Pareceres da Advocacia-Geral da União
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O parecer do Advogado-Geral da União quando aprovado pelo Presidente da República e publicado juntamente com o despacho presidencial adquire caráter normativo e vincula todos os órgãos e entidades da Administração Federal, que ficam obrigados a lhe dar fiel cumprimento. O parecer não publicado no Diário Oficial da União obriga apenas as repartições interessadas e os órgãos jurídicos da AGU ou a esta vinculados, a partir do momento em que dele tenham ciência.
Texto Integral
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO
PROCESSO N° 00400.000843/2007-88
Interessado: Associação Nacional dos Membros das Carreiras da AGU - ANAJUR
Assunto: Anistiados do Governo Collor.
(*) Parecer n° JT - 01
Adoto, para os fins do art. 41 da Lei Complementar n° 73, de 10 de fevereiro de 1993, o anexo PARECER CGU/AGU N° 01/2007 - RVJ, de 27, de novembro de 2007, da lavra do Consultor-Geral da União, Dr. RONALDO JORGE ARAUJO VIEIRA JUNIOR, e submeto-o ao EXCELENTÍSSIMO SENHOR PRESIDENTE DA REPÚBLICA, para os efeitos do art. 40 da referida Lei Complementar.
Brasília, 28 de dezembro de 2007.
JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI
Advogado-Geral da União
(*) A respeito deste Parecer o Excelentíssimo Senhor Presidente da República exarou o seguinte despacho: "Aprovo. Em, 28-XII-2007".
Despacho do Advogado-Geral da União
Aprovo os termos do Parecer do Consultor-Geral da União no 1/2007, acrescentando as seguintes considerações, que passam a balizar a forma de aplicação do referido parecer, bem como passam a ser os parâmetros de análise e interpretação da hipótese "motivação política devidamente comprovada ", no âmbito da CEI e de suas subcomissões:
I) Por primeiro, há de se !er em conta que uma Lei de Anistia como a ora analisada tem POR NATUREZA a REPARAÇAO DE UMA iNJUSTIÇA e não a concessão de uma graça ou perdão.
Ou seja, NÃO SE TRATA de uma boa vontade ou de UM FAVOR feito pelo Estado, mas sim do RECONHECIMENTO DE UM ERRO, DE UMA INJUSTIÇA PRATICADA.
Agregue-se a este elemento reparador o fato de o Estado brasileiro (sem aqui querer julgar este ou aquele governo, este ou aquele órgão, este ou aquele gestor, mas simplesmente reconhecer um fato grave) não solucionar os requerimentos a ele apresentados pelos que se intitulam beneficiários da referida Lei de Anistia aqui tratada. Lei esta que data do ano de 1994.
Tal demora impõe aos requerentes, principalmente àqueles que atendem aos requisitos da Lei e detêm o direito de ser reintegrados UMA NOVA INJUSTIÇA.
Tudo isso é agravado pelo fato de se tratar, como dito no parecer, de um direito humano basilar e que afeta não só o destinatário do direito, mas toda a sua família.
Basta destacar que aquele que teve um filho quando do ato de demissão posteriormente anistiado pela Lei em comento, terá este filho hoje cerca de 15 a 17 anos de idade.
Por tudo isso, DETERMINO no presente despacho - desde já e para evitar novas provocações de manifestação por parte desta AGU sobre eventuais dúvidas na leitura e ou aplicação do presente parecer a casos concretos - QUE EVETUAIS DUVIDAS SOBRE A APLICAÇÃO DO PARECER SEJAM RESOLVIDAS EM FAVOR DOS BENEFICIARIOS DA ANISTIA. Ou seja., que se aplique o principio, mutatis mutandis, "in dubio, pró-anistia".
II) O segundo ponto que destaco, agora para divergir em parte do parecer (no sentido exatamente de dar a interpretação mais favorável aos destinatários da norma) é a abordagem feita sobre o dispositivo que trata da concessão da anistia em caso da "motivação política devidamente comprovada".
Entendo que a referida hipótese, contida no inciso III, do art 1º, da Lei de Anistia, contempla hipótese autônoma, diversa das outras, de fundamento de ofensa à Lei, seja a Constitucional, seja a ordinária, sejam as cláusulas de acordo ou convenção coletiva de trabalho ("leis" entre as partes).
