oficiais e de oposição quando o momento permite esse último, buscando uma compreensão sociológica.

É hipótese da pesquisa de que há um momento, no Brasil e na América Latina, em que se torna possível o questionamento das políticas neoliberais, face atual da dominação capitalista e a mudança, com o fortalecimento de um pensamento contrário. A forma como um dos principais símbolos da mudança age, o militante e líder político Luiz Inácio Lula da Silva, tem conseqüências no encadeamento de ações internas ao país, com a construção de um partido político ímpar, o PT, e externas, com a construção do Foro de São Paulo, que levam a modificações no modo de se pensar a Integração sul-americana. A política externa que visa a integração do continente se beneficia deste momento para a constituição de um organismo que, diferente dos que vinham sido constituídos anteriormente, é apresentado como fruto de uma nova identidade continental, a Unasul.

É importante ressaltar que a literatura sobre a Unasul resume-se, hoje, a poucos artigos acadêmicos, algumas matérias de jornal e nenhum livro. Com relação à de leitura empírica, há seus tratados constitutivos. Subjetivos mas de suma importância é a palavra dos envolvidos, que serão apresentadas a partir de discursos e entrevistas. Para dar solidez à interpretação desses elementos, foram lidos livros e textos sobre a diplomacia brasileira, as relações internacionais e a política contemporânea, além de tratados, declarações e relatórios que pudessem ajudar na investigação.

É importante ressaltar que o ponto de vista escolhido para a análise das relações internacionais é o brasileiro. Os atores pesquisados são todos brasileiros envolvidos, em algum momento de sua carreira, com o processo de construção da integração sul-americana ou do direcionamento das relações exteriores nacionais.

Introdução à Política externa brasileira

Visto de forma retrospectiva o Brasil tem, em sua história recente, dois países-chave para a compreensão de seus movimentos no cenário internacional: a Argentina e os Estados Unidos da América (EUA). Com o primeiro a relação vem de muito tempo, no período da expansão comercial e marítima européia dos séculos XV e XVI que levou à colonização dos territórios vizinhos. Essa relação de vizinhança na história dos países, ora é aproveitada em associações, geralmente para o fortalecimento conjunto de relações para com países mais longínquos, ora tida como rivalidade, pelo protagonismo no continente. Apesar de o Brasil fazer fronteira com quase todos os países da América do Sul, com exceção do Equador e Chile, a disposição das fronteiras do Brasil com a Argentina, com ligação terrestre e pelo Rio da Prata, assim como o fato de serem os dois maiores países territorial, populacional e economicamente, colaboram para a estreita relação.

A relação com os EUA se dá em um momento mais tardio, mas de forma bastante intensa e em um formato de dependência ou colonialismo econômico moderno. O projeto dos líderes que fundaram aquele país conformou uma nação autocentrada e com propósitos econômicos muito explícitos, que levaram a um expansionismo diferente das nações européias. A importância dos outros países para os EUA, de um modo geral, é a de fortalecimento de sua economia e de seu poderio perante o mundo, sem o controle direto do Estado. Um exemplo foi a Doutrina Monroe, de 1823, que estabelecia unilateralmente uma relação regional capitaneada pelos EUA, em que os problemas estadunidenses deveriam ser resolvidos por eles próprios, excluindo de qualquer questão no continente os países europeus. Mais do que definir todo o restante do continente americano como parceiro privilegiado ou como aliado, o tomava como área de interesse e de influência direta8. Nesse papel, as ações estadunidenses junto ao Brasil ou à Argentina tiveram conseqüências nas relações entre esses dois países e, consequentemente, nas possibilidades de integração continental. Vale notar a instituição, após a Segunda Grande Guerra, da Organização dos Estados Americanos, nos moldes da ONU, mas com apenas uma grande potência hegemônica, e sediada em Washington, capital dos EUA. Experiências de associação dirigida já haviam sido tentadas, como durante a 1ª Conferência Pan-americana de nações, em 1889, sem sucesso.

A importância da América do Sul para a política dos EUA é grande. Longe das principais potências, com um território vasto e populoso, rico em recursos naturais, e com problemas históricos de governabilidade (inclusive em conseqüência de ações estadunidenses), a região alimenta a indústria daquele país com matérias-primas, consome sua produção excedente e se deixa proteger militarmente, evitando conflitos diretos, nos quais teria dificuldade de sair vitoriosa, pela grande distância tecnológica que separa as forças armadas sul-americanas das estadunidenses, bem mais desenvolvida.

Sem motivos para conflitos diretos, o Brasil tem com esses dois países e, com todos os demais, relações diplomáticas pacíficas. Reconhecida como atividade de grande importância, a diplomacia é regida por normas, convenções e tratados internacionais e é organizada por cada Estado, de forma independente. Os agentes da diplomacia não falam por si, e sim por seus países, o que os torna uma classe diferenciada das demais categorias de representação. Por isso, mesmo as palavras são rigorosamente trabalhadas e só vem a público quando consensuadas ao máximo. Há uma série de regras, implícita e explicitas, que conformam um mundo simbólico bastante fechado. A fuga a determinadas regras ou suas modificações são tidas como expressões de intenção, e não como gafes, como poderiam ser. Da mesma forma, na construção de um documento, cada palavra é minuciosamente pensada, inclusive com suas possíveis traduções, que não devem dar margem (a não ser intencional) a ambigüidades. E a disputa sobre os conteúdos de documentos é imensa.

No Brasil o corpo diplomático é composto por uma elite funcional, escolhida através de um concurso público. Após a aprovação, os funcionários passam por um curso interno e ingressam na hierarquia própria da carreira, que exige contínuo aperfeiçoamento político e intelectual. Os Ministros de 1ª classe, ou embaixadores, enquadramento funcional mais alto, são aqueles que usualmente representam o Brasil em outros países ou órgãos internacionais, enquanto os demais dão suporte a este trabalho na pasta hoje nominada de Ministério das Relações Exteriores (MRE). O ministério também é conhecido por Itamaraty, por conta da tradição, e é comandada por um Chanceler, o Ministro das Relações Exteriores.

Apesar da organização interna bem estruturada, com hierarquias e papéis definidos, o Itamaraty, em última instância, é chefiado pelo presidente da República, no Brasil chefe de governo e chefe de Estado. Por isso não é incomum que a Chancelaria ou postos de representação sejam ocupados por pessoas indicadas por ele, mesmo que de fora da corporação. Essa tensão entre carreira de Estado e política de governo é viva e presente no exercício da diplomacia, pois os rumos tomados pela diplomacia, como veremos, é resultado das propostas apresentadas pelo presidente ao MRE.

No caminho desta exploração, importante fazer um breve retrospecto da diplomacia, pelo menos a partir de 1951, período seguinte ao fim da Segunda Guerra Mundial, para caracterizar as ações diplomáticas de acordo com o os diferentes governos que tivemos. Segundo aponta Vizentini,

“apesar das distinções entre as presidências de Getúlio Vargas, Juscelino Kubistchek de Oliveira e Jânio Quadros-João Goulart, bem como as particularidades que marcaram o contexto histórico das políticas externas de cada um desses presidentes, elas possuíam acentuados traços em comum e elementos de continuidade. Ainda que caracterizada por certas ambigüidades e interrompida por um hiato após o suicídio de Vargas, a política externa desses períodos apresenta um aprofundamento contínuo, partindo do nacional-desenvolvimentismo populista, passando pelo desenvolvimentismo associado e atingindo sua forma maior com a Política Externa Independente” .

O autor afirma que o período representou

“um período de luta entre dois projetos, caracterizando uma fase de avanços e recuos entre os nacionalistas e os ‘entreguistas’. O primeiro inspirado na Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe, da Organização das Nações Unidas) e catalisado pelo ISEB (Instituto Superior de Estudos Brasileiros), buscava certa margem de autonomia diante dos Estados Unidos para impulsionar o projeto de desenvolvimento industrial, calcado em certa reforma social. O segundo, apoiando-se nas fronteiras ideológicas caracterizadas pela Escola Superior de Guerra (ESG) e no liberalismo econômico, destacava as vantagens comparativas da agricultura e a agenda de segurança defendida pelos Estados Unidos na Guerra fria. Inimigos dos nacionalistas, foram por eles caracterizados como ‘entreguistas’.”

Como mostram as apresentações de Vizentini, há uma tensão entre continuidade das atividades do Estado. O autor reconhece que há uma linha de continuidade, mas ela é permeada por uma constante oscilação entre uma visão de autonomia nacional e uma visão de alinhamento aos Estados Unidos da América (EUA). Moniz Bandeira discorda da visão de continuidade. Por mais que houvessem traços comuns, muitas das políticas se diferenciaram, quando não divergiram entre si. E aponta a difícil negociação entre o Brasil e os EUA no período Juscelino Kubitschek como exemplo. É interessante relacionar a visão dos dois autores sobre esta relação pois eles partem de pontos de vista diferentes, o que enriquece bastante a análise.

Com Vargas, a política externa brasileira foi nacional¬desenvolvimentista, pois apesar de extremo contato com os EUA, houve a intenção de fortalecer o país rumo a uma independência. Isso se nota quando houve a dúvida sobre que tipo de alinhamento ocorreria durante a guerra. Vargas teve que optar, e apoiamos os aliados em oposição ao eixo, mas isso não sem problemas estratégicos vividos pela diplomacia nacional. O governo se opôs ao envio de tropas para a Coréia, como pedido pelos EUA. Havia, na população, certo sentimento anti-EUA, porém isso não se refletia com força, por conta da bipolarização do mundo. Até porque, não ser alinhado aos EUA, soava como um alinhamento à URSS.

Com Kubistchek, imperou o contato com os Estados Unidos e caiu a independência. O desenvolvimento associado foi um projeto que propunha o investimento maciço dos EUA e das indústrias estadunidenses no Brasil, como forma de superarmos o atraso. Realmente houve um desenvolvimento, principalmente industrial, mas a associação aos EUA gerou conseqüências complicadas. E esse alinhamento se deu após um conflito bastante incisivo em torno do tipo de investimento que os EUA pretendiam fazer no Brasil. O governo brasileiro buscou investimentos diretos como retorno do apoio dado àquele país, mas era claro o movimento que os EUA faziam em torno do recrudescimento da dependência financeira, modo pelo qual conseguiam ter mais controle sobre as políticas nacionais. O ponto alto da divergência, que acabou não mudando a relação amistosa entre os dois países, foi o rompimento, em 1959, com o Fundo Monetário Internacional, que apertava o investimento público. Nesse caso, como em alguns outros posteriores, se explicita o tipo de relação que os EUA pretendiam com seus “parceiros” americanos. Havia o investimento externo, mas de forma direta e sem ônus estatal, para que as empresas estadunidenses pudessem se alocar nos países sem problemas. Mas ao mesmo tempo, impediam o desenvolvimento das indústrias nacionais, principalmente as estatais, controlando o tipo de desenvolvimento em cada país e garantindo a sua dependência econômica, usando o controle das instituições econômicas do pós-Segunda Grande Guerra, como FMI e Banco Mundial .

O governo Jânio Quadros, apesar de rápido, iniciou um processo de ruptura com a política externa dos governos anteriores, de forma bastante acentuada. O Brasil tendo como chanceler Afonso Arinos de Mello Franco reata diplomaticamente com o outro lado da bipolaridade, estabelecendo relações com Hungria, Romênia, Bulgária e Albânia. O país também apresenta propostas concretas de aproximação regional no âmbito da América do Sul, principalmente com a Argentina. E desenvolve uma Política Externa Independente, que será aprofundada no governo João Goulart. No curto período de tempo de seu governo (oito meses), Jânio se opõe à intervenção militar dos EUA contra Cuba com base no direito à soberania e a autodeterminação dos povos. Um dos principais comandantes da revolução cubana, Ernesto “Che” Guevara, chega a ser condecorado com a Grã Cruz da Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, a “mais alta condecoração brasileira atribuída a cidadãos estrangeiros” .

Mesmo com o imbróglio causado com a renúncia de Jânio Quadros e a dificuldade e Goulart assumir o governo, sob muita pressão interna e externa, assume como Ministro das Relações Exteriores San Tiago Dantas, que desde

o governo Vargas havia tomado medidas no sentido da independência da política externa brasileira em relação aos EUA. Ele empreendeu no MRE a “Política Externa Independente” (PEI) que tinha como premissas (i) a exportação de produtos brasileiros a todos os países, inclusive socialistas; (ii) a defesa do Direito Internacional, da auto-determinação e da não intervenção nos assuntos internos de outros países (aplicados em relação a Cuba); (iii) política de paz, desarmamento e coexistência pacífica nas relações internacionais; (iv) apoio à descolonização completa de todos os territórios ainda submetidos e; (v) formulação autônoma de planos nacionais de desenvolvimento e de encaminhamento da ajuda externa15, levando a frente o que propôs em seu discurso de posse, quando disse que se pautava pela “consideração exclusiva do interesse do Brasil, visto como um país que aspira ao desenvolvimento e à emancipação econômica e à conciliação histórica entre o regime democrático representativo e uma reforma social capaz de suprimir a opressão da classe trabalhadora pela classe proprietária” .

Pouco mais de dois anos depois, ambos são destituídos de seus cargos com o golpe militar de 1964 que inicia mais uma ditadura no país. Dado importante é que o Itamaraty, sem o conhecimento do presidente, renova o Acordo Militar com os EUA. Segundo Vizentini os governos Quadros e Goulart “significaram a passagem da política exterior brasileira, de sua face voltada predominantemente para as relações com os Estados Unidos e para a inserção no contexto hemisférico, a uma nova fase, mais complexa, em que a multilateralização passa a ser buscada como parâmetro das relações internacionais.” Se o momento pré-1964 havia sido um momento nacionalista, o golpe “foi o momento do contra-ataque do projeto da ESG. O Alinhamento automático com Washington, efetuado pela Doutrina de Segurança Nacional após 1964, combinou-se com a contenção do movimento popular e das tendências ‘esquerdistas’ da estratégia anterior. Não se tratava apenas do ‘saneamento’ e abertura econômicos, mas da ‘restauração da ordem’”, e da associação stricta aos EUA. Moniz Bandeira, que não privilegia a relação entre as escolas, assinala, sobre a associação, que:

“Àquele tempo, a tendência para a intervenção das Forças Armadas no processo político de diversos países da América Latina não resultou somente de fatores endógenos, inerentes aos países da região. Mais do que uma questão de política nacional, de política externa de Argentina, Peru, Guatemala, Equador ou Brasil, os golpes de Estado, que, após a revolução cubana, convulsionaram toda a América Latina, configuraram igualmente um fenômeno de política internacional, cujo epicentro se encontrava na mutação da estratégia de segurança continental, promovida pelo Pentágono, redefinindo as ameaças, com prioridade para o inimigo interno, e difundido, pela Junta Interamericana de Defesa, as doutrinas de contra-insurreição e de ação cívica.”

Associação Latino Americana de Livre Comércio – Alalc

Neste período (1961 a 1964) houve a criação de um primeiro dispositivo de integração regional, a Associação Latino Americana de Livre Comércio, ALALC, em 28 de fevereiro de 1960. É interessante notar como o documento retrata, de forma indireta, a situação na qual viviam os países do continente, assim como suas proposições indicam o ambiente político daquele momento. Sem objetivos anteriores, apresenta a necessidade de tal organismo, pois os governos presentes :

“PERSUADIDOS de que a ampliação das atuais dimensões dos mercados nacionais, através da eliminação gradual das barreiras ao comércio intra-regional, constitui condição fundamental para que os países da América Latina possam acelerar seu processo de desenvolvimento econômico, de forma a assegurar um melhor nível de vida para seus povos; (…) CERTOS de que toda ação destinada à consecução de tais propósitos deve levar em conta os compromissos derivados dos instrumentos internacionais que regem seu comércio; DECIDIDOS a perseverar em seus esforços tendentes ao estabelecimento de forma gradual e progressiva, de um mercado comum latino-americano, e assim, a continuar colaborando com o conjunto dos governos da América Latina nos trabalhos já empreendidos com tal finalidade; e ANIMADOS do propósito de unir seus esforços em favor de uma progressiva complementação e integração de suas economias com base numa efetiva reciprocidade de benefícios, decidem estabelecer uma zona de livre comércio e celebrar, com esse objetivo, um Tratado que institui a Associação Latino-Americana de Livre Comércio; e, para esse fim, designaram seus Plenipotenciários, os quais convieram no seguinte: (…)” .

Como o nome do organismo adianta, há a busca de uma associação de países que buscam entre si reciprocidade de benefícios para comerciar, dentro dos marcos internacionais. Esse seria o início de um processo que culminaria em um mercado comum latino americano, objetivo de médio ou longo prazo. Essa visão é baseada na idéia de que a ampliação dos mercados nacionais é fundamental para que os países da América Latina possam acelerar seu processo de desenvolvimento econômico. Um esboço de preocupação humana aparece quando sugere que este desenvolvimento seria para assegurar um melhor nível de vida de seus povos. Tanto o texto como sua leitura explicitam o viés econômico implícito no desenvolvimento dos países. O nível de vida dos povos poderia ser assegurado por um conjunto de normativas de facilitação do comércio.

O documento segue apresentando uma série de tratativas sobre quais produtos poderiam ter suas taxas diminuídas, gradativamente, para alcançar o mercado comum e explicitando os que não poderiam ter as taxas reduzidas dentro do proposto no acordo, desde que ficasse explicada a razão. Seus artigos tornam-se interessantes, tendo em vista que a associação é entre os países da América Latina. O tratado visa a construção de uma zona comercial , prioritária para a troca de mercadorias. Essa zona comercial reflete, de certa forma, uma questão que já é presente naquele período, de que os EUA são uma economia muito forte em comparação a todas as demais economias latino-americanas e que é necessário uma união entre estas partes, para o progresso comum das nações. Mas a assinatura não resultou na imediata constituição de tal zona de livre comércio. Havia muita desconfiança entre os países signatários quanto ao potencial de cada país, por conta da disparidade entre eles. Com isso predominaram os acordos bilaterais entre os países em detrimento do movimento integracionista. Além disso, os EUA não viam com bons olhos a integração, em um momento em que os governos, em grande parte, buscavam se estabelecer, no plano internacional, dentro do espectro do não-alinhamento, ou seja, independentes da maior potência. Por fim, com o golpe militar, em 1964, mudaram os governos e os modelos de organização, inclusive econômicas.

Política externa brasileira durante a Ditadura Militar (1964-1985)

A política externa do período ditatorial também oscilou bastante. O primeiro, presidido pelo General Humberto Castelo Branco, se alinhou aos EUA e, como aponta Vizentini:

“representou um verdadeiro recuo, abandonando o terceiro-mundismo, o multilateralismo e a dimensão mundial da Política Externa Independente, regredindo para uma aliança automática com os Estados Unidos e para uma diplomacia de âmbito hemisférico e bilateral” .