Bem por isso, entendo que o parecer não pode limitar a leitura do que seja "motivação política" ao arcabouço jurídico pátrio vigente, ou a abuso ou desvio de poder por parte da autoridade que praticou os atos depois objeto de anistia.
A uma, porque nada está na lei por acaso. E se a "motivação política" tivesse de ser buscada no âmbito do descumprimento das normas existentes, não seria necessário o inciso próprio que trata dela. Bastariam aqueles que tratam da ofensa ao ordenamento jurídico vigente.
A duas, porque sendo autônoma a hipótese e não sendo ela decorrente do arcabouço jurídico pré-existente, só pode ser ela entendida no sentido de que a Lei reconheceu que houve atos de desligamentos fundados em ação persecutória de natureza ideológica, politica e ou partidária, independente do ato ter sido LEGAL OU NÃO. Ou seja, mesmo o ato LEGAL de desligamento pode ser objeto de anistia, uma vez comprovada a "motivação política" para a sua prática.
Repito na hipótese: mesmo que o ato do desligamento tenha tido suporte na legislação pátria e convencional, não se sustentará, desde que eivado de natureza de perseguição ideológica ou politica ou partidária.
Evidente que isso deve de ser comprovado pelo requerente da anistia, não bastando mera alegação, para cumprir-se o que a própria Lei impôs: "motivação política devidamente comprovada".
Por sua vez, na análise e julgamento deste fundamento, o Poder Executivo, através da CEI, E O EXCLUSIVO JUIZ DESTE JULGAMENTO.
Quero dizer, se determinado ato ou fato for entendido como motivação política pelo órgão competente, no âmbito do Poder Executivo, como DETERMINADO PELA LEI, e não sendo motivação política elemento encontrável e definido na legislação, NÃO COMPETE AO PODER JUDICIARIO E OU AOS ÓRGÃOS DE CONTROLE COMO O TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO OU A CONTROLADORIA-GERAL DA UNIÃO REVER O MÉRITO DESSE JULGAMENTO.
Mérito sobre conveniência política ou o que seja motivação política é exclusivo do órgão a que a Lei deferiu tal análise, observadas as balizas postas no parecer sob análise e, evidente, na própria Lei de Anistia e nos seus regulamentos.
Podem os órgãos de controle e o Poder Judiciário verificar os aspectos de ordem formal; por exemplo, se a demissão se deu dentro do prazo a que a lei deferiu as anistias; se não houve justa causa ou outra causa para a demissão, desligamento etc.
Por conseqüência, não compete às consultorias Jurídicas dos Ministérios, em especial a CONJUR do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão e mesmo a própria AGU ou o próprio Advogado-Geral da União opinar, avaliar ou decidir sobre o que seja ou não seja em cada caso concreto "motivação política".
Mas ponho-me de acordo com o Parecer no sentido de que não se pode considerar "motivação política", em abstrato, a própria política global de Estado mínimo, então legitimada pelas umas com a eleição de Colior.
Isso porque, pela Lei de Anistia, só os atos concretos, individualizados, que comprovadamente mostrem que a demissão foi persecutória, por motivo de ordem política, podem ser considerados para a hipótese do referido inciso III.
Assim, avanço neste ponto em relação ao parecer para fixar que "motivação política devidamente comprovada" é requisito de julgamento exclusivo - NO SEU MERITO - da própria administração pública (poder político propriamente dito), não se submetendo a sua análise às premissas legais, MAS SIM A PREMISSAS E PROVAS DE ORDEM POLÍTICA, IDEOLÓGICA E PARTIDÁRA DEVIDAMENTE COMPROVADAS.
III) Por último, destaco que as autoridades julgadoras dos pedidos de anistia poderão deferi-la, desde que presentes os requisitos da Lei da Anistia, mesmo quando o fundamento do pedido formulado for diverso daquele que embasa a decisão do órgão julgador do pedido.
Isso porque o julgador não se vincula aos fundamentos expostos no requerimento do interessado, mas sim ao seu pedido e às provas produzidas nos Autos.
IV) Com estas observações adoto na íntegra a análise, as conclusões, bem como os encaminhamentos sugeridos no Parecer do Consultor-Geral da União n° 1/2 007.