O alinhamento era tal, que o recém designado embaixador em Washington, general Juracy Magalhães, chegou a dizer que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”23. Tendo em vista a dicotomia apresentada por Vizentini e apontada em momento anterior, não poderíamos ter outra configuração. Castelo Branco não apenas representava os ideais da ESG. Ela a havia fundado, em 1949.

Neste período, o conceito de soberania foi redefinido, visando incorporar valores ideológicos, para que fossem legitimadas as ações sobre Estados que não se alinhassem aos ditames ideológicos dos países do ocidente (leia-se capitalismo ou EUA). O que permitiu a instalação de uma força militar continental, a stand by force, que ficaria à disposição da OEA para agir, como agiu em diversos países, inclusive com a ajuda do Brasil, como na Nicarágua. A integração nesse início de ditadura se deu a partir do alinhamento com os EUA e com seus braços de controle sobre a América. Uma delas, está a força militar anti-comunista e, a outra, a Aliança para o Progresso, proposta política estadunidense que previa benesses aos signatários pelo apoio à ideologia capitalista e pelo controle ideológico dos demais países.

Com essa aliança estreita, que buscou desfazer a política externa construída nos governos anteriores, a situação do Brasil no contexto internacional se complicou. Com a ampliação de mercados estabelecida ao longo dos anos anteriores e os crescentes anseios nacionalistas por parte da população, não era possível ter como parceiro apenas um país, mesmo que uma potência cada vez mais hegemônica. O próprio desenho capitalista de mundo, esse infreável, ainda mais para os países da parte ocidental da bipolaridade mundialmente apresentada, indicava não ser possível tal forma de alinhamento. Éramos impelidos, para o bem das contas públicas, da balança comercial, a aumentar nossos parceiros, visando o aumento das exportações, e não o oposto. E essa contradição, entre acordo político, e a forma de produção, balançaram não apenas o governo de Castelo Branco, mas a sustentabilidade do Estado brasileiro. “O regime autoritário, modelado para garantir um clima favorável aos investimentos estrangeiros, só poderia subsistir se contemplasse as necessidades nacionais de desenvolvimento”24 . E, com apoio de grande parcela das Forças Armadas, principalmente a direita nacionalista, assume a presidência, em 1967, Artur da Costa e Silva.

O governo Costa e Silva tenta inverter a lógica existente na política externa daquele momento. Nomeia para o MRE Magalhães Pinto que, em seu discurso de posse, apresentou os rumos que nossa política externa deveria seguir a partir de então. Segundo o Ministro, o Brasil, “por sua importância política, demográfica, cultural e estratégica” não poderia depender dos ditames de qualquer outro país. Para ele, na arena internacional “a defesa intransigente dos interesses nacionais norteará sempre a política externa do Governo. (…) Política realista, sem preconceitos e prevenções” . Isso indicava uma volta a uma política mais autonomista. O Brasil rompe com a stand by force e volta a buscar a multilateralidade nos negócios internacionais. Essa mudança “agravou as relações com os Estados Unidos, que passaram a criticar Costa e Silva e a estabelecer novas alianças e estratégias para recolocar o Brasil no caminho de 1964”.26 Vale notar que apesar das mudanças, por ser um governo capitaneado por um general nacionalista e de direita, as relações com os países do bloco oriental, como URSS e mesmo com Cuba, comunistas, mantiveram-se inalteradas.

Com as tensões geradas pela oposição à política unilateral dos EUA para a América do Sul se somando aos conflitos cada vez mais constantes dentro das forças armadas, que se constituíam como o grande pólo de poder, com ideologias em choque, insubordinações e quebra de hierarquias para o alcance de espaços decisórios por parte de boa parte do oficialato, a governabilidade torna-se mais complicada para o presidente. Então, em dezembro de 1968 edita o ato pelo qual ficaria marcado, o Ato Institucional de número 5 (AI-5). Com o ato, a turbulência social se agrava, com a perda dos direitos individuais dos cidadãos. Diante de todo esse clima de tensão, Costa e Silva não resiste e sofre uma trombose cerebral. Assume então o governo uma junta provisória, formada pelos chefes das três forças armadas, que indicam o nome de Garrastazu Médici como Presidente da República.

No governo Médici há um retorno à associação aos EUA em que “o Brasil cumpriu com o papel que Washington esperava, ao fornecer apoio aos golpes de Estado no Chile, no Uruguai e na Bolívia. Existia portanto um espaço internacional para a configuração de um projeto de potencia média regional e uma conjuntura latino-americana altamente favorável. (…) A Diplomacia do Interesse nacional, preocupada exclusivamente em tirar proveito das brechas existentes no sistema internacional, enfatizou uma estratégia individual de inserção, estabelecendo relações essencialmente bilaterais, especialmente em direção aos países mais fracos”.

Mas a associação se dá de forma bastante contraditória. O Brasil busca se colocar perante o mundo como uma potência em ascensão e, por isso, não aceita a ingerência direta dos EUA em suas decisões. Ao mesmo tempo, como tem sua economia dependente do seu fluxo financeiro, busca utilizar sua posição de potencia sobre os países vizinhos, na América do Sul e com outros países do hemisfério, sem grande embate com os EUA. Neste período o Brasil assume uma posição sub-imperialista hemisférica.

Como potência, discorda de ditames diretos das potências mundiais e resiste à assinatura do Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares, rechaça as políticas de controle da natalidade e de combate à poluição do meio ambiente com o argumento de que elas não as haviam adotado anteriormente e que isso fragilizaria o crescimento nacional. Mas, ao contrário do que esperaria dos EUA, eles acatam tais decisões. O fluxo financeiro com o Brasil é sólido e o crescimento do mercado exportador os beneficia com a remessa de royalties. Em viagem de Médici aos EUA, o presidente ouve de Nixon, que “onde o Brasil for, o resto da América Latina irá28”. Se a declaração brindou a condição brasileira de sub-império, constituiu um imbróglio com todos os países latino americanos que viram na declaração um aval e uma diferenciação. Neste período a diplomacia se tornou um instrumento do expansionismo econômico.

Uma ruptura considerável acontece no governo do general Ernesto Geisel, que assume a presidência em 1974. A política externa empreendida por esse governo é bastante ousada e pragmática, na tentativa de fortalecer a imagem de potência, iniciada no governo anterior, se colocando, muitas vezes, em situação divergente à política dos EUA. Um primeiro fato foi a assinatura de acordo nuclear com a Alemanha, que previa a instalação de uma usina de enriquecimento de urânio com transferência total de tecnologia. Os EUA, quando souberam, se posicionaram contrariamente ao acordo. Não bastasse isso, o governo Geisel estabeleceu relações diplomáticas com a República Popular da China, país com o qual negociou tecnologia para desenvolvimento de foguetes. O governo também absteve-se quando a OEA votou sanções a Cuba e votou favoravelmente a uma resolução, na ONU, contra todas as formas de racismo, que incluía entre eles o sionismo. Ainda reconheceu os governos de Guiné-Bissau, Angola e Moçambique quando estas se emanciparam de Portugal, mesmo tendo seus governos influência marxista¬leninista e apoio de Cuba e URRS. Essa política “despertou a ferrenha oposição dos Estados Unidos, bem como de segmentos conservadores da política brasileira”. Segundo Moniz Bandeira

“o Brasil, na verdade, buscou aproveitar as brechas políticas, a fim de promover sua própria expansão econômica, apresentando-se aos países da África e do Oriente Médio como alternativa de mercado, em substituição à Europa Ocidental e aos EUA, desgastados por suas políticas coloniais e imperialistas” .

Com a mudança do governo estadunidense que deixa de ser governado por Kissinger, que tinha apreço pelo Brasil apesar das rusgas cada vez maiores, e passa a ser governado por Carter, a política de “controle da paz” no continente americano, ou seja, a retomada forte da doutrina Truman, fazem com que as relações diplomáticas fiquem bem frágeis. Ainda mais com a perspectiva do não controle do enriquecimento de urânio brasileiro. Neste período o Brasil já produzia boa parte dos armamentos de que necessitava. “Em 1977, apenas 20% dos equipamentos do exército provinham do exterior, importados de diferentes países, sendo mínima a participação dos EUA” . Com o aumento da pressão americana, Geisel decidiu por denunciar e romper

o Acordo Militar Brasil – Estados Unidos, o que surpreendeu o governo estadunidense, mas que não gerou um conflito. E a pressão econômica viu-se impraticável, pois a dívida do Brasil com os bancos estadunidenses eram tão grandes que se, ao forçar o pagamento, o governo brasileiro declarasse moratório, o sistema financeiro dos EUA sentiriam fortemente a descapitalização.

Como contraponto à distensão com os EUA, a diplomacia, que economicamente trabalhava na ampliação dos mercados por África e Oriente Médio, iniciou um trabalho de aproximação dos governos sul-americanos, principalmente com o governo argentino, com quem os EUA haviam cortado a assistência militar como medida popular contra o apoio aos regimes autoritários. Dessa aproximação resultaram, no ano seguinte, do Tratado de cooperação Amazônica com Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia, Suriname e República da Guiana, que promovia a integração física da região, mas que foi revestida de sentido político. E, em 1979, já no governo de Figueiredo, no acordo Tripartite entre Brasil, Argentina e Paraguai. Em parte, estes acordos foram facilitados pelo apoio mútuo dos regimes militares.

No último governo militar do período, o presidente Figueiredo conviveu com o aumento do poderio estadunidense, que “eliminava as possibilidades de relações multilaterais, desarticulando progressivamente a atuação coordenada do Terceiro Mundo”. A diplomacia brasileira optou por aprofundar a atuação na América do Sul, “cada vez mais um espaço valorizado pela diplomacia brasileira, incrementando uma cooperação político-econômica cujo eixo central era a aproximação com a Argentina. Era a primeira vez na história da política externa do país que a América Latina passava a ser uma prioridade, numa perspectiva de cooperação” . Em 1980 Brasil e Argentina firmam protocolos de cooperação, dentre os quais alguns de caráter militar, com troca de tecnologia para a fabricação de mísseis e de energia nuclear. Com os demais países latino-americanos ambos países repactuam a integração econômica com transformação da Associação Latino Americana de Livre Comércio (Alalc) em Associação Latino-Americana de Integração (Aladi) .

O governo dos EUA não ficou indiferente à movimentação e, como forma de frear o protagonismo brasileiro e a crescente autonomização da região, atua no centro da integração, na tentativa de aproximar a Argentina de seu governo, estimulando a rivalidade com o Brasil. Essa aproximação se deu principalmente em duas frentes: a retirada das sanções econômicas aplicadas ao país e na cooperação na área militar, com o intercâmbio de conhecimento entre os dois exércitos. Mas o que parecia ser uma solução ao antiamericanismo crescente na região e ao afastamento dos governos da região dos ditames dos EUA, por excesso de confiança acabou por fortalecer esses movimentos. Em abril de 1982 a Argentina, confiante nos acordos recém assinados, principalmente na área militar, resolveu retomar a posse das Ilhas Malvinas, decretando guerra à Inglaterra. Mas os EUA, ao invés de apoiá-la, garantiu seu apoio aos ingleses através dos compromissos firmados com a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), dando suporte logístico, já que agora conhecia melhor o exército argentino.

O governo brasileiro, apesar de ter se mantido oficialmente neutro, colaborou com a Argentina dando assistência material àquele país, inclusive militar. Como saldo da guerra, vencida pelos ingleses, podem ser explorados três pontos: a fragilidade do sistema interamericano, que tinha na OEA um pilar forte, que deveria garantir, inclusive, apoio militar, o que não ocorreu; a percepção de que os EUA, na região, deveriam ser vistos como um possível rival, e não como um aliado e; a necessidade de uma maior solidariedade entre os países sul ou latino americanos, já que para seu progresso deveriam contar antes com suas próprias forças do que com o suporte dos países do norte. É esse o espírito que se mantém pelo menos até 1985, com a eleição -indireta ¬do primeiro presidente civil no Brasil após a ditadura, assim como com a queda de grande parte dos regimes autoritários do continente.

Associação Latino Americana de Integração – Aladi

A transformação da Associação Latino Americana de Livre Comércio, Alalc, em Associação Latino Americana de Integração, Aladi, é permeada por uma série de mudanças no espectro político da região. Em 1980, como visto, há uma grande aproximação entre os países latino americanos por conta da forte pressão que os EUA fazem sobre eles. Assim, bilateralmente ou em pequenos grupos, uma série de acordos entre os países da região são assinados, que perpassam tanto questões econômicas como questões de desenvolvimento. E é isso que fica explicito quando de compara os texto de constituição dos dois organismos. Enquanto a Alalc buscava uma área de livre comércio, com a liberalização das economias, a Aladi tem, na troca, a viabilidade para o fortalecimento e o desenvolvimento dos países signatários.

A carta tem como preâmbulo seus objetivos:

“ANIMADOS do propósito de fortalecer os laços de amizade e solidariedade entre seus povos; PERSUADIDOS de que a integração econômica regional constitui um dos principais meios para que os países da América Latina possam acelerar seu processo de desenvolvimento econômico e social, de forma a assegurar um melhor nível de vida para seus povos; DECIDIDOS a renovar o processo de integração latino-americano e a estabelecer objetivos e mecanismos compatíveis com a realidade da região; SEGUROS de que a continuação desse processo requer o aproveitamento da experiência positiva, colhida na aplicação do Tratado de Montevidéu, de 18 de fevereiro de 1960; CONSCIENTES de que é necessário assegurar um tratamento especial para os países de menor desenvolvimento econômico relativo; DISPOSTOS a impulsionar o desenvolvimento de vínculos de solidariedade e cooperação com outros países e áreas de integração da América Latina, com o propósito de promover um processo convergente que conduza ao estabelecimento de um mercado comum regional; CONVENCIDOS da necessidade de contribuir para a obtenção de um novo esquema de cooperação horizontal entre países em desenvolvimento e suas áreas de integração, inspirado nos princípios do direito internacional em matéria de desenvolvimento; CONSIDERANDO a decisão adotada pelas Partes Contratantes do Acordo Geral sobre Tarifas

Aduaneiras e Comércio, que permite a celebração de acordos regionais ou gerais entre países em desenvolvimento, com a finalidade de reduzir ou eliminar mutuamente os entraves a seu comércio recíproco; CONVÉM EM subscrever o presente Tratado, o qual substituirá, de acordo com as disposições nele contidas, o Tratado que institui a Associação Latino-Americana de Livre Comércio.”

O texto, em relação ao da Alalc, traz mudanças significativas. Já no primeiro parágrafo surge a necessidade de se estabelecer laços de solidariedade entre os povos latino-americanos, sem menção à economia. O parágrafo é precedido do adjetivo animados, o que causa certa surpresa tendo em vista que grande parte dos signatários representavam governos militares. A partir do segundo parágrafo surgem algumas continuidades, como do preâmbulo aparecem os interesses econômicos. A persuasão, assim como no tratado anterior, é pela constituição de uma integração econômica, mas que deixa de ser fundamental para ser um dos principais meios para o processo de desenvolvimento da América Latina, desenvolvimento esse que não é apenas econômico, mas também social.

A ênfase no desenvolvimento é notável. Isso pode ser percebido já no título, quando esse conceito passa a substituir o livre comércio e durante todo o texto, onde seu uso torna-se recorrente. Esse desenvolvimento, no entanto, apresenta-se sempre acompanhado do conceito de horizontalidade. Como em a necessidade de cooperação horizontal entre países em desenvolvimento. Esse conceito demonstra que há desigualdades entre os países e que, por isso, é necessário assegurar um tratamento especial para os países de menor desenvolvimento econômico relativo. Por último, cabe notar que o tratado substitui o anterior, continuando a perspectiva de médio ou longo prazo da constituição de um mercado comum regional não criado até então (nos vinte anos que separam um tratado do outro), inspirado nos princípios internacionais em matéria do desenvolvimento, mas que respeite o Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio. De acordo com a redação tem-se uma intensificação do papel do desenvolvimento, mas aplicado sempre dentro das normas do comércio internacional e com o objetivo de haver uma integração econômica.

Ao longo do texto, alguns pontos também podem ser salientados de forma a conformar um desenho de suas pretensões e da realidade daquele momento. Em seu artigo terceiro os países firmam cinco princípios que o regem: Pluralismo, Convergência, Flexibilidade, Tratamentos diferenciais e, Múltiplo. O primeiro versa sobre a autodeterminação de cada país, pois nem todos eram governos ditatoriais ou militares, mas alguns sim. Com isso era preciso ressaltar que o acordo era “sustentado na vontade dos países¬membros para sua integração, acima da diversidade que em matéria política e econômica possa existir na região36”. Não era necessário, então o completo alinhamento político ou ideológico entre os países, mas o respeito às escolhas de cada um. Isso evitaria a denuncia a possibilidade de sanções sobre algum país por denúncia de outro em outros órgãos econômicos internacionais.

Para evitar que os países de outras regiões, em acordos bilaterais, como por exemplo os EUA, buscassem vantagens que pudessem prejudicar a integração, o artigo 48 do texto traz uma salvaguarda:

“Os capitais procedentes dos países-membros da Associação gozarão no território dos outros países-membros de um tratamento não menos favorável do que o tratamento que se concede aos capitais provenientes de qualquer outro país não membro, sem prejuízo do previsto nos acordos que os países-membros possam celebrar nesta matéria, nos termos do presente Tratado.”

Naquele momento era tensa a relação de diversos países, principalmente os militarizados, com o governo Carter, que jogava pesado para manter os países latino-americanos dependentes dos EUA.

Apesar das mudanças ocorridas nos países signatários nos anos seguintes, esse embrião, mais do que a anterior Alalc, foi importante para a consolidação de um formato de integração que, como veremos, sofrerá alterações dez anos depois, em 1990, com o Mercosul.

 

Unasul: Uma Perspectiva Política de Integração Sul-americana (Parte 2)


Publicado em 25 janeiro, 2011

Possibilidade política I -O Partido dos Trabalhadores (PT)

A história costuma ser contada a partir do ponto de vista dos detentores do poder, da história oficial. Apesar de essa lógica estar sendo modificada continuamente, não é muito fácil conseguir resgatar a história dos vencidos, daqueles que a História costuma anular, destituir de voz. Mas uma experiência contra-hegemônica que se fortaleceu, consolidou e hoje é detentora de parcela de poder, é a construção do Partido dos Trabalhadores, o PT. Nesse capítulo nos deteremos ao que esse partido representou ao longo da história brasileira recente, buscando compreendê-lo, mas, principalmente, ressaltando fatos importantes na trajetória e fazendo interface com a política externa nacional. O partido surge como uma experiência política nova. Ao contrário dos partidos comunistas e socialistas que haviam no mundo àquela época, no início dos anos 1980, ele institui um modo específico de socialismo e de esquerda democrática que traz uma nova coloração à política existente até então.