Brasília, 28 de novembro de 2007.
JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI
Advogado-Geral da União
Parecer CGU/AGU Nº 01/2007 - RVJ
PROCESSO: 00400.000843/2007-88
INTERESSADO: Associação Nacional dos Membros das Carreiras da AGU - ANAJUR
ASSUNTO: ANISTIADOS DO GOVERNO COLLOR
Senhor Advogado-Geral da União,
I
Antecedentes e contextualização
histórico-política da matéria
Trata-se de matéria referente à anistia dos servidores e empregados públicos demitidos, exonerados ou dispensados à época do Governo Collor e que têm enfrentado verdadeira via crucis em sua tentativa de retorno à administração pública federal.
A Associação Nacional dos Membros das Carreiras da Advocacia-Geral da União - ANAJUR formulou, por intermédio do Ofício nº 43/2007 - ANAJUR, de 19.04.2007, às fls. 01, pedido de reconsideração da Nota DECOR/CGU/AGU Nº 76/2006 - MMV, proferida nos autos do Processo nº 00400.000575/2005-32, pleiteando a preservação dos associados que indica - assistentes jurídicos reintegrados à administração federal - no quadro suplementar da AGU.
A partir desse pedido específico, decidiu a AGU proceder à ampla revisão e atualização da matéria, em face de sua complexidade,
relevância e transcendência.
Determino, inicialmente, a apensação ao processo em epígrafe do processo nº 00400.000575/2005-32, em cujo âmbito se deu a elaboração da NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 76/2006 - MMV, aprovada pelo Despacho nº 1.202/2006 do então Consultor-Geral da União, e, posteriormente, por Despacho do Advogado-Geral da União à época, datado de 23 de janeiro de 2007, que lhe conferiu os efeitos dos incisos X e XI do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 1993, pelo fato de o processo ora sob análise conter pedido de reformulação da citada NOTA DECOR.
Determino, ainda, a apensação dos processos de nº 00400.001821/2001-40, 00400.001925/2001-54, 5000.086868/2004-07, 00400.000817/2005-98, 00400.002324/2005-92, 00400.001210/2006-14, 00400.000749/2007-29, 00410.001233/2007-82, 00400.005213/2007-08, 00400.005980/2007-17 e 00400.006024/2007-44 em tramitação na Advocacia-Geral da União, por absoluta identidade temática.
A relevância da matéria é inequívoca. Diz respeito à vida profissional de milhares de servidores e empregados públicos. Os números são imprecisos, porém, são eloqüentes para atestar a necessidade de o Governo Federal posicionar-se claramente sobre a situação.
Na verdade, diversas foram as manifestações do Governo Federal ao longo dos últimos treze anos.
Decretos, Portarias, Instruções Normativas, Orientações Normativas, Pareceres da Advocacia-Geral da União, entre diversos outros normativos foram editados por inúmeros órgãos e entidades buscando a perfeita exegese da norma de regência - Lei nº 8.878, de 1994 - e a densificação dos dispositivos constitucionais relacionados à matéria.
As balizas constitucionais dizem, de um lado, com o direito ao trabalho, à dignidade humana, à proteção contra a despedida arbitrária e ao respeito aos princípios que norteiam a administração pública, especialmente os princípios da legalidade, da moralidade pública e o preceito que pugna pelo provimento de cargos por concurso público, e, de outro, dizem respeito à capacidade de auto-organização do Poder Executivo, consectário do princípio da independência e harmonia dos Poderes.
Antes de adentrar a análise dos aspectos jurídico-constitucionais que envolvem a matéria, fundamental é contextualizar o momento histórico em que se originou.
Há dezessete anos tomava posse o primeiro Presidente da República eleito democraticamente pelo voto direto da população, após cerca de vinte e um anos de regime autoritário.
O país chegava a março de 1990, absolutamente dividido e polarizado politicamente.
As circunstâncias que envolveram o segundo turno das eleições presidenciais irradiaram seus efeitos para o período pós-eleitoral.
O acirramento de ânimos entre os seguidores do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva - abrangendo o Partido dos Trabalhadores, os sindicatos, incluindo as representações de servidores públicos, e os movimentos sociais - e as forças políticas e econômicas simpáticas ao candidato vitorioso, Fernando Collor de Mello, repercutiu nas ações de governo.
Somente pode-se entender tal movimento pelo fato de os servidores públicos e empregados de empresas estatais, bem como suas entidades sindicais representativas serem, àquele período e em sua maioria, simpáticas ao candidato derrotado do Partido dos Trabalhadores nas eleições de 1989.
A suposta incapacidade do Governo que se instalava em separar fatos de campanha de atos de Governo teria sido o fundamento para adoção de medidas que, em tese, afastaram-se das balizas constitucionais e legais.
Essa é a única conclusão possível a que se pode chegar para entender o porquê de, ao final do Governo Collor, causado por sua renúncia em face da instalação de processo de impeachment no Congresso Nacional, seu sucessor constitucional, o então Vice Presidente Itamar Franco, ter decidido encaminhar ao Congresso Nacional texto de medida provisória que objetivava "anistiar" os servidores públicos e empregados de empresas estatais que tivessem sido afastados de seus cargos e empregos, com violação ao ordenamento jurídico-constitucional ou por motivação política.
Registre-se que o texto da medida provisória foi encaminhado após o então Presidente da República ter vetado projeto de lei aprovado no Congresso Nacional sobre a matéria.
Faz-se importante reproduzir, neste momento, trechos da Exposição de Motivos Conjunta nº 135/MF/SAF/SEPLAN/PR, de 12.04.1994, que encaminhou a Medida Provisória nº 473, de 1993, ao Congresso Nacional, posteriormente aprovada e transformada na Lei nº 8.878, de 1994.
É esclarecedor o trecho que afirma:
3. Convém ressaltar o Parecer do Relator do projeto de lei nº 4.233/93, Deputado Nilson Gibson, na parte referente à observância da legalidade e dos que lhe são correlatos (Art. 37, da CF), dentre os quais o da finalidade e o da motivação imposta ao agente público, onde discorre sobre a ausência de motivação documentada nos atos de demissão dos servidores que se propõe com esta medida a anistia às suas demissões. (grifei)
Parte-se, assim, da premissa, confirmada historicamente e reconhecida pela medida provisória transformada em Lei, que perseguições e desmandos houve naquele período, daí a necessidade que se impôs ao Estado brasileiro de reparar o mal feito.
No entanto, não é razoável supor que todos os movimentos dos gestores públicos à época foram pautados pela intenção de atingir servidores ou grupo de servidores específicos.
Por mais que se possa divergir ideológica e politicamente de determinada orientação que, transplantada do campo eleitoral para o campo de ação do Governo, converte-se em políticas públicas, não há como retirar legitimidade daquelas iniciativas que não foram tisnadas por inconstitucionalidades, ilegalidades ou por motivação política.
Explica-se. Havia uma concepção minimalista de Estado à época do Governo Collor, uma proposta de ação governamental que transferia do Governo para setores privados a responsabilidade pela atuação em várias áreas, especialmente na área econômica.
Ricardo Antunes bem delineava a sintonia do Plano Collor com a orientação econômica predominante no cenário internacional à época:
O seu sentido essencial, muitos já o disseram, é dar um novo salto para a modernidade capitalista. Um neojuscelinismo mesclado com o ideário do pós-1964, contextualizado para os anos de 1990. É o acentuar do modelo produtor para exportação, competitivo ante as economias avançadas, o que supõe a franquia da nossa produção aos capitais monopólicos externos. Tudo em clara integração com o ideário neoliberal. A privatização do Estado preenche outro requisito imprescindível desse ideário. Os procedimentos para a obtenção deste telos seguem, em dose única, o essencial do receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI): o enxugamento da liquidez, o quadro recessivo decorrente, a redução do déficit público, a "modernização" (privatista) do Estado, o estímulo às exportações e, é claro, a prática do arrocho salarial, secularmente utilizada em nosso país. É um desenho econômico nitidamente neoliberal. O "intervencionismo exacerbado" presente no Plano e que desagradou aos setores mais à direita lembra a última medida necessária para uma lógica de um Estado que se quer todo privatizado. É a simbiose entre a proposição política autocrática e a essencialidade de fundo neoliberal. O caso chileno, entre muitos outros, mostra que não há nenhuma incompatibilidade entre estes planos.