Para fins de análise, apresentaremos aqui as principais propostas do PT com relação à política interna e externa nos períodos, dando ênfase à segunda. Também será apresentada a estrutura do Partido em alguns momentos, para que se tenha uma idéia de sua conformação, dos principais atores e para que seja possível compreender os movimentos ocorridos no seu entorno, bem como os que ele empreendeu.

Embora muito conhecida e estudada, essa história é importante ser relembrada em virtude da especificidade política brasileira e o recorte feito sobre esse tema. A ditadura militar havia abolido os partidos políticos, permitindo, em seguida, apenas a Aliança pela Renovação Nacional (Arena) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Alguns grupos antes organizados, como o Partido Comunista, foram tornados ilegais, deixando poucas possibilidades de ação.

Eram três os caminhos possíveis de atuação: os partidos legitimados pela ditadura militar, as lutas sociais em torno dos direitos negados pela ditadura (civis e/ou sociais) ou o enfrentamento direto à ela, em guerrilhas ou levantes armados. Nem todos estes movimentos se proclamavam de esquerda. A questão era a luta pela democracia. E a ditadura foi enfática em sua resposta a estes grupos. Perseguições, prisões, deportações, tortura. Apoiada pela grande imprensa e pelos setores conservadores da sociedade, a ditadura fixou o problema brasileiro na esquerda, que combatia não apenas fisicamente como ideologicamente. Houve reformulação do currículo escolar, aposentadoria compulsória de professores universitários e profissionais divergentes, censura às obras de artistas, na tentativa de destituir esse lado do pensamento vigente, fortalecendo um pensamento hegemônico sobre o progresso, um pensamento oficial.

O preâmbulo para o surgimento do que viria a ser o maior partido de massas da América do Sul foi o

“contexto de intensa mobilização social que se espalhou do ABCD38 para o país todo entre 1878 e 1989. Ausentes do noticiário desde o golpe de 1964, exceto por uma brevíssima rentrée em 1968, os conflitos de classe voltaram à tona com a paralisação espontânea que atingiu a montadora de caminhões Scania-Vabis no dia 12 de maio de 1978 e prosseguiram até que o desemprego crônico dos anos 90 cortasse o ímpeto das lutas reivindicativas39”.

Esse movimento operário trazia idéias e práticas diferentes, e com ele surgiam novas lideranças sindicais, como Olívio Dutra, do Sindicato dos Bancários de Porto Alegre, Jacó Bittar, do Sindicato dos Petroleiros de Paulínia, Paulo Skromov, do Sindicato dos Coureiros de São Paulo e Luiz Inácio da Silva, o Lula, do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Diadema. São estes que, junto a intelectuais e estudantes que se aproximaram do movimento operário por ver nele uma possibilidade de reconstrução da esquerda e com movimentos organizados a partir da Igreja, com as Comunidades Eclesiais de Base, começam a pensar na formação de um novo partido .

O PT surge depois de debates com a perspectiva de ser um partido que represente os anseios dos trabalhadores. Para isso não seria um Partido Socialista, como queriam parte dos intelectuais daquele grupo, nem um Partido Comunista, por conta da tradição de militantes que também ali estavam, pois os trabalhadores temiam que o rótulo ou a linha ideológica atrapalhasse o propósito maior, que era colocar a classe trabalhadora no poder. Assim optou¬se por Partido dos Trabalhadores, em que o direcionamento e as escolhas se fariam por eles próprios. Em que os trabalhadores seriam os agentes de sua própria história, como expressa a sua Carta de Princípios:

“O Partido dos Trabalhadores entende que a emancipação dos trabalhadores é obra dos próprios trabalhadores, que sabem que a democracia é participação organizada e consciente e que, como classe explorada, jamais deverá esperar da atuação das elites privilegiadas a solução de seus problemas” .

Apesar de ter como foco as questões nacionais, o PT, como grande parte dos partidos de esquerda, desde seus primeiros documentos aponta para uma política interligada com o internacionalismo e, por isso, tem um conjunto de ações de cunho internacional. Na plataforma política para a criação do Partido, de 1979, aparece como ponto a “política externa independente” que, no programa de lançamento, se desdobra em dois momentos. O primeiro quando afirma que

“o PT combate a crescente internacionalização da economia brasileira, que resultará num acréscimo brutal da dívida externa, ao mesmo tempo em que submete a classe trabalhadora a uma exploração mais desenfreada. Os trabalhadores brasileiros são os grandes prejudicados pela dependência externa, econômico-financeira, tecnológica e cultural” ,

ou seja, com a percepção de que a crise econômica nacional não está descolada de uma ordem econômica internacional. De forma mais propositiva, o documento apresenta que:

“quanto à relação entre as nações, o PT defende uma política internacional de solidariedade entre os povos oprimidos e de respeito mútuo entre as nações, que aprofunde a cooperação e sirva à paz mundial. O PT apresenta com clareza a sua solidariedade aos movimentos de libertação nacional e a todos os movimentos de âmbito internacional que visem criar melhores condições de vida, justiça e paz para toda a humanidade” .

Nesse segundo ponto é possível perceber certa inclinação para o internacionalismo, comum às esquerdas, mas sem a insistência na organização proletária. São essas nuances que moldam o perfil do Partido. Em seu plano de ação, no item “Independência Nacional”, há quatro tópicos: Contra a dominação imperialista; Política externa independente; Combate à espoliação pelo capital internacional e; Respeito à autodeterminação dos povos e solidariedade aos povos oprimidos.

Fundado o Partido, em 20 de fevereiro de 1980, com uma comissão Diretora Nacional Provisória, tem início sua vida organizativa. No Inicio de agosto de 1981 acontece o 1º encontro nacional do PT, que elegeu a primeira diretoria, e no final de setembro do mesmo ano é realizada a 1ª Convenção Nacional. Em seu discurso na Convenção, Lula, eleito presidente do partido, aponta o que pensa sobre a política externa do partido. Diz Lula:

“Nós, do Partido dos trabalhadores, queremos manter as melhores relações de amizade com todos os partidos que, no mundo, lutam pela democracia e pelo socialismo. Este tem sido o critério que orienta e continuará orientando os nossos contatos internacionais. Um critério de independência política, plenamente compreendido em todos os países que andamos, que devemos aqui declarar em respeito à verdade e como homenagem a todos os partidos amigos. Vamos continuar, com inteira independência, resolvendo nossos problemas à nossa maneira”.

Com isso Lula, apesar de flertar com os governos de esquerda, como o soviético e o cubano, mantinha uma margem de distanciamento, conseguindo posicionar o partido no plano político nacional à esquerda, mas sem ser radical.

O surgimento de um partido como o PT, proveniente das classes populares, baseado em movimentos de transformação e pela conquista de direitos, por sindicatos e com apoio das classes médias de esquerda e progressistas, acabou por estimular certo assédio internacional dos partidos comunistas e socialistas, principalmente os que contavam com estruturas fortes. Para o relacionamento com estes, e para a construção de relações partidárias em âmbito internacional, em 1983 designou-se a 2ª secretaria do partido como Secretaria de Relações Internacionais. Apesar de sua relevância, ela não tinha nem denominação nem lugar fixo na estrutura partidária. Apenas seu responsável permaneceu o mesmo, o advogado Luiz Eduardo Greenhalg, que ficou com o cargo até 1990, ano em que ela foi enfim formalizada.

Em 1982, na preparação para as eleições, o PT lançou uma Plataforma Eleitoral Nacional, para ser seguida pelo partido em todo o território brasileiro. Nele há a crítica dos principais problemas existentes na época, com ênfase à falta de liberdades individuais. O PT lutava pelo fim da ditadura militar e pelas eleições diretas a todos os cargos. Também tinha como bandeira o reconhecimento das entidades representativas, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a União Nacional dos Estudantes (UNE). A Plataforma se dedica às reformas trabalhista, agrária, dos sistemas de saúde e educação e pelo fim da discriminação às mulheres, negros, índios e homossexuais e à necessidade de mudança na representação política, com a ascensão dos trabalhadores ao poder. Nela há ainda um ponto exclusivo para a política externa, em que surge um melhor delineamento das diretrizes:

“No plano internacional, somos solidários com todos os povos que lutam por sua libertação. Neste momento, essa luta adquire particular importância na América Central e na África Negra, assim como na luta do povo palestino pela reconquista de sua terra.

O PT apóia a luta dos trabalhadores de todo o mundo. Cumpre ressaltar, neste momento, a luta dos trabalhadores da Polônia pelo aprofundamento do socialismo e pela democratização dos processos de decisão naquele país. Temos claro que a libertação do nosso povo depende também da luta internacional dos trabalhadores.

Defendemos, ainda, uma política externa independente, com o estabelecimento de relações diplomáticas com todos os países socialistas. Somos contra o Brasil manter relações diplomáticas com um Estado racista, como a África do Sul, e com a ditadura de El Salvador e se negar a manter relações com Cuba, Albânia, Vietnã ou Coréia do Norte.

Os Trabalhadores oprimidos de todo o mundo lutam contra a opressão e a exploração. No entanto, a libertação só vai ser efetivamente concretizada com a construção do socialismo” .

Com essa plataforma o PT assumia uma posição mais declarada sobre a defesa do socialismo, mas dentro do que o Partido acreditava como tal, o chamado socialismo petista, democrático, naquela época apresentado por Lula como aquele que

“se definirá por todo o povo, como exigência concreta das lutas populares, como resposta política e econômica global a todas as aspirações concretas que o PT seja capaz de enfrentar. (…) O socialismo que nós queremos não nascerá de um decreto, nem nosso, nem de ninguém. O Socialismo que nós queremos irá se definindo nas lutas do dia-a-dia, do mesmo modo que estamos construindo o PT. O Socialismo que nós queremos terá que ser a emancipação dos trabalhadores. E a libertação dos trabalhadores será obra dos próprios trabalhadores” .

O PT promove de forma recorrente encontros partidários, para que a militância e dirigentes pactuem a plataforma e as principais pautas a que o partido deve se dedicar. As relações internacionais aparecem de forma constante entre 1980 e 1991, no I Congresso do PT. Depois passam por um período sem destaque e reaparecem em 1997, no 11º encontro nacional. Também são Objeto do III e IV Congressos do PT (2007 e 2010, respectivamente). Serão apresentadas algumas resoluções apresentadas nestes eventos, dentro de seu contexto, para que fique mais clara a posição do Partido, nos diferentes momentos, em relação à política internacional.

Em 1984, a questão que permeava o partido era a eleição para a presidência da República no ano seguinte. O movimento das diretas já era a principal bandeira. No plano internacional o PT mantém o discurso que convergente com o socialismo, ao reforçar o apoio aos países do continente que, por adotarem regimes socialistas, como Cuba, ou terem movimentos socialistas sofrem sanções dos países do Norte. Mas ao mesmo tempo reconhece o Movimento Solidariedade que resiste ao regime soviético, o que reafirma que nenhuma opressão interessa ao partido, seja ela de direita ou esquerda, e que o rumo para as transformações é o socialismo democrático. Segue o texto:

“Como partido político que aspira ao Socialismo, o PT deve defender uma política internacional em favor dos interesses dos povos que lutam por sua libertação. Devemos recusar todas as formas de submissão do País à dominação imperialista, como as que impõe restrições nas relações internacionais. Uma política externa independente implica, hoje, a ampliação das relações comerciais e diplomáticas com os países socialistas e do Terceiro Mundo. A luta do povo brasileiro é inseparável das lutas dos povos latino-americanos, pela semelhança das condições econômicas, históricas e culturais. Daí nossa prioridade para o fortalecimento dos laços com os movimentos de libertação latino-americanos, que têm, hoje, como pontos principais a Nicarágua, El Salvador e Cuba.

Por outro lado, cabe ressaltar, neste momento, ao lado das lutas dos povos latino-americanos contra o imperialismo, a luta dos trabalhadores da Polônia, que resistem em torno do Movimento Solidariedade. A busca de um novo caminho para a efetiva emancipação dos trabalhadores, sem privilégios e opressões de castas burocráticas, deve nos levar ao mais amplo intercambio de idéias e experiências com partidos trabalhadores de todo o mundo”47 .

Durante os anos de 1985 e 1986, com a derrota do movimento pelas Diretas, a eleição de Tancredo Neves, sua morte, a posse de José Sarney e as eleições para a Assembléia Constituinte, a pauta internacional fica fora dos Encontros do PT. Em 1986, no 4º Encontro Nacional, o tema volta a cena, pois a conjuntura internacional estava permeada por diferentes movimentos que eclodiam pelo mundo pela libertação de povos. No encontro, o Partido define um Plano de ação política e organizativa dos trabalhadores para o período 1986/87/88. Esse plano era também resultado da eleição da Assembléia Constituinte, em que se constatou que, apesar de forte, o movimento e mobilização dos trabalhadores não conseguiam obter apoio popular nas urnas. O texto de política internacional situa o próprio PT em relação aos movimentos que se observavam naquele período:

“O PT nasceu e se desenvolve em conjuntura histórica de crescimento das lutas de libertação em todo o mundo. Exemplo destacado deste processo é a Revolução Nicaragüense e a luta que os povos da América Central travam contra o imperialismo norte-americano. A emergência popular da África Negra, a queda de Ferdinando Marcos, nas Filipinas, e de ‘Baby Doc’ no Haiti, são outros tantos exemplos de avanço democrático e socialista no cenário internacional. Um dos compromissos mais caros ao PT é exatamente a solidariedade com as lutas de outros povos. Solidariedade encarnada de atos, e não apenas de discurso. Por isso, devemos incrementar entre os militantes petistas o conhecimento das lutas de libertação e/ou socialistas dos diversos países. Além disto, cada diretório, cada núcleo, cada órgão petista deve, na medida das suas possibilidades, contribuir, em seu próprio espaço de atividades, para a execução dessa diretriz nacional. Ajudando a denunciar os crimes da ditadura chilena, a repressão do Solidariedade na Polônia, colaborando nas campanhas de ajuda material à Nicarágua, a El Salvador, etc. Em uma palavra: defendendo os direitos humanos, individuais ou coletivos, onde quer que eles sejam desrespeitados e apoiando os movimentos democráticos e socialistas de todos os quadrantes” .

O texto do 4º encontro se diferencia dos anteriores também por entender a solidariedade às lutas internacionais como aspecto fundamental da formação do militante petista e que, por isso, deveria ser repercutido em atividades de formação ou de ação do conjunto de filiados. A linha de continuidade é colocada principalmente com a defesa do Movimento Solidariedade, o que transforma a luta petista pela defesa dos direitos humanos, independente da ideologia do Estado opressor, como era o caso da Polônia sob influência soviética. Importante notar que esse texto também explicita o imperialismo, que em textos anteriores não tinha aparência. Coloca-se nesse documento os EUA como a fonte do imperialismo, que oprime o mundo mas, principalmente, a América Latina.

No ano seguinte, no 5º Encontro Nacional apesar de não haver um ponto específico sobre a política internacional, destacam-se dois parágrafos da tese objetivo estratégico do PT: O Socialismo, um dos três pontos discutidos no encontro. Neles o PT aborda as mesmas questões apresentadas no ano anterior, a Revolução da Nicarágua, o apoio ao Solidariedade e o repúdio à ditadura chilena. É interessante notar que o que permeia o apoio a estas três lutas, bem distintas entre si, é a afirmação do socialismo petista, ou seja, a construção de um plano socialista em que a grande defesa seja a o apoio às lutas dos povos por liberdade e a emancipação dos trabalhadores. No primeiro caso, na Nicarágua, um exército revolucionário lutava para garantir a independência com relação ao governo subserviente aos EUA. Na polônia os comunistas se colocavam contrários a uma livre associação de trabalhadores descontentes com o regime e o Chile vivia uma situação parecida com a que o Brasil havia vivido pouco tempo antes, uma ditadura militar. Em cada luta dessas o PT ajudou da forma possível, consolidando em seu entrono um espectro forte de liberdade e independência. Não era possível classificar o Partido dos Trabalhadores sem uma análise do seu processo. A essa altura, o PT possuía contato com diversos partidos políticos de esquerda e democráticos por todo o mundo e, sempre que possível, enviava dirigentes e parlamentares para a observação de fatos relevantes e para o intercâmbio de trabalhos.

A importância do intercâmbio internacional ficou claro ao partido no 6º Encontro Nacional, ocorrido em 1989. Este encontro é marcado pela proximidade das eleições presidenciais que ocorreriam em outubro daquele ano. Assim, o encontro tem como base quatro pontos, sendo que três deles ligados às eleições: As eleições presidenciais e a candidatura de Lula; Diretrizes para a orientação do Programa de Governo e; As bases do plano de ação de Governo. O primeiro destes reconhece que a fase pré-campanha deve ser aproveitada para “realizar o projeto de viagens ao exterior, tendo por objetivo ampliar o nível de relacionamento do Lula e do PT com governos e forças políticas e sociais dos diversos países do mundo e projetar a imagem do companheiro Lula como estadista. (…) As relações internacionais do Partido se ampliaram e, sem fazer qualquer concessão de princípio, abrimos canais de diálogo com diferentes forças políticas internacionais, tendo em vista a possibilidade de sermos governo a curto prazo”50 .

Além destas viagens, que visavam ampliar a visibilidade do candidato à presidência, o PT elaborou, nas diretrizes para o programa de governo um capítulo específico para a política externa:

Por uma política externa soberana.

O Governo do PT conduzirá suas iniciativas no plano internacional de acordo com uma política externa independente e soberana, sem alinhamentos automáticos, pautada pelos princípios de autodeterminação dos povos, não ingerência em assuntos internos de outros países e pelo estabelecimento de relações com governos e ações em busca da cooperação à base da plena igualdade de direitos e benefícios mútuos.

O governo do PT mobilizará esforços para que o País ocupe, no cenário internacional, posição compatível com sua real dimensão econômico-social, geográfica, cultural. No âmbito da América Latina, se empenhará pela aplicação de uma política de integração econômica e cultural, procurando viabilizar a criação de um Parlamento Latino-Americano, que renove as relações de solidariedade entre os povos da América Latina.

O governo do PT fará valer a importância da nação brasileira no cenário internacional, visando a implantação de uma nova ordem econômica mundial, que liquide as relações de subordinação e dependência da maioria dos países em relação aos mais ricos.

Nosso governo terá uma política antiimperialista e prestará solidariedade irrestrita às lutas em defesa da autodeterminação e da soberania nacional, e todos os movimentos em favor da luta dos trabalhadores pela democracia, pelo progresso social e pelo socialismo. O governo da Frente defenderá a luta dos povos oprimidos da América Latina e se posicionará contra qualquer ingerência e intervenção externas no Caribe. Dará apoio à luta do povo palestino pela criação de seu Estado independente, respeitando a existência do Estado de Israel. Não manterá relações comerciais, culturais ou de qualquer natureza (nem as estimulará direta ou indiretamente) com governos que pratiquem políticas racistas, como o regime do apartheid. O novo governo apoiará as iniciativas sinceras em defesa da paz e contra a corrida armamentista das grandes potências.

O governo do PT assumirá a defesa irredutível do meio ambiente e da Amazônia, ao mesmo tempo que exigirá, em nível internacional, uma política conseqüente de proteção ao meio ambiente, principalmente por parte dos países mais industrializados e da ação de suas empresas multinacionais, onde que atuem.

É interessante notar que o discurso apresentado não é de ruptura. Se fosse apresentado pelo partido em algum momento anterior ou posterior manteria sua atualidade, o que permite ressaltar dois pontos. O primeiro é a forma com que o capitalismo financeiro se organiza, que desde então permite a existência do imperialismo estadunidense, assim como a manutenção do Estado de Israel, mesmo sem contrapartida ao povo palestino. Ainda dentro do campo da produção capitalista, vale ressaltar que a temática ambientalista já era apresentada com força e sua crítica era feita, desde aquele momento, em relação à determinação por parte dos países desenvolvidos de como os países menos desenvolvidos deveria proceder.O segundo ponto que pode ser levantado é que os conflitos latino-americanos ficaram dentro de um discurso maior, de defesa da democracia e não ingerência nos países, fugindo à retórica partidária do apoio aos movimentos de libertação nacional. Neste programa há o primeiro conflito partido/governo, que permeará as eleições subseqüentes.

A derrota de Lula modifica o partido internamente. A escolha pela disputa institucional, já apresentada desde sua criação, é reforçada. E o expressivo número de votos que Lula obteve mostra ser possível ao PT conquistar as eleições presidenciais. Em 1990 acontece o 7º Encontro Nacional. A discussão se organiza em torno de três eixos: o Socialismo Petista; Construção Partidária e; Conjuntura e tática. A questão internacional se resume a alguns parágrafos do ponto socialismo petista em que o partido condena algumas das experiências de regimes socialistas existentes, defende alguns outros, e que acorda que “o internacionalismo democrático e socialista será sua inspiração permanente [do Partido].

Para a pesquisa é importante ressaltar uma mudança na estrutura partidária. Depois de dez anos, Luiz Eduardo Greenhalg deixa a Secretaria de Relações Internacionais (SRI), que ficou sob a responsabilidade de Marco Aurélio Garcia, historiador e professor da Universidade Estadual de Campinas. Marco Aurélio Garcia levou à SRI a soma de sua militância de esquerda, trotskista, a expertise acadêmica sobre as relações internacionais e o pragmatismo consciente, já que via a eleição de Lula como fundamental para a transformação do país. O resultado da soma foi a agenda internacional do PT que se intensifica e de Lula, que passa a viajar constantemente para estreitar os laços com lideranças no exterior. Dentro desta perspectiva surge a idéia da constituição de um fórum entre partidos de esquerda da América Latina. O PT era associado às internacionais socialista e comunista, mas não ficava contente com o tipo de abordagem pouco atuante de ambas. Constitui-se então o Foro de São Paulo .

O presidente eleito que derrotou Lula em 1989, Fernando Collor de Melo, sofreu um processo de impeachment em 1992 e foi retirado do posto.

Assumiu em seu lugar o vice-presidente, Itamar Franco. Neste processo o PT teve grande participação, pois foi um dos partidos que condenou com maior veemência o governo Collor e mobilizou sua militância no movimento do Fora Collor. Mas optou por não participar do governo, mesmo com o convite do presidente, pois o encarava como fruto do neoliberalismo e comprometido com as elites nacionais e não com os trabalhadores. Em seu 8º encontro, em 1993, as resoluções apresentadas são em torno da oposição ao governo Itamar.

Em 1994, ano de eleições presidenciais, o PT realiza seu 9º Encontro Nacional, em 1994. O texto de conjuntura daquele encontrou trazia, sobre a questão internacional, a seguinte reflexão:

“A campanha de Lula vai ocorrer num contexto internacional em que a reciclagem capitalista busca criar o consenso de que o crescimento econômico só é possível com a exclusão da maioria da população e de continentes inteiros. Mas o quadro conjuntural e eleitoral mundial, especialmente latino-americano, já começa a apontar para a reversão do período de predomínio da ideologia neoliberal. São exemplos disso a existência do Foro de São Paulo, a vitória de Mandela na África do Sul, o crescimento da Frente Ampla no Uruguai e da Frente Grande na Argentina, as vitórias da Causa R [Revolucionária] na Venezuela, a possibilidade de vitória do PRD [Partido Revolucionário Democrático] no México, entre outros. Neste sentido, a campanha de Lula deve ser uma tribuna de denúncia das situações de exploração e dominação e de repercussão das conquistas democráticas e populares”.

Lula perde as eleições para Fernando Henrique Cardoso em 1994 e volta a ser derrotado em 1998. O PT vê, no processo, o recrudescimento do regime neoliberal. Ao mesmo tempo, há o amadurecimento do processo eleitoral. Em seus textos, o PT, já presente em parlamentos e governos, inicia um processo de profissionalização de seus quadros e passa a manter uma estrutura considerável. Em 2001, o Partido possuía cerca de três mil membros com mandato no país, entre governadores, senadores, deputados federais e estaduais, prefeitos e vereadores. E é interessante notar que entres os demais partidos com participação internacional efetiva no Congresso e que participa da Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, o PT era o único que trazia em seu programa, diretrizes para uma atuação internacional.

Com a vitória de Lula em 2002 a estrutura partidária se reorganiza, já que grande parte de suas lideranças vão para o governo. O que não foi diferente com a política internacional do partido. Marco Aurélio Garcia torna-se o Assessor Especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais. Permanece na estrutura da SRI a historiadora Ana Maria (Nani) Stuart, que, com ele, idealizou e trabalhou na constituição do Foro de São Paulo. Ela fica na SRI até 2008, ano de seu falecimento. Pela Secretaria de Relações Internacionais, passam diversos secretários, sem mandatos expressivos até 2005.

Em 2005 acontece o Processo de Eleições Diretas (PED) do PT. Na SRI assume Valter Pomar, que permanece na secretaria por dois mandatos, até 2009. Sob seu comando a secretaria volta a ter uma vida ativa. O Partido reorganiza uma série de atividades que vão de intercâmbios à formação política de militantes nesta área. Além disso, participa ativamente das mudanças na região, com o envio de observadores para grande parte das eleições do continente americano.

O crescimento e expressão internacional do PT ficaram evidentes no III Congresso Nacional do PT, em 2007. Dele participaram 135 delegados internacionais, de 32 diferentes países. Além da abertura do texto base do congresso contar com uma análise conjuntural que partia, em grande parte, do que ocorria no mundo, em três pontos houve a menção específica do tema. No ponto O Brasil que queremos, houve o enaltecimento da política externa realizada no primeiro governo Lula. No ponto “O Socialismo Petista”, que em documentos anteriores serviu à proposições sobre a atuação partidário nas relações internacionais, houve mudança na apresentação do tema, trazendo não os exemplos que deveriam ser tomados como concretização do socialismo petista, mas apresentando sua vertente internacionalista:

“Um compromisso internacionalista. Somos todos seres humanos, habitantes de um mesmo planeta, casa comum a que temos direito e de que todos devemos cuidar. O capitalismo é um modo de produção que atua em escala internacional e, portanto, o socialismo deve também propor alternativas mundiais de organização social. Apoiamos a autodeterminação dos povos e valorizamos a ação internacionalista, no combate a todas as formas de exploração e opressão. O internacionalismo democrático e socialista é nossa inspiração permanente. Os Estados nacionais devem ter sua soberania respeitada e devem cooperar para eliminar a desigualdade econômica e social, bem como todos os motivos que levam à guerra e aos demais conflitos políticos e sociais. Os organismos multilaterais criados após a Segunda Guerra Mundial deverão ser reformados e/ou substituídos, capazes de servir como superestrutura política de um mundo baseado na cooperação, na igualdade, no desenvolvimento e na paz;”

O texto, generalista, mantém a linha do PT em relação à autodeterminação dos povos. Avança ideologicamente à esquerda quando propõe um socialismo internacional como contraponto ao capitalismo, modo de produção também internacional, mas com a ressalva de ser um socialismo democrático. Tal ênfase talvez se justificasse para a diferenciação dos regimes como o soviético, mas também para frisar o compromisso partidário com a democracia, já que qualquer idéia contrária poderia ajudar a oposição à alimentar suas críticas à recém reeleição do presidente Lula. Vale notar, nessa relação partido/governo que um ponto, antes pouco destacado, a reforma dos organismos multilaterais, agora aparece com força. Não fica claro se tal aparição se dá por conta de um anseio partidário ou em apoio à política externa do governo federal, que tem em sua agenda a discussão dessas reformas.

A grande mudança no III Congresso em relação a todos os demais congressos e encontros petistas foi a elaboração de um material específico da SRI em que são apresentadas as diretrizes e as linhas de ação da secretaria, assim como estabelecida sua composição. Se desde o início do partido a Secretaria de Relações Internacionais fora importante, apenas em 2007 ela passava a ter uma cara própria, a ser aprovada. O extenso texto, elaborado pelo Coletivo de Relações Internacionais do PT, foi aprovado.

Seus pontos são: o resgate histórico da secretaria; a situação internacional, com uma dura crítica ao capitalismo vigente no momento e ao papel dos EUA na política mundial; a conjuntura latino-americana e caribenha, com ênfase nas eleições que ocorriam no período e que pareciam ser favoráveis a candidatos de esquerda na região; a integração regional, que se apresenta como:

“fundamental na construção de uma sociedade pós-neoliberal. Trata-se de combinar os desafios e necessidades de cada país de nossa região, com a construção de um espaço comum de cooperação que beneficie os povos. Isto exige enfrentar interesses internos e externos que defendem uma integração subordinada aos interesses das grandes empresas e do imperialismo estadunidense;

- a política externa brasileira, apontada como “um dos principais sucessos do governo Lula” e em que se realça a posição do governo em relação à Alca, criticada pelo partido desde sua proposição; uma postura internacionalista, antiimperialista e socialista, em que ressalta alguns fóruns em que o PT participa e que construído políticas neste sentido, como o Foro de São Paulo, a Aliança Social Continental e o Fórum Social Mundial; a defesa à paz mundial, ponto em que o partido exige “o fim da ocupação estadunidense no Iraque e no Afeganistão, que mergulhou os dois países numa situação de destruição e guerra civil”; o respeito à soberania e à autodeterminação dos povos, ponto tradicionalmente defendido pelo PT, com destaque a quatro povos (independência de Porto Rico, constituição da República do Saara Ocidental, do Estado Palestino e a defesa a Cuba) e critica as ações dos EUA; a reforma democrática dos organismos internacionais, em especial Conselho de Segurança da ONU, FMI e Banco Mundial; a defesa da integração regional, em que o PT afirma a “a importância de uma articulação crescente das iniciativas de integração existentes (MERCOSUL, CAN, UNASUL, ALBA e TCP), por sua complementaridade, tendo em vista as distintas realidades e ritmos próprios de cada país.”;

- as alianças e relações Sul-Sul e ;

- a defesa dos Direitos Humanos.

Como se pode perceber o texto é, apesar de cuidadoso em sua redação, bastante avançado em relação às diretrizes que apontam um rumo forte à esquerda. Em parte isso se deveu ao Secretário daquele momento, o historiador Valter Pomar, segundo Singer um dos mais destacados representantes da ala esquerda do partido .

No IV congresso do PT não houve discussão sobre o tema, apenas apresentação para o programa de governo 2011-2014, em que fica explícito o desuso do socialismo no projeto, mas que mantém a importância de uma política externa independente, bandeira presente na política internacional do partido desde os primeiros textos. Segue o texto aprovado:

“Presença do Brasil no mundo:

A política Externa do Brasil tem profunda incidência em nosso projeto de Desenvolvimento. Ela busca a defesa do interesse nacional e se nutre de valores como o multilateralismo, a paz, o respeito aos Direitos Humanos,a democratização das relações internacionais e a solidariedade com os países pobres e em desenvolvimento.

Tem dado especial ênfase à integração da América do Sul,ao fortalecimento da unidade latino-americana, às relações com a África, à reforma das Nações Unidas e dos organismo multilaterais, e à construção de uma ordem econômica internacioanl mais justa e democrática.

Foram esses princípios, somados ao correto enfrentamento das questões nacionais, que deram ao Brasil um lugar de grande relevância no atual cenário internacional.

Para dar continuidade e aprofundar essas conquistas o próximo governo:

a) fará, em associação com os demais países, avançar o processo de integração do Mercosul, resolvendo divergências e pendências e fortalecendo sua institucionalidade;

b) contribuirá política e institucionalmente para a consolidação da UNASUL, de suas políticas de integração física, energética, produtiva e financeira. Fortalecerá o Conselho de Defesa Sul-americano e o Conselho de Combate às Drogas. Ênfase especial será dada à redução das assimetrias na região, por meio da cooperação industrial, agrícola e comercial;

c) empenhar-se-á na conclusão da Rodada de Doha, que favoreça os países pobres e em desenvolvimento e, no âmbito do G-20, na reforma já iniciada do FMI e do Banco Mundial, contribuindo para a aplicação de políticas anticíclicas que permitam a retomada do crescimento e, sobretudo, o combate ao desemprego no mundo;

d) fortalecerá nossa intervenção no IBAS (Índia, Brasil e África do Sul) e nos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China);e) dará continuidade ao diálogo com os países desenvolvidos – Estados Unidos, Japão e União Européia. Com a U.E., da qual somos parceiros estratégicos, impulsionaremos iniciativas para promover um acordo com o Mercosul;

f) estará presente na busca de solução de conflitos que ameacem a estabilidade mundial, como é, particularmente, o caso do Oriente Médio, onde manterá diálogo com todos os atores buscando uma alternativa de paz;

g) manterá e fortalecerá sua presença no Haiti – com a concordância do Governo daquele país – para garantir a estabilidade, nos marcos do mandato da ONU, e contribuir decisivamente para reconstrução nacional;

h) continuará em seu esforço para democratizar as Nações Unidas, particularmente seu Conselho de Segurança.”

É visível que o discurso do partido muda quanto esse se torna governo. Deixam de aparecer alguns pontos mais combativos, em que a crítica ao unilateralismo era mais visível, que se transforma em uma luta pelo multilateralismo, mas que é reavivado no III Congresso não no texto guia, mas como uma resolução que dá “independência” à Secretaria de Relações Internacionais em ações mais à esquerda. Mas é possível dizer que a política externa do Partido dos Trabalhadores se manteve dentro de uma mesma linha mestra, buscando uma política externa independente, que destacasse o Brasil entre as demais nações. Em parte isso pode ter sido facilitado pela continuidade nas gestões da SRI, mas em parte também porque a política do PT, mesmo que atrelada ao Socialismo, não fecha seu modelo, permitindo o diálogo com os mais diferentes partidos, governos e grupos, visando sempre catalizar um viés transformador. O PT surge como um movimento político novo, que altera a cena existente e que se modela, com o passar dos anos, de acordo com as mudanças que ocorrem no Brasil e no mundo. Parece claro que há uma inflexão ao centro no cenário político nacional, inclusive com a coligação com partidos que antes criticava, para conseguir uma sólida base eleitoral, mas é perceptível que algumas linhas mestras se mantêm. Vale notar também que a militância, mesmo defendendo o governo federal encabeçado por seu partido, teve espaços para a discussão do posicionamento do partido, como nos encontros e congressos até 2007 e, em vários deles, prevaleceram posições de esquerda, inclusive a manutenção do socialismo no estatuto do Partido. Esta linha também pode ser percebida na SRI, que manteve seu posicionamento à esquerda. Não é possível afirmar, mas isso pode ter relação com a construção da política externa do governo Lula, delineada por militantes da causa democrática e pelo Marco Aurélio Garcia, socialista.

Política Externa dos governos da abertura democrática (1985 a 1994)

A abertura democrática foi lenta e gradual. O primeiro presidente eleito, depois dos vinte anos de ditadura, foi escolhido de forma indireta, pelo Congresso Nacional, o que ia de encontro com os anseios populares que esperavam escolher diretamente seu principal governante. A campanha das Diretas já mobilizou ampla parcela da sociedade e expôs ao país e ao mundo o que por muito tempo ficou apagado pela truculência militar, os movimentos organizados pela democracia e em defesa dos direitos humanos básicos e uma efervescência política ansiosa por participação no direcionamento do governo. Parte dos nomes da atual política nacional se destaca nesse período. Outro revés é o falecimento do presidente eleito, Tancredo Neves, antes deputado pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Com o ocorrido assume o governo, em 1985, José Sarney, que fora deputado da Aliança pela Renovação Nacional (Arena), partido de sustentação do regime militar, e que “prometeu cumprir integralmente o vago projeto esboçado por Tancredo” .

Na política interna Sarney se notabilizou pela convocação da Assembléia Constituinte que redigiu a Constituição de 1988, promulgada com ele ainda presidente, e pelos planos econômicos ineficazes, como o Plano Cruzado. Na política externa, por outro lado, dando continuidade ao ideal de fortalecimento nacional e do desenvolvimento iniciado no final do governo militar, Sarney aproximou-se da Argentina e manteve uma relativa autonomia em relação aos EUA, dificultada principalmente pelos problemas econômicos internos.

O primeiro ministro das relações exteriores do governo Sarney foi Olavo Setúbal, que buscou aproximar o país dos EUA. Mas o ministro, que não era diplomata de carreira não se sustentou no cargo, sob forte pressão do Itamaraty, que buscava alçar o Brasil ao patamar de potência. Uma de suas medidas concretas, o corte das relações diplomáticas com Cuba, foi rapidamente revertido com a posse do ministro Abreu Sodré, no ano seguinte. Com Sodré o auxiliando, Sarney constrói os marcos do que veio a ser o primeiro projeto de integração que se consolida no continente sul-americano, o Mercosul. A escolha por esse rumo se iniciou em setembro de 1985 quando o presidente adota uma série de medidas que visavam à autonomia brasileira, no momento em que parte para a Assembléia Geral da ONU. Sarney mantém a lei da informática, criticada duramente pelos EUA, critica a ingerência do FMI no desenvolvimento do país e faz escalas na Venezuela e no México para conversas bilaterais que traziam à tona a necessidade de maior afinidade entre os países latino-americanos.