Elucidadora é a análise dos cem primeiros dias do Governo Collor em pesquisa empreendida por Castanhar, que, ainda em agosto de 1990, escreveu:
É interessante notar que a análise dos resultados obtidos por subamostras revela que o percentual de pessoas que informaram cortes acima de 200 pessoas é consideravelmente mais alto na Administração Indireta (61,3%) e na Área Econômica (72,2%). (...) A explicação mais plausível parece estar relacionada à extinção de um número significativo de empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações e autarquias, que são órgãos da administração indireta e, em geral, tratam de atividades classificadas na Área Econômica.(...)E qual é, se existe, a filosofia da atual Reforma Administrativa? Ao contrário de reformas anteriores esta não foi precedida por estudos e discussões mais abrangentes, envolvendo diagnósticos da situação existente, definição de princípios norteadores da Reforma, o detalhamento de medidas a serem adotadas e o planejamento de sua implementação. A atual Reforma, como já foi mencionado, foi concebida e detalhada por um grupo restrito de assessores da equipe do Governo, e implementada, pelo menos no início, através de medidas provisórias, ou mesmo por atos administrativos internos, como no caso das medidas visando a redução de pessoal. A filosofia da atual Reforma deve ser buscada, então, nos enunciados políticos de natureza geral do Chefe de Governo e de sua equipe. Neste sentido, parece correto afirmar que os propósitos fundamentais da Reforma em andamento podem ser assim sintetizados: modernização do Estado e melhora da eficiência da máquina governamental, principalmente através de uma política de administração de recursos humanos mais austera. (grifei)
Em sua pesquisa, Castanhar afirma que os resultados da dimensão qualitativa da "reforma administrativa" empreendida, entendidos como as iniciativas de desburocratização, desregulamentação, melhoria na qualidade gerencial e nos mecanismos de coordenação interorganizacional e de políticas públicas eram, naquele momento, muito tímidos.
Ao contrário, os aspectos quantitativos apresentavam resultados expressivos. Evidências desse resultado eram as medidas de redução, extinção e fusão de órgãos, dispensa de pessoal e de "enxugamento" da máquina.
Conclui, afirmando a necessidade, à época, de ser conferida maior ênfase às medidas qualitativas:
Dessa forma, e tendo em vista o anunciado propósito da Reforma Administrativa de promover mudanças estruturais que resultem na efetiva modernização do setor público, o Governo deveria concentrar sua atenção e energia para impulsionar e dinamizar as medidas nessa direção, bem como efetuar correções que permitam eliminar, ou pelo menos minimizar, distorções provocadas nesta primeira etapa da reforma, que podem levar a resultados opostos aos desejados.
Análises posteriores reforçaram as tendências detectadas por Castanhar e reafirmaram que as medidas adotadas no campo administrativo visavam dar conseqüência a uma concepção de Estado.
Olavo Brasil de Lima Junior, doutor em Ciência Política pela Universidade de Michigan, argumenta:
Já a reestruturação pretendida pelo Governo Collor se inseria no contexto da modernização do Estado, tratando de privilegiar o ajuste econômico, a desregulamentação, a desestatização e a abertura da economia. A desregulamentação e a desestatização, como se recorda, são princípios que já constavam da pauta da reforma administrativa desde o final dos anos 60, enquanto o ajuste econômico e a abertura comercial se constituíam em dimensões novas a serem perseguidas pelo Governo.
A combinação de uma concepção de Estado, que de certa forma seguia uma agenda internacional do final dos anos 80 e início dos anos 90, com a ausência de um planejamento efetivo e prévio à adoção das medidas, especialmente no campo administrativo, gerou resultados desastrosos.
Afirma Olavo Lima Jr.:
A reforma Collor, naquilo que efetivamente se materializou, é vista por um arguto analista como "desmobilização de ativos": Além da desestruturação de setores inteiros da Administração Federal, esta reforma não deixou resultados perenes, quer em termos de cultura reformistas, quer em termos de metodologias, técnicas ou processos. Sequer um diagnóstico consistente pode ser elaborado a partir de sua intervenção, pois em nenhum momento o voluntarismo que a marcou permitiu que a abordagem do ambiente e administrativo se desse de maneira científica (Santos, 1997:49).