O discurso na ONU é paradigmático para compreender o pensamento do presidente e do governo Sarney a respeito da política externa. Ele afirma a posição que o Brasil espera ter perante o mundo quando diz que espera que o país “não seja mais ser uma voz tímida. Deseja ser ouvido sem aspirações de hegemonia, mas com determinação de presença. (…) [Teremos] Uma política externa independente, dinâmica, e voltada para a solução das questões internacionais de conteúdo social. Não seremos prisioneiros de grandes potências nem escravos de pequenos conflitos.”

E, a partir das questões de conteúdo social, pontua duras críticas ao apoio financeiro internacional aos países endividados classificando as políticas e ajustamento de “inadequadas”. Critica também o protecionismo econômico das potências, que inibe e dificulta o desenvolvimento dos demais países. Por fim, coloca como eixo de seu discurso o combate à fome, motivo pelo qual deveriam ser revistas a política econômica global.

Sarney, então, consolidou o projeto de desenvolvimento compartilhado com prioridade para a América do Sul. Em 1985, foi assinada a Declaração de Iguaçu, que iniciou as tratativas que levaram à assinatura, em 1988, do Tratado de Cooperação e Desenvolvimento Brasil-Argentina. Ainda com a Argentina, foram elaborados mecanismos de cooperação no campo nuclear. Segundo Moniz Bandeira, José Sarney:

“demonstrou, pessoalmente, grande sensibilidade para a linha de entendimento com a América Latina e, em particular, com a Argentina e o Uruguai, de forma a intensificar o diálogo Sul-Sul e contrapor-se à pretensão do Norte de continuar a gerir o sistema financeiro internacional, sem a participação dos países em desenvolvimento, que continuavam a sofrer as consequencias mais devastadoras da decisão unilateral dos Estados Unidos de romper, em 1971, os compromissos de Bretton Woods, (…) impondo sua própria política monetária ao sistema capitalista mundial, sem obedecer a qualquer disciplina multilateral acordada.”

Para que esses movimentos políticos tivessem concretude, se uniu a mais sete países (Argentina, Colômbia, México, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela) para a construção de um Mecanismo Permanente de Consulta e Concertação Política, que visava contrapor o poderio econômico estadunidense.

A política externa do período era bem avaliada tanto por grupos de esquerda quanto pelos demais grupos. A tensão, nacional e internacional, se dava em torno da economia, vilipendiada pela imensa dívida externa brasileira. Apenas como ilustração do reflexo das políticas econômicas, em 1988 a inflação chegou a 1000%. O movimento por transformações, que se iniciara no fim da ditadura militar, durante o período tomou muita força. Força ampliada pela promulgação da Constituição, garantindo direitos civis, sociais e políticos e pela proximidade de 1989, quando aconteceria a primeira eleição direta à presidência da República desde 1960, quase trinta anos antes.

O ano de 1989 foi um ano muito intenso. A economia brasileira estava deteriorada. Havia uma enorme dívida externa e hiperinflação. A crise social aumentava. No cenário internacional os Estados socialistas davam seus maiores sinais de declínio, com os planos apresentados pela URSS para suas reformas política e econômica. O muro de Berlim caiu. Os sinais da vitória dos regimes capitalistas sobre o socialismo soviético davam força aos EUA, que lideravam o lado “vitorioso” do mundo. Mas a situação nos países capitalistas do sul não era muito promissora a exemplo do que ocorria no Brasil. Internamente cresciam em popularidade os projetos do Partido dos Trabalhadores e do Partido Democrático Trabalhista (PDT), que no ano anterior conquistaram um grande número de cidades de grande porte. E esse conjunto de fatores se refletiu nas eleições.

As eleições para presidente ficaram marcadas pela polarização de projetos no 2º turno. De um lado estava Lula, à esquerda, defendendo a necessidade de intervenção do Estado na economia e as reformas estruturais de base para a melhoria da condição dos trabalhadores. Do outro, Fernando Collor de Melo, ex-governador do estado de Alagoas, conservador que, sob a alcunha de “caçador de marajás”, propunha a modernização do Estado brasileiro, a liberalização da economia e uma maior aproximação com os EUA. Em uma eleição acirrada e com muitos fatos constrangedores para o início de um período democrático pleno, em boa parte por conta da manipulação de informações pela mídia, mas também por opção do povo brasileiro, Collor foi eleito.

O governo Collor modificou os rumos da política nacional. No que tange a política externa, foco do trabalho, há uma completa ruptura em relação aos governos anteriores. O Brasil deixa de lado a luta por um espaço autônomo visando tornar-se potência, para postar-se ao lado dos EUA como governo auxiliar. Com o propósito de acertar as contas da imensa dívida externa brasileira, Collor abre o mercado interno para as importações, “de forma impulsiva e unilateral, sem exigir contrapartidas dos outros Estados”, o que levou a um decréscimo da economia em torno de 4,5%64 em seu primeiro ano de governo. A abertura também encerrou litígios antigos, como a reserva de mercado para produtos de informática, que levou o país a brecar seu desenvolvimento na área em virtude da concorrência estadunidense. Deixamos de buscar nossa soberania em detrimento da inserção do mundo globalizado. Outra área de interesse nacional atingido foi a relativa à energia nuclear, que foi desestimulada com essa aproximação bilateral. Os esforços por protagonismo estratégico começaram a ruir com a privatização de empresas estatais, grande parte financiada pelo próprio Estado, a partir do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social)

“Segundo o embaixador Paulo Nogueira Batista, a premissa de Collor (…) era reverter o consenso do desenvolvimento, substituindo-o pelo Consenso de Washington65 (que, do lado dos Estados Unidos, buscava reverter a balança comercial desfavorável em relação aos países da América Latina)” .

Mudanças da mesma natureza, de abertura em relação aos EUA, ocorriam na vizinha Argentina, que também aderiu à agenda liberal, com as privatizações, abertura do mercado e adesão ao Consenso de Washington. Inclusive pela conjuntura parecida, permaneceram as relações entre esse país e o Brasil, o que permitiu que acordos importantes fossem celebrados. Em 1990 os governos assinam a Ata de Buenos Aires que “adaptou os objetivos propostos no Tratado de 1988 às políticas de abertura econômica e reforma aduaneira (…) e reduziu o prazo de dez para quatro anos, ou seja, até 1994, para alcançar o mercado comum” . Em março de 1991, os dois países, somados a Paraguai e Uruguai, assinam o Tratado de Assunção, que amplia o mercado comum para este bloco de países e determina o ano de 1995 para que entre em vigor o que se chamou de Mercosul (Mercado Comum do Sul)68 . Cabe notar que a qualidade da integração muda. Enquanto os governos de Sarney e Alfonsín organizavam sua integração visando autonomia em relação aos EUA e trabalhos para o desenvolvimento dos dois países, fortalecendo a região, a integração proposta pelos governos Collor e Menen visava a construção de um mercado comum, para a livre circulação de mercadorias na região. E essa liberalização deveria ocorrer também em relação ao comércio com os EUA.

De acordo com o chanceler da época, Celso Lafer, “as dificuldades e a lentidão inerentes ao processo de liberalização comercial não deviam conduzir a uma ‘opção pela formação de blocos regionais fechados”. A afirmativa acena para um importante processo que tinha início, a proposição, pelos EUA, de um Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA), nos moldes do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA, na sigla em inglês), que estava sendo estabelecido entre EUA, Canadá e México.

Esse processo de liberalização é interrompido por motivos internos. O presidente e sua equipe mais próxima se vêem imersos em inúmeros escândalos de corrupção que abalam a credibilidade do governo. A Câmara dos Deputados, em consonância com o movimento popular crescente em torno da deposição do presidente e com a grande mídia que, mesmo tendo-o apoiado três anos antes de forma enfática, não conseguia contornar a situação perante a opinião pública e que retirava seu apoio, abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito que se desdobrou, no final de setembro de 1992, na instauração de um processo de impeachment, que retirou Collor do poder. Dias depois, em 02 de outubro, tomou posse o vice-presidente, Itamar Franco.

O governo de Itamar apesar de curto foi importante para reequilibrar o Brasil, interna e externamente. No plano das relações exteriores, mantém a linha política convidando um chanceler com o mesmo perfil de Celso Lafer, o senador Fernando Henrique Cardoso (FHC), também peessedebista e catedrático.

Segundo Vizentini, esse governo:

“teve como objetivo revalorizar a presença do Brasil no cenário internacional. (…) Entre as prioridades brasileiras, estava a defesa multilateral nos planos econômico e político, a consolidação de sua atuação junto a órgãos internacionais, como Nações Unidas, OMC e blocos regionais, e a afirmação do sistema multilateral de comércio e da integração regional. (…) No plano regional, a integração platina e sul-americana foi a prioridade do governo. O Mercosul, nesse sentido, ganhou uma dimensão estratégica que até então não possuía” .

Foi nesse sentido que FHC, comandando o MRE no governo Itamar, manteve as negociações tanto com os EUA como com os países sul-americanos. Ainda dentro de uma política liberal, mas buscando formas de reorganizar a balança comercial com a implementação de uma política aduaneira bem ordenada e com a taxação de parte das importações (implementando as contrapartidas ignoradas por Collor). Em seu primeiro discurso como presidente em cadeia nacional de rádio e televisão Itamar já aponta as principais mudanças quando afirma que: “abrir as fronteiras à competição internacional não significa renunciar à soberania. O princípio que orientará as relações com os outros povos deve ser o da estrita reciprocidade” e aponta para a continuidade da integração da América do sul: “A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política social e cultural dos povos da América Latina, visando uma comunidade latino-americana de nações.”

Em maio de 1993 uma mudança na estrutura ministerial reforça o tom da política externa explicitada pelo presidente, mas neutralizada pela ação do chanceler. FHC é deslocado para o Ministério da Fazenda e em seu lugar assume Celso Amorim, diplomata de carreira do MRE. Amorim, em sua política, incorpora o discurso nacionalista de Itamar Franco em uma política de cunho autonomista, mas tendo que lidar com os acordos já assinados em momentos anteriores. Vê-se, então, enredado entre duas propostas de construção de áreas de livre comércio, o Mercosul, já em estágio avançado, e a Alca, que vem sendo continuamente proposta pelo governo dos EUA. Em meio a essas, apresenta a Alcsa, Área de Livre Comércio Sul-Americana, como uma forma de ampliar as relações existentes entre os países sul-americanos para aumentar a força de negociação com as grandes potências, em especial os EUA. Uma outra ação importante foi sua atuação na rodada do Uruguai do GATT, quando empreende de forma incisiva contra o protecionismo agrícola estadunidense. Esses três projetos de livre comércio, assim como o litígio no GATT merecem uma atenção mais pormenorizada. O Mercosul será objeto de análise ainda neste capítulo e a Alca será analisada em capitulo posterior. A Alcsa e a rodada do Uruguai do GATT, apesar de sua importância, apenas tangenciarão a pesquisa.

O governo Collor, com Celso Lafer à frente do MRE, recebeu do governo anterior o projeto de constituição do Mercosul, uma área de comércio comum, que foi desprivilegiada em relação aos acordos bilaterais de ambos governos (Brasil e Argentina) com os EUA. Mas um projeto de área comum era a eles interessante. O governo estadunidense aumenta a proposta, levando os governos Collor e Menem a pensar em uma área de livre comércio maior, sendo que aquele que tivesse mais proximidade com a potência hegemônica, teria maior possibilidade de exercer algum subimperialismo, hegemonizando de alguma forma o “subcontinente” América do sul. Ao assumir a chancelaria, Celso Amorim não muda o que já foi acordado, apenas modifica a estratégia. Busca fortalecer o Mercosul “indiscutivelmente uma das experiências que mais tem avançado” e propõe perante a Aladi, a conformação de uma área de livre comércio latino-americana. Na proposição aponta que o acordo é sobre tarifas, que não eliminaria a Aladi, que permaneceria como fórum de negociações. E propõe seu início para o ano seguinte, 1995. Para haver salvaguardas de que um acordo com os EUA (Alca) não seria desproporcional, seria importante, então, homogeneizar as relações dentro da região.

A questão apresentada nas rodadas de negociação do GATT vem ao encontro das estratégias de uma maior articulação dos países da América do Sul em se fortalecer antes de encarar um acordo de liberalização com os EUA. A briga, naquele momento, é em torno dos subsídios agrícolas que os países do Norte, europeus ou os EUA, costumam aplicar em sua produção doméstica. Amorim vê, na negociação, uma diferença muito grande entre as salvaguardas que os países desenvolvidos colocam em seus produtos em relação à insistência na abertura dos mercados menos desenvolvidos. O conflito ali é pela soberania, que se vê ameaçada em um ambiente de negociação.

Pela estrutura do Mercosul é assinado, em 1994, o protocolo de Ouro Preto, que institucionalizou sua estrutura. O Mercosul deixa de ser de participação exclusiva dos poderes executivos dos Estados participantes e passa a acolher os poderes legislativos, além da constituição de um fórum consultivo com participação da sociedade civil. Com estrutura montada o Mercosul passa a vigorar a partir do ano seguinte.

O governo Itamar se notabiliza pelo Plano Real, que consegue diminuir bruscamente a inflação ao indexar a moeda e deixar o câmbio flutuante. Com isso, um dos maiores empecilhos da economia brasileira é domado. O reflexo imediato do feito é a eleição, no mesmo ano, do ministro da fazenda, FHC, à presidência da República. No médio prazo foi possível a reoganização da economia dentro de uma lógica de planejamento e houve o reordenamento das contas públicas, como veremos em capítulos vindouros.

 

Unasul: Uma Perspectiva Política de Integração Sul-americana (Parte 3)


Publicado em 25 janeiro, 2011

Mercado Comum do Sul – Mercosul

Em 1985, o presidente brasileiro José Sarney encontra o presidente argentino Raúl Alfonsín por ocasião da inauguração de uma ponte que liga os dois países. Ao fim do evento (e depois de grande trabalho diplomático anterior), os dois presidentes emitem uma declaração conjunta, que teve, dentre 32 pontos, quatro que merecem destaque, por serem o movimento inicial do que viria a se constituir como o Mercosul. O documento apresenta que os mandatários

“concordaram, igualmente, quanto á urgente necessidade de que a América Latina reforce seu poder de negociação com o resto do mundo, ampliando sua autonomia de decisão e evitando que os países da região continuem vulneráveis aos efeitos das políticas adotadas sem a sua participação. Portanto, resolveram conjugar e coordenar os esforços dos respectivos Governos para revitalização das políticas de cooperação e integração entre as Nações latino-americanas. (…) reconheceram que se torna cada vez mais indispensável o freqüente diálogo de alto nível entre os dois Governos [e], Dentro desse espírito, expressaram sua firme vontade política de acelerar o processo de integração bilateral, em harmonia com os esforços de cooperação e desenvolvimento regional. Expressaram sua firme convicção de que esta tarefa deve ser aprofundada pelos Governos com a indispensável participação de todos os setores de suas comunidades nacionais, aos quais convocaram a unir-se a este esforço, já que lhes cabe também explorar novos caminhos na busca de espaço econômico regional latino-americano. Para esse fim, decidiram criar uma Comissão Mista de Alto Nível para Cooperação e Integração Econômica Bilateral, presidida pelos seus Ministérios das Relações Exteriores e Compostas de representantes governamentais e dos setores empresariais dos dois países, para examinar e propor programas, projetos e modalidades de integração econômica.”

É essa comissão que inicia os trabalhos visando a integração econômica da América do Sul. Em 1991 os governos do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, assinam a constituição de um mercado comum entre eles. O preâmbulo não é muito diferente do acordo celebrado seis anos antes no âmbito da América Latina:

“Considerando que a ampliação das atuais dimensões de seus mercados nacionais, através da integração, constitui condição fundamental para acelerar seus processos de desenvolvimento econômico com justiça social; Entendendo que esse objetivo deve ser alcançado mediante o aproveitamento mais eficaz dos recursos disponíveis, a preservação do meio ambiente, o melhoramento das interconexões físicas, a coordenação de políticas macroeconômicas e a complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípios de gradualidade, flexibilidade e equilíbrio; Tendo em conta a evolução dos acontecimentos internacionais, em especial a consolidação de grandes espaços econômicos, e a importância de lograr uma adequada inserção internacional para seus países; Expressando que este processo de integração constitui uma resposta adequada a tais acontecimentos; Conscientes de que o presente Tratado deve ser considerado como um novo avanço no esforço tendente ao desenvolvimento progressivo da integração da América Latina, conforme o objetivo do Tratado de Montevidéu de 1980. Convencidos da necessidade de promover o desenvolvimento cientifico e tecnológico dos Estados Partes e de modernizar suas economias para ampliar a oferta e a qualidade dos bens de serviço disponíveis, a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes; Reafirmando sua vontade política de deixar estabelecidas as bases para uma união cada vez mais estreita entre seus povos, com a finalidade de alcançar os objetivos supramencionados acordam: (…)”7

Como linha comum com os tratados anteriores há questão do desenvolvimento econômico para a garantia da justiça social. A idéia de uma justiça social é nova, apesar da questão social aparecer no documento da Aladi. Apesar disso todo o resto do tratado é novo. Ele escancara o momento vivido pelos governos daquele período de forma tal, que parece não ter sido pensado seis anos antes. A começar pelo primeiro reflexo do neoliberalismo na política econômica com o uso do vocábulo mercados pela primeira vez. Além disso, insere uma linguagem econômica quando apresenta a necessidade de coordenação de políticas macro-econômicas e a complementação dos diferentes setores da economia, com base nos princípios da gradualidade, flexibilidade e equilíbrio e da modernização da economia para ampliar a oferta dos bens de serviço disponíveis, a fim de melhorar as condições de vida de seus habitantes

Outro trecho do documento que aponta o momento é a constituição do Mercosul como resposta à consolidação de grandes espaços econômicos.A Europa estava se organizando em torno da União Européia, havia o Nafta (Acordo de Livre Comércio da América do Norte, na sigla em inglês) entre outros.

Sobre o Mercosul e seus tratados e documentos correlatos nos deteremos um pouco mais do que com os organismos já apresentados, pois é a partir dele que analisaremos a Unasul. Assim, de seu primeiro tratado alguns outros pontos merecem destaque. Sua estrutura orgânica, naquele momento, foi formada por dois órgãos, o Conselho do Mercado comum, integrado pelos Ministros das Relações Exteriores e da Economia dos quatro países e, o Grupo de Mercado Comum, órgão executivo, formado por quatro integrantes de cada país que representem os ministérios que compõe o Conselho, e do Banco Central de cada país. Esta estrutura já aponta, pela sua formação, o viés estritamente econômico financeiro do Mercosul. Além disso, expressa a proeminência do Poder Executivo no processo de integração. Sobre o Poder Legislativo cabe o último artigo do Tratado, em que é apresentada a idéia de uma Comissão Parlamentar Conjunta, e que indica que os Executivos deverão manter os Legislativos de seus respectivos países “informados sobre a evolução do Mercado Comum” .

Essa estrutura se altera com o Protocolo de Ouro Preto, assinado em 1994. Nele, são incorporados quatro novos órgãos ao Mercosul, uma Comissão de Comércio Comum, que assessora o Grupo de Mercado comum; A Comissão Parlamentar Conjunta (CPC), que discutiremos mais adiante; o Foro Consultivo Econômico-Social (FCES), órgão de representação dos setores econômico e social dos países, sem maiores explicações; e uma Secretaria Administrativa, órgão de apoio operacional, responsável pela prestação de serviço aos demais órgãos do Mercosul. O Protocolo também normatiza as funções de cada um dos órgãos. Com ele se institui a (reduzida) participação do Poder Legislativo dos países membros. É função da CPC acelerar “os procedimentos correspondentes nos Estados Partes para a pronta entrada em vigor das normas emanadas dos órgãos do Mercosul. E encaminhará, por intermédio do Grupo Mercado Comum, recomendações ao Conselho Mercado Comum”79. São parlamentares dos países que fazem parte do Mercosul que devem, em seus países, trabalhar para a ratificação de decisões que não competem a eles e de levar recomendações ao Conselho, de forma indireta, a partir de instância intermediária.

Perceptível na leitura de todos os documentos até esse momento apresentados é que não há um desejo de discussão dos temas enunciados em qualquer esfera que não a cúpula dos governos, mais precisamente entre os chefes de Estado e seus Ministros. Outro ponto é a falta de participação dos debates das sociedades participantes, nem por intermédio dos parlamentares, que não tem poder algum, nem de representantes da sociedade civil, já que o FCES não tem normatização clara, nem efetividade.

O primeiro documento com proposições políticas é assinado em 1998, o Protocolo de Ushuaia. Nele aparece com ênfase a plena vigência das instituições democráticas como essencial à integração e as sanções que podem ser tomadas no caso da ruptura da ordem democrática, que seriam sujeitas a consultas entre os países membros e poderiam ser suspensas de participar nos órgãos do Mercosul, assim como sofrer sanções econômicas decorrentes dos acordos entre os Estados Parte do organismo. Visto dentro de uma perspectiva do fortalecimento dos Estados democráticos e de Direitos, o protocolo é um avanço. Mas há que se ter em vista, como apontado na primeira seção do relatório, a complicada situação dos países da América do Sul, dentre eles o Brasil, no período da assinatura desse tratado. É ano eleitoral no Brasil, que vive recessão econômica e aumento de tensões sociais e a economia argentina passa a ter constantes problemas, que culminam não apenas na derrota eleitoral de Menem no ano seguinte, como na grave crise que abate a argentina em 2000, de ordem econômica, social e institucional.

Nos anos seguintes o Mercosul, que já não funcionava como deveria por conta dos constantes boicotes entre Brasil e Argentina e das extensas listas de exceção de produtos, passou a sofrer de inanição. Não havia movimentação além da estritamente necessária para que a instituição permanecesse como um pólo agregador dos governos do sul que comerciava em bloco, como os países centrais. O fôlego para o Mercosul, assim como para as perspectivas sul-americanas com a vitória do presidente Lula, em 2003, que reapresenta o Mercosul como prioridade. De mudança estrutural para o órgão o governo Lula apresenta o Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul, assinado em 2005 a partir de uma decisão do Conselho Mercado Comum de outubro de 2003. Seu preâmbulo traz a seguinte redação:

“CONSIDERANDO sua firme vontade política de fortalecer e de aprofundar o processo de integração do MERCOSUL, contemplando os interesses de todos os Estados Partes e contribuindo, dessa forma, ao desenvolvimento simultâneo da integração do espaço sul-americano; CONVENCIDOS de que o alcance dos objetivos comuns que foram definidos pelos Estados Partes, requer um âmbito institucional equilibrado e eficaz, que permita criar normas que sejam efetivas e que garantam um ambiente de segurança jurídica e de previsibilidade no desenvolvimento do processo de integração, a fim de promover a transformação produtiva, a eqüidade social, o desenvolvimento científico e tecnológico, os investimentos e a criação de emprego, em todos os Estados Partes em benefício de seus cidadãos; CONSCIENTES de que a instalação do Parlamento do MERCOSUL, com uma adequada representação dos interesses dos cidadãos dos Estados Partes, significará uma contribuição à qualidade e equilíbrio institucional do MERCOSUL, criando um espaço comum que reflita o pluralismo e as diversidades da região, e que contribua para a democracia, a participação, a representatividade, a transparência e a legitimidade social no desenvolvimento do processo de integração e de suas normas. ATENTOS à importância de fortalecer o âmbito institucional de cooperação inter-parlamentar, para avançar nos objetivos previstos de harmonização das legislações nacionais nas áreas pertinentes e agilizar a incorporação aos respectivos ordenamentos jurídicos internos da normativa do MERCOSUL, que requeira aprovação legislativa. (…)”

A redação não traz nenhuma referência ao desenvolvimento econômico nem à integração econômica. Ela caminha em outro sentido ao colocar a integração com o propósito de promover a transformação produtiva ea equidade social. Também menciona a democratização da participação, o que legitimaria e tornaria transparentes os atos que antes eram tomados de forma restrita, junto aos Poderes Executivos. Mas, tendo o Tratado de Assunção como base para o organismo, fica difícil compreender o este parlamento que, segundo seu tratado constitutivo existe para, entre outras coisas, “Assumir a promoção e defesa permanente da democracia, da liberdade e da paz; promover o desenvolvimento sustentável da região com justiça social e respeito à diversidade cultural de suas populações; garantir a participação dos atores da sociedade civil no processo de integração e; estimular a formação de uma consciência coletiva de valores cidadãos e comunitários para a integração”

Nenhum dos propósitos se relaciona com os objetivos do Mercosul, um mercado comum. O quinto é ainda mais discrepante, quando propõe estimular a formação de uma consciência coletiva de valores cidadãos e comunitários. Suas competências também seguem o mesmo caminho, valendo o destaque para “velar pela preservação do regime democrático nos Estados Parte e elaborar e publicar anualmente um relatório sobre a situação dos direitos humanos nos Estados Parte”. Mas se destoam das proposições gerais do Mercosul, esse protocolo reflete uma visão que se fortalece na América do Sul a partir dos anos 2000, desencadeado com as vitórias de governos de esquerda e/ou centro-esquerda nos países sul-americanos, como visto na seção anterior.

Em 1990, depois da derrota eleitoral do ano anterior, o PT convida diversos partidos de esquerda da América Latina para um fórum de discussão, com o intuito de discutir o processo que o continente vivia. Em um encontro em 2007, Lula, ao ver entre os demais representantes de governos vários colegas de militância partidária continental, rememora o processo de criação:

“(…) nós tínhamos saído muito fortalecidos do processo eleitoral e era preciso, então, fazer um chamamento de todas as organizações e esquerda que militavam na política na América Latina, para que pudéssemos começar a estabelecer uma estratégia de procedimento entre a esquerda da América Latina” .

O primeiro encontro do grupo, que naquela reunião contou com a presença de 48 partidos e frentes de esquerda da América Latina, ocorreu em São Paulo, no Hotel Danúbio. Como ressalta Roberto Regalado:

“apesar da escassa presença centro-americana e caribenha, o Encontro de São Paulo foi um acontecimento histórico, pois pela primeira vez se encontraram, em um mesmo espaço, partidos e movimentos políticos que abarcaram todo o espectro da esquerda latino-americana. Desta convergência se derivaram dois feitos inéditos: um foi a participação de todas as correntes de orientação socialista; a outra foi a justaposição das correntes socialistas com correntes social-democratas e com outras de caráter progressista” .

Haviam três eixos de discussão: as alterações na ordem internacional e seu significado para a América Latina e Caribe, subdividida em a) as mudanças no sistema capitalista mundial, b) o impacto da ofensiva neoliberal e c) a crise do chamado socialismo real; balanço das lutas por democracia e pelo socialismo no continente e; os problemas estratégicos da luta pelo socialismo. Havia como pano de fundo, de forma bastante forte, a influência da crise soviética que, por dividir as opiniões, foi parte de um acalorado debate. Apesar das divergências que surgiram durante o encontro foi redigido um documento comum. a Declaração de São Paulo, assim como foi estabelecida a data para um próximo encontro no México no ano seguinte e duas reuniões preparatórias para ele, versando sobre economia e as experiências dos partidos em gestões e governos.

Diz a declaração: “Constatamos que todas as organizações da esquerda concebemos que a sociedade justa, livre e soberana e o socialismo só podem surgir e sustentar¬se na vontade dos povos, ligados com suas raízes históricas. Manifestamos, por isso, nossa vontade comum de renovar o pensamento de esquerda e o socialismo, de reafirmar seu caráter emancipador, corrigir concepções errôneas, superar toda expressão de burocratismo e toda ausência de uma verdadeira democracia social e de massas. Para nós, a sociedade livre, soberana e justa à que aspiramos e o socialismo não podem ser senão a mais autêntica das democracias e a mais profunda das justiças para os povos. Rechaçamos, por isso mesmo, toda pretensão de aproveitar a crise da Europa Oriental para incitar a restauração capitalista, anular os ganhos e direitos sociais ou alimentar ilusões nas inexistentes bondades do liberalismo e o capitalismo. Sabemos, pela experiência histórica do submetimento aos regimes capitalistas e ao imperialismo, que as imperiosas carências e os mais graves problemas de nossos povos têm sua raiz nesse sistema e que não encontraram solução nele, nem nos sistemas de democracias restringidas, tuteladas e até militarizadas que impõe em muitos de nossos países. A saída que nossos povos anseiam não pode ser alheia às profundas transformações impulsionadas pelas massas.”

É perceptível no texto a ênfase na construção de um modelo socialista democrático, diferente das experiências anteriores, ou seja, diferente do modelo soviético, com a necessidade de ampla participação popular. O foco dos problemas reside, segundo o texto, no regime capitalista, que oprime os povos da região. Com isso o texto se coloca contrário à idéia de um êxito do regime capitalista com a crise da URRS. O texto também aponta para o tipo de democracia que se busca, que não deve ser restrita, nem tutelada e muito menos militarizada, como haviam sido boa parte das democracias latino americanas até então.

O texto segue com a crítica ao governo estadunidense, vista pelo grupo como o principal fomentador e implementador das políticas neoliberais no continente:

“A análise das políticas pró-imperialistas, neoliberais aplicadas pela maioria dos governos latino-americanos seus trágicos resultados e a revisão da recente proposta de “integração americana” formulada pelo Presidente Bush para processar as relações de dominação dos EUA com América Latina e Caribe, nos reafirmam na convicção de que a nada positivo chegamos por esse caminho. (…) [As propostas estadunidenses] são alheias aos genuínos interesses de desenvolvimento econômico e social de nossa região e vão combinadas com a restrição de nossas soberanias nacionais e com o recorte e tutelagem de nossos direitos democráticos. Elas, na realidade, apontam impedir uma integração autônoma de nossa América Latina dirigida a satisfazer suas mais vitais necessidades.”

E, para não correr o risco de criticar organizações ali presentes por alguma interpretação equivocada, os partidos, na Declaração, reafirmam “solidariedade com a revolução socialista de Cuba, que defende firmemente sua soberania e suas conquistas; com a revolução popular sandinista, que resiste aos intentos de desmontar suas conquistas e reagrupa suas forças; com as forças democráticas, populares e revolucionárias salvadorenhas, que impulsionam a desmilitarização e a solução política à guerra; com o povo panamenho – invadido e ocupado pelo imperialismo norte-americano, cuja imediata retirada exigimos – e com os povos andinos que enfrentam a pressão militarista do imperialismo.”

Com a reunião ficou instituído o Foro de São Paulo. A secretaria executiva do fórum ficou como responsabilidade do Partido dos Trabalhadores. A organização do encontro seguinte foi dividida entre diversas forças, pois alguns partidos temiam que o PT concentrasse em suas relações os convidados. Assim juntaram-se a ele o Partido da Revolução Democrática (PRD) do México, a Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN) de El salvador, a Esquerda Unida, do Peru, a Frente Ampla do Uruguai, o Partido Comunista (PC) de Cuba e, para garantir sua presença no encontro, a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN).

O segundo encontro do Foro foi importante para definir sua identidade e composição. Os problemas começaram antes mesmo de sua realização. As reuniões organizativas acabaram recebendo delegados de partidos que não haviam sido eleitos para a função, em parte já desenhando o que se veria no encontro. O equilíbrio informal entre as forças presentes no I Encontro motivou uma briga por espaço no Foro, já que esse não havia se constituído formalmente em 1990.

Aparentemente as brigas aconteceram em torno de dois grandes conceitos, o de esquerda e o de socialismo, que alguns partidos reivindicavam e outros não queriam se vincular. Dentre as organizações presentes, parte delas representava grupos sociais democratas e progressistas, muito afinados com as transformações democráticas, termo usado em demasia no encontro, segundo Regalado, provavelmente para uma desvinculação do regime soviético, mas pouco afinados com as deliberações e a declaração do I Encontro. Depois de muita discussão sobre o nome do fórum, que se decidiu por Foro de São Paulo, foi possível apenas após a intervenção pessoal de lideranças expressivas, como a de Lula, e da certeza entre os presentes de que aquele fórum não conflitaria com nenhuma organização partidária já organizada no continente, como a Conferencia Permanente de Partidos Políticos da América Latina e Caribe (COPPPAL), a Coordenação Socialista Latino America (CSL) e o Comitê para a América Latina e Caribe da Internacional Socialista (IS). Exatamente por ser um fórum, pode-se estabelecer a pauta, que versou sobre “Impactos econômicos, políticos, sociais e culturais do modelo neoliberal”.

Na Declaração Final, seguindo o que havia sido deliberado no I Encontro sobre a solidariedade aos movimentos de esquerda no continente, o Foro “considerou-se tarefa primordial de solidariedade a defesa da soberania de Cuba e os esforços para frustrar os planos do poder imperialista estadunidense contra a Revolução Cubana. Destacou-se a necessidade de defender as conquistas da Revolução Sandinista, ameaçadas depois da derrota eleitoral da FSLN, de apoiar os significativos avanços democráticos do povo haitiano, encarnadas no Governo do padre Aristide, de solidarizar-se com a luta da FMLN e demais forças progressistas de El Salvador na busca de uma sólida política negociada que erradique as causas da guerra, de apoiar a luta da URNG, da Guatemala, e sua proposta de uma solução política ao conflito armado sobre bases justas, de respaldar a luta pela saída das tropas norte-americanas do Panamá, de assumir a luta anticolonial dos porto-riquenhos e dos demais povos das colônias do Caribe, de rechaçar a intervenção militar que, sob o pretexto da “guerra andina contra o narcotráfico”, os EUA praticam na Bolívia, Peru, Equador e Colômbia, e de condenar as fraudes eleitorais e todas as modalidades de repressão.”

Assim como reconheceu o principal alvo a se enfrentar:

“As políticas recessivas de inspiração neoliberal aprofundam a crise política e social de nossa região causada pelo capitalismo dependente (…)privilegia os mecanismos de mercado, aparentemente livre, para enfrentar os problemas econômicos e a regulação e reestruturação de nossas economias, favorecendo as grandes empresas transnacionais e nacionais que a controlam, em detrimento dos interesses nacionais e populares.”

E aponta o rumo a seguir:

“A solução de fundo às dificuldades e problemas se encontra hoje na transformação profunda de nossas sociedades e na integração política e econômica da América Latina e Caribe, que foi durante séculos incentivo nas lutas libertárias e constitui agora idéia motora para impulsionar nossa cabal emancipação frente ao processo de reestruturação do capitalismo a nível mundial para poder contribuir a forjar uma nova ordem internacional que respeite nossos valores nacionais e satisfaça as necessidades de nossos povos.”

Mas ao acomodar diferentes grupos, perdeu em parte a identidade de esquerda e socialista como mostra o texto:

“O debate realizado neste II Encontro foi franco, aberto, democrático, plural e unitário, com a participação de um amplo leque de forças. Umas têm identidades nacionalistas, democráticas e populares, e várias outras levam estes conceitos até identidades socialistas diversas, estando todas comprometidas com as transformações estruturais requeridas para o cumprimento dos objetivos das grandes maiorias de nossos povos pela justiça social, a democracia e a liberação nacional.”

Apesar das brigas, a reunião conseguiu forjar uma união entre as organizações, propôs a organização de um terceiro encontro, a ser realizado no ano de 1992 e iniciou a consolidação de um novo conceito de organização partidária internacional, ainda sem precedentes. Sua única burocracia constava de uma secretaria geral, para a guarda de documentos e o grupo organizador do próximo evento.

Do III Encontro, em Manágua, é importante ressaltar que agudizou as divergências internas principalmente por conta da briga por proeminência política interna, mas também sobre os conceitos utilizados. Pensou-se que poderia ser, inclusive, o último encontro. Mas havia uma clara vontade de coesão que evitava a ruptura. Esta vontade possibilitou uma declaração final muito próxima da declaração anterior, mas que enfatizava a não intervenção nos países latino-americanos, em alusão aos golpes ocorridos no Haiti e no Peru.

Como resultado do ocorrido no III Encontro, o IV, em Havana, traçou uma normatização mínima no Foro, para que não houvesse dúvidas sobre o caráter do fórum. Em nota à imprensa o Foro se autodefiniu como “um ambiente de convergência de partidos, organizações e movimentos políticos da esquerda da América Latina e Caribe, para refletir, analisar, discutir e buscar linhas de ação conjunta, projetos e propostas alternativas sobre os grande e principais temas de interesse comum, no momento atual, dos nossos países e em nossa região” .

Na declaração final, além do apoio ao regime cubano, anfitrião do evento, há ênfase no apoio aos membros do Foro que disputariam eleições presidenciais no biênio 1993/94, já que sua próxima reunião aconteceria somente em 1995: Brasil, Colômbia, Chile, El Salvador, México, Panamá, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.

Em 1995, em Montevidéu, o V encontro teve que reconhecer que a luta institucional não fora tão promissora. Sem vitória em nenhum dos países em que haviam partidos do Foro participando, o texto do encontro ressalta o êxito nas eleições proporcionais e regionais, em que o grupo havia conquistado: “mais de 300 deputados, mais de 60 senadores, vários governadores, centenas de prefeitos e milhares de vereadores, totalizando um quarto do eleitorado dos países”95 . Por outro lado, longe da via institucional fortaleciam-se os movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), no Brasil, assim como surgiam os Zapatistas, no México, em clara oposição às decisões políticas e econômicas de seus países, mais notado no México, com a assinatura do NAFTA, Acordo de Livre Comércio da América do Norte.

Com a implementação de uma rotina de encontros, boa parte da novidade se perde, visto que passa a ser regulamentado, mas o VI Encontro do Foro, em San Salvador, foi diferente por dois motivos que valem destacar. A primeira por seu tema: “Propostas econômicas, políticas e sociais da esquerda latino-americana ante o modelo neoliberal”. Com ele, o que se esperava era a construção de propostas comuns, que norteassem a ação dos grupos em futuras eleições, além de inverter a lógica de oposição para a proposição. Além disso, o encontro foi marcado pela presença de um delegado do Movimento Bolivariano, da Venezuela, um tenente recém saído da prisão que não encontrou no Foro muito espaço, mas que representou mais tarde grandes modificações para seu país. A Hugo Chávez, por pressão de forças de centro esquerda e para não haver desvio do programa, não teve espaço para proferir uma fala, mas acompanhou os trabalhos do Encontro. Apesar desse episódio, o tom do encontro foi de esquerda. A resolução reafirmava, com ênfase, que

“a política neoliberal é a forma atual da dominação capitalista e que a batalha contra ela, e sua derrota, é a condição fundamental para construir formas de organização econômica política e social que acabem com as injustiças do regime capitalista. (…) Frente a esta realidade os partidos integrantes do Foro de São Paulo se propõem a impulsionar e apoiar todas as iniciativas que busquem elevar a participação democrática dos povos para o desenvolvimento econômico-social, sustentável e com igualdade, da preservação da vida no planeta, da defesa da soberania e da identidade nacional, da defesa dos direitos inalienáveis do homem, e da superação de todo tipo de discriminação(…)”

É possível afirmar, com o encontro, uma acomodação ao regime democrático e as disputas eleitorais, mas com ênfase em propostas de esquerda, que visem transformar os países. Um esfriamento do movimento foi percebido. O encontro seguinte, em Porto Alegre, teve como um de seus objetivos repensar a organização do Foro, visando reestimular o debate democrático.

Em 1998 o Foro reuniu-se no México. No encontro foram destaque duas eleições de forma distinta. Havia grande esperança de que Lula fosse eleito naquele ano e chegasse ao Foro presidente da república, Com sua derrota em primeiro turno, sua chegada não foi tão efusiva, mas ajudou na elaboração de uma resolução bastante incisiva no que tange à ingerência de atores econômicos, como o FMI e o Banco Mundial nos processos políticos. A outra eleição foi a de Hugo Chávez na Venezuela. Ele não conseguiu o apoio esperado para as eleições à presidente por conta de problemas políticos relacionados ao golpe por ele intentado anos antes.

O encontro de Manágua, em 1999, teve como ponto forte um resgate de uma pluralidade de esquerda no Foro, admitindo não apenas as mudanças pela via democrática como o reconhecimento da importância dos movimentos sociais e das insurgências populares para as conquistas das esquerdas. No texto também houve menção à eleição de Hugo Chávez:

“O processo político singular que se está ocorrendo na Venezuela, sob a condução de Hugo Chávez Frias, conseguiu desarticular o sistema político corrupto, fraudulento e ineficiente que havia sido imposto à este país por quase quatro décadas. Saudamos as importantes medidas do Governo Venezuelano para garantir a soberania nacional e rechaçamos qualquer ingerência externa que possa colocar em perigo o desenvolvimento e avanço pacífico deste processo revolucionário.”

O Encontro de Havana, que marca uma década de existência do Foro, faz um retrospecto de todas as sucessivas derrotas que seus partidos haviam obtido nas urnas, mesmo sendo sensíveis as conseqüências do pensamento neoliberal para o continente. Como ilustração, o PT, com Lula, havia sido derrotado pela terceira vez em 1998; em El Salvador a FMLN tinha sua segunda derrota; em 1999 a Frente Ampla também amargava um terceiro fracasso; na Nicarágua a FSLN também havia sido derrotada. Assim, o clima não era muito animador nas reuniões. Além do mais a vitoria de George Walker Bush à presidência dos EUA e suas política após o 11 de setembro de 2001 apresentavam um crescimento do poder da direita, que deveria levar conseqüências à América Latina.

Regalado nota que a vitória de Chávez na Venezuela passa a ser visto como um fato positivo para o continente, mas que não é contado como uma vitória do grupo. E vitórias provindas de alianças da esquerda com o centro, como a de Fernando de La Rua, em 1999 na Argentina, e de Ricardo Lagos, no Chile, em 2000, são trazidos pelos partidos de esquerda daqueles países como vitórias próprias.

A tônica da reunião foi o debate entre o crescimento da direita no continente, evidenciada com as derrotas da esquerda e a vitória de Bush, mas com a perspectiva de que a aliança das esquerdas ao centro poderia render frutos, como na Argentina e no Chile. Diz a declaração:

“Frente aos desafios e à responsabilidade histórica que tem o conjunto da esquerda, é imprescindível desenvolver uma série de ações que contribuam para a definição de objetivos estratégicos, o qual é possível a partir da construção da unidade em todos seus espaços de ação e respeitar a diversidade regional existente no interior de nossos países.

Assistimos a importantes avanços das forças de esquerda e progressistas, atuando sós ou como parte de amplas coalizões, em vários países de nosso continente, com importantes resultados eleitorais, e em alguns deles com possibilidades reais de alcançar governos nacionais e locais nos próximos anos, por via da acumulação eleitoral e pelo caminho das lutas populares mais diversas.

É indispensável articular reflexões, construir consensos e propiciar ações que envolvam a militância partidária de mulheres e homens com o movimento social e a luta dos povos indígenas, em um processo que construa tecidos de poder alternativo, respeitando seus processos e autonomias.

Se estas propostas não encontraram eco e sujeitos político-sociais para se imporem na esfera política, tampouco poderão triunfar. Em última instância, os projetos coletivos só triunfarão se se expressarem em decisões políticas que mudem o Estado, construam alianças regionais e estabeleçam uma política internacional que aponte para uma mudança na correlação de forças e para a democratização das instâncias de decisão no âmbito mundial.”

Em outro momento, a partir da análise dos rumos econômicos tomados por Bush, critica a Alca e a integração proposta:

“Com respeito aos processos de integração regional, o Foro está claramente a favor de reorientá-los e aprofundá-los para avançar até um nível superior de integração, uma verdadeira Comunidade Latino-americana de Nações e povos originários ou indígenas.

Mas hoje nossa América está submetida à ameaça de desarticular os precários intentos de integração em marcha devido ao qual o Foro se pronuncia por rechaçar o projeto geoestratégico de dominação concebido através da ALCA. (…) O Foro levanta como alternativa à ALCA o desenvolvimento e potencialização dos processos de integração reais de América Latina e Caribe e a convergência entre eles, transcendendo os aspectos comerciais e a lógica neoliberal que sustenta os Acordos de Livre Comércio, e focalizando-os até os objetivos do desenvolvimento sustentável e a vinculação das sociedades, o qual supõe ressaltar a dimensão política como pilar destes projetos. Esta integração deve ser dotada de mecanismos para enfrentar as desigualdades prevalecentes entre os países; e ao interior destes, entre os diferentes grupos sociais, promovendo a equidade de gêneros e o reconhecimento da identidade e os direitos dos povos indígenas.”

No XI encontro, em 2002, acontecido em dezembro daquele ano na Guatemala, Regalado nota que “a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva na eleição presidencial acontecida no Brasil em 27 de outubro foi o acontecimento de maior impacto” e explicita o motivo:

“A eleição de Lula à presidência do Brasil, em 27 de outubro de 2002, abre uma nova etapa uma história do Foro de São Paulo. O Partido dos trabalhadores não era o primeiro membro do grupo que chegava ao governo. Além do Partido Comunista de Cuba e das organizações que acompanharam Chávez nos comícios venezuelanos de 1998, também já haviam chegado, em um ou outro momento, sós ou em coalizão, neste último caso como força principal ou secundária, membros do Foro da Argentina, Bolívia, Chile, Dominica, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana e da própria Venezuela. Mesmo assim, a vitória da coalizão eleitoral encabeçada pelo PT tinha um significado especial: em Cuba exercia o poder uma revolução socialista que triunfou mais de quatro décadas antes, nas condições que imperavam no desaparecido mundo bipolar; na Venezuela, a vitória de Chávez se produziu em meio ao desmoronamento do sistema institucional imperante, circunstância que permitiu mudar a Constituição e empreender outras transformações de envergadura; e, finalmente, nenhum dos outros governos dentre os que haviam participado ou participavam membros do Foro era reconhecido como paradigma da Nova Esquerda. Alías, vários deles nem podiam se considerar progressistas. O especial da eleição do Lula se baseia em que esta sim era a vitória que a Nova Esquerda esperava desde 1988.”

A Declaração final do Encontro endossa a visão de Regalado em dois parágrafos da introdução do documento:

“A reunião aconteceu sob o impacto da vitória do povo brasileiro que consagrou Lula Presidente, com mais de 52 milhões de votos, expressão do amplo apoio de forças de esquerda, progressistas e democráticas. A conquista do governo no maior país do continente reafirma a validade de uma política de alianças de máxima amplitude e profundidade, conformada em torno do Partido dos Trabalhadores com seu programa de transformações sociais. Acenamos com satisfação que a maior parte dos partidos integrantes tem ativa participação no Foro de São Paulo desde sua origem. Lula Presidente significa um ponto de inflexão no continente e insufla um poderoso alento a todos os que lutam pela democracia no plano político, econômico e social.

No Brasil, a esperança venceu o medo e permitiu uma vitória do ‘sim, se pode’ contra o pensamento único. Foi um triunfo moral contra a corrupção, um ponto de encontro entre a ética e a política, uma vontade de mudança que chegou a todos os confins deste imenso país e que se irradia à América Latina e Caribe, abrindo perspectivas esperançosas às lutas políticas e sociais que nossos povos estão levando à frente contra as conseqüências nefastas das políticas neoliberais, agravadas no último período.”

O texto reconhece pela primeira vez o triunfo venezuelano como uma vitória da esquerda e como conquista importante aos partidos do Foro. E soma-se a estas vitórias o Triunfo “sem precedentes” de Evo Morales na Bolívia. O texto diz que deve-se:

“aproveitar nossa [da esquerda latino-americana] vocação histórica integracionista e contribuir efetivamente em todas as regiões para mudar os rumos dos processos de integração liderados até hoje por uma visão exclusivamente mercantilista. Aprofundar a integração latino-americana e caribenha significa, antes de tudo, priorizar a dimensão política e social, mediante a construção de instituições – parlamentos regionais diretamente eleitos, comissões representativas da pluralidade de interesses sub-regionais e de interesses dos povos, etc – e mecanismos que permitam a formulação e implementação de políticas públicas regionais para enfrentar os problemas causados pelas graves desigualdades estruturais.”

Como se vê, há uma acomodação do fórum de esquerda às disputas eleitorais, sem o que não parecia possível a transformação das sociedades que os partidos ali representavam. E perde a ênfase os movimentos que tentam a transformação por outras vias. É paradigmático desse esquema que o fórum se arrefeça, tendo a reunião seguinte apenas em 2005, sequenciada por uma em 2007 e uma em 2009. Segundo Regalado

“Com a eleição – e em alguns casos reeleição – de cionco governos encabeçados por partidos e movimentos membros do Foro, entre 1998 e 2006 na Venezuela, Brasil, Uruguai, Bolívia e Nicarágua, houve uma mudança qualitativa na dinâmica interna do Foro. Nos primeiros anos, os debates e enfrentamentos eram mais crus devido à falta de uma cultura de consenso e tolerância, mas havia uma maior margem de acomodação pois os debates eram feitos em termos mais abstratos, devido a que nenhuma das correntes que se enfrentavam haviam demonstrado – ou acreditado demonstrar – a viabilidade de suas idéias; agora os debates e enfrentamentos são mais civilizados, mas há menos margem de acomodação poruqe parte dos membros pensa e atua como governo, mesmo que a grande maioria siga pensando e atuando como esquerda opositora. Isto provocou um impasse nas atividades do Foro entre 2002 e 2007, e a redução de grupos em suas atividades, mas que não chegou a interromper suas atividades.”

A análise de Regalado é precisa ao apontar algumas das principais causas do esvaziamento do Foro no período, já que governos e oposição pensam de formas diferentes e que, como os governos eleitos formam muitas vezes de coalizão, o espaço da esquerda em seu bojo foi reduzido. É interessante notar também que, no período entre 2002 e 2005, o partido secretário do Foro, o PT, ao se tornar governo, teve que se concentrar na organização interna do país, já que a oposição trabalhava veementemente para desestabilizar o partido e o governo. Em 2005, o PT viveu sua maior crise, momento em que o Foro se reúne e se solidariza com o partido. Além da declaração do encontro, tradicional, há uma declaração de apoio em que o Foro “expressa sua solidariedade com os companheiros [do PT] ante os ataques da direita que tentam reverter o processo de mudanças sociais e políticas progressistas iniciada no país”. Assim, se vê a importância do Foro para o PT e do PT para o Foro.

O resgate do Foro a partir de 2007 tem como pressupostos dois fatos importantes. O primeiro deles é a vitória de Lula em 2006 em primeiro turno, que o fortalece nos cenários nacional e internacional, e realimenta a esquerda continental em busca de mudanças. Junto com isso assume a SRI do PT, em 2005, Valter Pomar, liderança de esquerda no partido que volta a rearticular a esquerda continental com o Foro, inclusive por conseguir separar partido de governo nas discussões, o que tem impacto positivo para o agrupamento das esquerdas.

A experiência do Foro de São Paulo, assim como o surgimento do PT, aparece como um momento único no processo histórico. Ali se reuniram as esquerdas do continente, tentando modelar uma identidade própria e uma linha de ação, o que fez com que houvesse calorosos debates e que o Foro se mantivesse vivo, mesmo com as derrotas. Os êxitos eleitorais conseguiram fazer do Foro um espaço de resultados, mas trouxeram consigo suas mudanças para a vitória. Ou seja, a moderação, o esfriamento das propostas mais radicais e a proposição de uma nova esquerda. Cabe saber se uma nova esquerda ou uma nova roupagem do mesmo sistema, apresentado como esquerda.

Para fins de análise, o Foro mostra-se importante, pois organiza e articula a esquerda no continente, proporcionando aos candidatos e aos governantes, quando eleitos, terem uma agenda prévia comum. Se em 1990 o único partido que era governo era o PC Cubano e todos os partidos construíram uma agenda comum de integração política e social para o continente, uma década depois esta agenda pode ser colocada em prática com os governantes eleitos pertencentes aos partidos do Foro, como Lula, Chávez, Evo Morales.

Política externa dos Governos FHC

Em 1994 Fernando Henrique Cardoso (FHC) vence as eleições presidenciais no primeiro turno, após uma campanha permeada pelo recém implantado Plano Real, que visava estabilizar a economia nacional e que teve bons resultados de imediato. No plano internacional tudo indicava uma sequencia da política do governo anterior, já que FHC havia sido Ministro das Relações Exteriores e permanecido no governo, em outras funções, até seu fim, e dele obteve apoio. Mas a opção do presidente foi por mudanças, inclusive no formato das políticas. Com FHC o protagonismo da política externa sai do Ministério das Relações Exteriores, “habilmente esvaziado de suas funções” e passa às mãos do próprio presidente .

Sua agenda internacional, e os rumos que o Ministério das Relações Exteriores iria tomar, se iniciam antes mesmo de sua posse, quando o presidente eleito participa da Cúpula das Américas, em Miami, Estados Unidos, convocada pelo presidente daquele país, Bill Clinton. Na cúpula os EUA, que buscavam ampliar seus mercados para aplacar os contínuos déficits de sua balança comercial, buscaram acelerar a assinatura de um compromisso com uma Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, que vinha sendo tentada desde o governo anterior (com George Bush). Naquele momento a assinatura de tal compromisso poderia minar o fortalecimento do Mercosul, que apesar de descompromissos internos intensificava as trocas comerciais sul-americanas. Brasil e Argentina conseguem organizar uma oposição sólida, adiando ao máximo um prazo concreto. Essa relação dividida entre Mercosul e Alca marca a política externa de FHC, que em seu discurso de posse apresenta elementos que nortearão sua política externa:

“Vamos valorizar ao máximo a condição universal da nossa presença tanto política como econômica, condição que tanto nos permite aprofundar-nos nos esquemas de integração regional, partindo do Mercosul, como explorar o dinamismo da Europa unificada, do Nafta, da Ásia, do Pacífico. E, ainda, identificar áreas com potencial novo nas relações internacionais, como a África do Sul pós-apartheid. Sem nos esquecermos das nossas relações tradicionais com o continente africano e de países como a China, a Rússia e a Índia, que, por sua dimensão continental, enfrentam problemas semelhantes aos nossos no esforço pelo desenvolvimento econômico e social.”

Ele parte de uma idéia de que o Brasil tem que se fazer presente no mundo para ter legitimidade de participação e ação. Mas a questão da integração, partindo do Mercosul, deixa um ar ambíguo, já que não fica claro se o Mercosul será um ponto de partida ou se o objetivo é expandi-lo em direção à uma integração americana, já que cita o Nafta em seguida. Também é presente no discurso a necessidade de ampliar as relações externas, aumentando os laços com a África, além da aproximação com China, Rússia e Índia, países que estariam em um estágio de desenvolvimento semelhante.

A agenda externa construída pelo governo FHC pendula entre o alinhamento com os EUA por conta das pressões que este país colocava sobre o país e a busca por autonomia, buscada principalmente na abertura de novos mercados ao Brasil. Essas políticas, porém, acabam, em determinado momento do seu governo, vertendo para o primeiro lado e, por isso, rompendo as possibilidades esboçadas com o segundo. Os principais motivos dessa escolha foram internos. Para a manutenção do Plano Real, o Brasil mergulhou em um período recessivo, que acabou por desacelerar a economia e aumentar o desemprego. Com a fragilização da economia doméstica, o Brasil precisou se integrar (talvez um termo mais correto seja entregar) mais à economia global e as possibilidades não eram muitas. As relações comerciais mais sólidas do país eram com a Argentina e o Mercosul, com a União Européia e com os EUA, que insistiam na abertura dos mercados do continente.

Contornando a situação, o governo brasileiro optou por recorrer sistematicamente à ajuda financeira internacional, buscando empréstimos junto ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial, para conseguir manter uma sustentação mínima dos projetos. Se por um lado o suporte destes órgãos permitia que o país não estagnasse, eles aprofundavam os problemas em dois pontos fundamentais ao desenvolvimento nacional. A dívida externa nacional aumentava, dificultando o investimento direto do governo e aumentando a parcela do Produto brasileiro comprometida no seu pagamento; e impunha ao país restrições dentro do leque neoliberal, exposto pelo Consenso de Washington .

O momento para a adoção de medidas econômicas de cunho neoliberal também não era bom, como mostravam as sucessivas crises (mexicana em 1994, esta relacionada diretamente com a implementação do Nafta; asiática em 1997 e; russa em 1998) que colocaram dúvidas sobre o funcionamento da economia que se convencionou chamar Global. FHC, em conferência no México, em 1996, reconhece que “a globalização, em suas diversas expressões, tornou-se um componente incontornável das decisões de Governo, condicionando escolhas no plano nacional e no de ações externas”. Na mesma conferência, aponta o Mercosul como “principal projeto da diplomacia nacional” o que reitera no discurso que proferiu no Congresso nacional na sua segunda posse, em 1999, quando o apresenta como “dimensão prioritária e irreversível de nossa diplomacia” .

A sucessão de crises preocupou também o governo estadunidense que passou a trabalhar diretamente em uma rearquitetura das instituições financeiras para permitir o financiamento de ajuda aos países atingidos, o que conseguiu, com a criação, no FMI, da Linha de Crédito Contingente (CCL), que ajudou que o Brasil não entrasse em crise de imediato. Era importante para a política externa estadunidense a sustentação de FHC no poder no Brasil, por ele colaborar com as adequações do país ao Consenso de Washington e por ser o Brasil a mais importante economia do “subcontinente” sul-americano, mercado de interesse direto dos EUA.

“Àquele tempo, as vulnerabilidades do Brasil foram bem identificadas no acompanhamento pelo FMI, que desde novembro de 1995 já percebia que o déficit na conta-corrente de seu balanço de pagamentos se tornava insustentável, que o modo de financiá-lo era altamente vulnerável e que o Real estava sobrevalorizado em 33%. O FMI, em 1997, propôs a desvalorização da moeda brasileira, mas o governo de Fernando Henrique Cardoso rechaçou a idéia, com o argumento de que tal medida assustaria o mercado. (…).Em fins de 1998, o FMI estimava que o Real estivesse sobrevalorizado entre 15-20%. E, em 13 de novembro, o FMI, os Estados Unidos, por decisão pessoal de Bill Clinton, e as outras principais potências industriais anunciaram que concederiam ao governo do presidente Fernando Henrique Cardoso de US$41,5 bilhões, com o objetivo de acalmar o mercado financeiro.”

Empurrando a crise latente no período eleitoral, tão logo reempossado presidente, FHC não vê muito mais alternativas para continuar com o Real estável e aplica à moeda o regime de liberdade cambial, que desvaloriza a moeda e estremece a economia nacional. Mas não foi apenas o Brasil que teve problemas internos. A Argentina, presidida por Carlo Menem, quase foi ao colapso econômico-financeiro por conta da paridade do peso, moeda argentina, com o dólar, moeda estadunidense. Interessante notar que os dois países tinham suas economias lastreadas nas mesmas políticas neoliberais ditadas pelo Banco Mundial e FMI. Com isso houve grande enfraquecimento do Mercosul que, em 2000, organizou uma cúpula para discutir seu andamento.

Em discurso na cúpula, FHC pontua que está sendo feito um “relançamento do Mercosul”: “E ‘relançamento’ é, de fato, a palavra adequada, porque expressa o dinamismo das decisões que tomamos em Assunção, no Paraguai, em 1991, em Ouro Preto, em Minas Gerais, em 1994, quando os quatro governos adotaram agendas ambiciosas, mas permeadas por um certo senso sóbrio de perspectiva.”

Mais pra frente, no mesmo discurso, apresenta um dos motivos para tal relançamento, recolocando a crítica aos problemas gerados pela globalização, como fizera antes, no México:

“(…) O que está em questão é que há uma assimetria com os ganhos da globalização, porque não há dúvida nenhuma de que podemos fazer com que ela seja um processo mais simétrico e inclusive mais solidário, porque, obviamente, há uma assimetria nos ganhos com esse processo de globalização.

Entender essa globalização não significa, portanto, curvar-se a algo que poderia chamar de o fundamentalismo do mercado. Significa, isso sim, perceber que ela é parte do nosso tempo e que coloca questões que exigem a coordenação e a cooperação dos Estados. Questões como a do protecionismo, aberto ou disfarçado, ou como a da arquitetura financeira internacional, que ainda pede respostas mais satisfatórias, ou a da volatilidade dos fluxos internacionais de capital.”

O discurso retórico do presidente, de priorização do Mercosul e de crítica às assimetrias nos ganhos da globalização, que prejudicava o Brasil e a América do Sul, não refletia a pressão que vinha sendo exercida pelos EUA. Atacava de certa maneira a tensa pauta que lhe era empurrada por Bill Clinton, a Alca, quando criticava o protecionismo e incorria em risco de descrédito quando fazia a crítica à arquitetura financeira internacional já que esta havia lhe sustentado durante o período complicado que foi o ano de sua reeleição. As deficiências internas do conjunto dos países da América do Sul, que estavam economicamente fragilizados, escondiam a importância que tinha, para o governo estadunidense, a construção do mercado de livre comércio continental. A agenda da Alca havia sido durante os oito anos de governo FHC protelada, mas nunca havia sido tirada da pauta.

Enquanto isso, no plano interno o modelo neoliberal imposto ao Brasil demonstrava sinais de saturação, pois mesmo o país seguindo as determinações do Banco Mundial e FMI à risca, com privatizações, enxugamento do Estado, e política economia ortodoxa, continuava se agravando a situação da população, que caminhava para a pauperização com o constante aumento do desemprego, a perda real dos salários e o aumento da desigualdade social. Ao que parece o governo apenas empurrou estes problemas à eleição presidencial seguinte, em 2002.

Área de Livre Comércio das Américas (Alca)

Como a política externa do governo Fernando Henrique Cardoso se deu, no plano econômico, na tentativa de fortalecimento do Mercosul e da política sul-americana, mas sempre sobre a pressão da implementação do projeto da Alca, ao que o presidente nunca se disse contrário, inclusive pela necessidade de resguardar suas boas relações com o presidente estadunidense do período e com os organismos financiadores internacionais.

Diferente dos outros capítulos, em que ao final dos capítulos se fez uma discussão sobre documentos constitutivos dos organismos de integração, nesse, por não ter sido implementada a Alca, ou seja, por não haver documentos próprios, será feita uma apresentação a partir da revisão de parte da bibliografia do tema, buscando situar a proposta.

A idéia de uma América unida, a partir dos EUA, não é nova. Já em dois de outubro de 1889, foi instaurada em Washington a Primeira Conferência Pan-Americana, chamada pelo presidente estadunidense Grover Cleveland, que visava instaurar uma união aduaneira entre o país e a América Latina. O projeto não teve sucesso em função da oposição do Chile e Argentina, “cujos interesses então mais se vinculavam à Grã-Bretanha” . Em 1933 os o governo dos EUA voltaram a sugerir propostas neste sentido durante a 17ª Conferencia Internacional do Estados Americanos. Nesse momento, o desinteresse não se restringiu a dois países. “Os diversos governos da América Latina, em graves dificuldades financeiras, não se manifestaram dispostos a reduzir tarifas alfandegárias, abrindo mercado para as exportações dos Estados Unidos” . Em 1967 a proposta de criação de uma área de livre comércio nas Américas voltou à pauta durante a Cúpula de Punta Del Este, mas sem resultados significativos. Durante o governo de George Bush (1989-1993) o tema reapareceu e foi um dos pontos de continuidade entre seu governo e o de Bill Clinton, que o sucedeu. O momento de apresentação, como já apresentado, foi na Cúpula das Américas, em Miami, em 1994. Ali os presidentes presentes concordam em formar a Área de Livre Comercio das Américas até 2005.

Mas o que seria essa área? Em termos objetivos “A Alca seria um tratado continental no qual os países signatários eliminariam, num determinado prazo, todas as barreiras ao comércio de bens e serviços. E cada um manteria em relação aos demais países a sua tarifa aduaneira”115, o que, em termos gerais, não parece muito diferente de qualquer acordo econômico multilateral. A cautela que deveria ser tomada se deu pelo acelerado processo em que se criassem no menor tempo possível para a derrubada das tarifas de comércio de bens e a eliminação da legislação de proteção aos serviços. Assim, as primeiras medidas seriam a de nivelar os países, desiguais entre si, não apenas em sua suas tarifas de comercio internacional, mas para modificar a forma como os países organizam sua estrutura econômica. Os países, quanto mais frágeis fossem suas economias, mais impactos iriam sofrer com as duas alterações.

O país mais interessado no desenvolvimento da Alca no menor tempo possível era os EUA, pois “o projeto Alca, na medida em que praticamente revivificava, como corolário econômico e comercial, a Doutrina Monroe, implicava também o objetivo político de permitir aos Estados Unido não apenas reestabelecer sua dominância sobre a América Latina, como também enfrentar o futuro Estado europeu”. Ela “partia de uma premissa ideológica – o pan-americanismo, que, em outras palavras, significava a América para os americanos – e abrigava um objetivo político, na medida em que pretendia, de um lado, afastar a concorrência da União Européia e, do outro, impedir a construção do building block, liderado pelo Brasil no Cone Sul” .

O Brasil, por ter compromissos muito estreitos com os EUA, não podia simplesmente descartar o que estava sendo proposto, e arrumou formas de fazer uma oposição velada, dificultando as negociações. Uma primeira estratégia foi a negociação em bloco. Com o bom encaminhamento do Mercosul, os governos daqueles países acordaram negociar com os EUA apenas conjuntamente, e buscavam acrescentar na agenda de negociações as ações protecionistas, que não haviam sido colocadas em pauta nas discussões. Essas mesmas ações também tinham eco nos EUA, onde grande parte dos congressistas temiam que um acordo como a Alca levasse o país a perder as indústrias com menor capacidade de competição. Como sempre havia algum empecilho nas negociações no congresso estadunidense e o poder de negociação do Departamento de Estado, conduzido então por Madeleine Albright, ficava diminuído, Bill Clinton apresentou a proposta do fast track, medida que dava ao poder Executivo estadunidense prerrogativas para negociar medidas que pudessem modificar a legislação dos EUA e, ao mesmo tempo, garantia a velocidade do fechamento dos acordos da Alca junto aos demais países, que demoravam a avançar. O fast track não é aprovado. E Clinton termina seu governo sem conseguir fazer a Alca Avançar.

A mudança na presidência dos EUA com George W Bush assumindo o posto de Bill Clinton em 2001 traz uma nova rodada de tratativas para a implementação da Alca. O governo brasileiro reconhecia que a Alca nada traria de vantagem para o Brasil que, pelo contrário, perderia sua autonomia de investimento em produção brasileira, um primeiro ponto que indicava a perda da soberania que poderia vir conjuntamente ao acordo. Mas isso não podia ser explícito, como foi o ocorrido com Samuel Pinheiro Guimarães, embaixador destituído do cargo de Diretor do Instituto de Pesquisas de Relações Internacionais (IPRI) após críticas públicas ao acordo.

O assunto não saiu da pauta das discussões nacionais. Muito pelo contrário, ela passou a ser, no início dos anos 2000, o centro de uma divisão de dois modelos de sociedade, já que a liberalização dos mercados com a abertura e a desregulamentação dos serviços eram encarados pelo pensamento crítico como a identidade do regime neoliberal. Em um período de grandes modificações na circulação da informação com a difusão da Internet e de reflexos concretos do Consenso de Washington, as ações de oposição também se modificaram, mundializando-se de forma antes não vista com movimentos contrários à essa nova face do capital, expressos em ações diretas organizadas principalmente pela Ação Global dos Povos e em fóruns de discussão, como no Fórum Social Mundial (FSM). Esse novo tipo de oposição, no Brasil e na América Latina, teve bastante aderência e tinha na Alca o centro de suas críticas . A Declaração final dos movimentos populares no FSM traz a convocação de todos “a apoiar as mobilizações contra a criação da Área de Livre comércio das Américas (Alca), uma iniciativa que significa a recolonização da região e a destruição dos direitos fundamentais sociais, econômicos, culturais e ambientais.”

Esse movimento é carregado pela esquerda brasileira e a luta contra Alca é defendida, entre outros partidos, pelo Partido dos Trabalhadores, que leva o assunto tanto para seus fóruns internos quanto para sua atuação parlamentar.

No Congresso Nacional, também em 2001, é realizado um seminário O Brasil e a Alca, que busca ajudar os parlamentares a compreender o que é a proposta, e a tiraram diretrizes sobre o assunto. Nas mesas de debate fica claro que há grande desconforto na defesa veemente do projeto, pois muitos dos presentes, tanto deputados do governo quanto de oposição, temem a perda da soberania nacional. Mas a polarização se dá. No discurso de abertura do Seminário, o presidente da Câmara dos deputados, o mineiro Aécio Neves, do PSDB, pontua que

“A perspectiva de se formar uma Área de Livre Comércio envolvendo as três Américas e os países do Caribe é um estímulo e um desafio. Pensada para criar um ambiente de comércio livre entre os trinta e quatro países do chamado Hemisfério Ocidental, o acesso preferencial a outros trinta e três mercados, de países com as características as mais variadas, é um estímulo indiscutível. (…) Mas a Alca deverá ser mais do que isso. Entre esses países encontra-se, como é sabido, a maior economia do mundo, o que reforça a percepção de que não participar deste processo – caso ele venha a se concretizar – pode implicar perdas significativas.”120

Mas reconhece Neves que “Em relação à Alca, sabe-se hoje, grosso modo, pouco mais do que aquilo que já foi acordado até aqui nos diversos encontros entre os presidentes envolvidos. [Que] as decisões serão tomadas por consenso e os acordos só severão ser assinados quando os temas tiverem sido negociados.”

Ou seja, mesmo o corpo político não conhecia direito as propostas e reconhecia que as negociações estavam concentradas com o poder executivo.

Aloísio Mercadante, deputado pelo PT, foi mais enfático na crítica, levando em conta não apenas as trocas comerciais, mas a política que permeia a instituição da Alca. Ele cita o secretário de Estado dos EUA, Collin Powel que teria dito a seu presidente que:

“Nós [os EUA] poderemos vender mercadorias, tecnologias e serviços americanos, sem obstáculos ou restrições, dentro de um mercado único de mais de oitocentos milhões de pessoas, com uma renda total superior a onze trilhões de dólares, abrangendo uma área que vai do Ártico ao cabo Hornos”

para colocar a sua posição, que retrata o pensamento de seu partido:

“O Brasil foi colônia por trezentos e vinte e dois anos. O que temos que decidir neste início de século XXI é se queremos continuar sendo uma nação soberana ou se vamos aceitar a anexação comercial. (…) O Brasil é um país importante, grande, que tem estrutura industrial e agrícola diversificada, que faz fronteira com dez países. Deve, portanto, procurar ter política externa um pouco mais corajosa e ousada, não se subordinar ao neocolonialismo e à anexação comercial que a Alca pode representar.”

O debate sobre a Alca perdurou por mais alguns anos, sendo inclusive objeto de discussão durante as eleições de 2002. Em seu discurso de posse, em 2003, o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, fala sobre a Alca, mas sem dizer se o objetivo é por se integrar ou não, mas foi crítico:

“Em relação à ALCA, nos entendimentos entre o MERCOSUL e a União Européia, que na Organização Mundial do Comércio, o Brasil combaterá o protencionismo, lutará pela eliminação e tratará de obter regras mais justas e adequadas à nossa condição de País em desenvolvimento. Buscaremos eliminar os escandalosos subsídios agrícolas dos países desenvolvidos que prejudicam nossos produtores privando-os de suas vantagens comparativas. Com igual empenho, esforçaremo-nos para remover os injustificáveis obstáculos às exportações de produtos industriais. Essencial em todos esses foros é preservar os espaços de flexibilidade para nossas políticas de desenvolvimento nos campos social e regional, de meio ambiente, agrícola, industrial e tecnológico. Não perderemos de vista que o ser humano é o destinatário último do resultado de nossas negociações. De pouco valerá participarmos de esforço tão amplo e em tantas frentes se daí não decorrerem benefícios diretos para o nosso povo. Estaremos atentos também para que essas negociações, que hoje em dia vão muito além de meras reduções tarifárias e englobam um amplo espectro normativo, não criem restrições inaceitáveis ao direito soberano do povo brasileiro de decidir seu modelo de desenvolvimento”

O discurso de Lula parecia se encaminhar para a mesma estratégia do governo anterior, de prorrogar a situação incerta da Alca, mas a composição de sua equipe de política externa. A posse de Samuel Pinheiro Guimarães como Secretário-Geral do Ministério das Relações Exteriores, ele que anos antes havia sido destituído de seu cargo por críticas à Alca, críticas que reafirmou em textos daquele período, indicava o caminho que o novo presidente buscava trilhar. Como indica Moniz Bandeira

“As negociações em torno da Alca prosseguiram, embora por mais conveniências políticas que por interesses comerciais. Essa sua diretriz desencantou os segmentos radicais do PT e a esquerda em geral, que esperavam uma ruptura com as políticas macroeconômicas do governo Fernando Henrique Cardoso. (…) E, mesmo julgando a Alca uma ‘política de anexação’, não lhe convinha, enquanto governo, suspender as negociações deixando os demais países da América do Sul à mercê dos acordos que os Estados Unidos lhes quisessem oferecer para conquistar as fatias de mercado ocupadas pelo Brasil.125”

Dificultando um pouco mais as negociações e buscando espaço como negociador internacional, Lula e seus auxiliares para a política externa estabeleceram as linhas mestras da negociação da Alca: 1) os temas seriam sempre tratados pelo bloco do Mercosul; 2) o processo focalizaria em alguns elementos importantes para o Mercosul, como a solução de controvérsias e; 3) Assuntos mais sensíveis, como propriedade intelectual, serviços, investimentos e compras governamentais seria tratados na OMC, onde o Brasil e seus parceiros sul-americanos já travavam lutas contra medidas estadunidenses. Convencionou-se chamar estas linhas de negociação em três trilhos e elas impactaram as negociações, pois os EUA não concordavam nem ao menos com seu formato. Em outubro de 2003, depois de uma vitória dos países em desenvolvimento em um painel da Organização mundial do Comércio em Cancun, e com o recrudescimento da pressão unilateral dos EUA sobre cada país sul-americano o Brasil deixa as negociações.