Esses elementos de análise são importantes para a constatação que, se de um lado havia clara confrontação política e perseguições nascidas desse embate, de outro, havia o voluntarismo, o despreparo e a adoção de falsas premissas que geraram efeitos nocivos à administração pública federal, a partir de uma concepção de Estado que estava em voga.
Um desses efeitos é a situação dos servidores e empregados afastados do serviço público à época e que até hoje buscam o retorno.
Importa considerar um outro aspecto que parece essencial à contextualização da análise a ser empreendida das demissões em massa que ocorreram e que são o fundamento de toda essa discussão, qual seja, a receptividade de parte da sociedade brasileira às medidas adotadas.
Para Luciano Martins:
Reunindo as indicações disponíveis talvez se pudesse afirmar que o projeto Collor, em suas linhas-mestras, consistiria numa ampla abertura da economia brasileira à economia internacional com o abandono de qualquer veleidade de construir um capitalismo nacional; na desmontagem do Estado-empresário e sua substituição, no papel de gerenciador da economia, por um governo fortalecido no seu sistema decisório (mais Governo e menos Estado, chegou a declarar Collor); na eliminação de barreiras protecionistas e recursos semelhantes percebidos como entraves ao livre jogo do mercado. E, no limite, nos passos iniciais para alguma forma de integração ao bloco geoeconômico que se está constituindo no eixo Estados Unidos - Canadá - México. Uma forma radical, digamos assim, mas não muito distante, do que o PSDB chamou de choque capitalista. O que mostra existir na sociedade uma certa predisposição para mudanças nessas direções, embora não necessariamente nesses exatos termos. (grifei)
Decisões de governo e atos de gestão houve que não tiveram a intenção de perseguir e alcançar determinado grupo de servidores e empregados. Representavam a internalização de medidas adotadas em outros países de viés neoliberal, veiculadas repetidamente por parcela significativa de políticos, governantes, empresários, mídia e academia.
Essas decisões de governo expressavam o sentimento de parte significativa da população e foram precariamente adotadas; desprovidas de diagnóstico e planejamento prévios.
Há, então, que se distinguir claramente entre afastamentos (demissões, exonerações ou dispensas) imotivadas, inconstitucionais e ilegais, daquelas outras que se originaram das opções político-administrativas e de suas conseqüências sobre as relações do Estado com seus servidores e empregados.
Daí a importância das balizas postas pela Lei nº 8.878, de 1994, que impõem ao intérprete bastante cuidado para que injustiças - de parte a parte - não sejam cometidas.
Em diversas oportunidades ao longo dos últimos dezessete anos, a AGU foi instada a se manifestar sobre o assunto. Produziu diversos pareceres, notas e informações que serviram para balizar a atuação dos órgãos do Governo.
Após a posse de Vª Exª, Sr. Advogado-Geral da União, firmou-se compromisso com os órgãos de Governo envolvidos e com as representações dos servidores e empregados públicos que pretendem a anistia, que a AGU: a) indicaria representante para integrar e participar ativamente dos trabalhos da Comissão Especial e Interministerial - CEI; b)constituiria, a despeito da limitação de seus quadros funcionais, grupo de apoio ao trabalho da representante da AGU na CEI; c) elaboraria ato normativo que possibilitasse a movimentação de contingente amplo de advogados públicos para análise, quando necessário, de demanda excessiva de trabalho na área consultiva, como, p.ex., no caso de suporte a eventual análise dos pedidos de anistia; d) promoveria, por fim, a revisão de todas as suas manifestações exaradas ao longo dessa turbulenta história, atualizando seu entendimento sobre a matéria, levando em consideração a evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial concernente à matéria.
Os três primeiros compromissos já foram cumpridos, remanesce, contudo, aquele de maior complexidade que diz com a fixação da interpretação dos pontos controversos e lacunosos ainda existentes na legislação de regência.
Essa é a tarefa empreendida pela NOTA AGU/CGU/DECOR Nº 193/2007 - SFT, de autoria do Advogado da União e Coordenador-Geral do DECOR, Dr. Sérgio Eduardo de Freitas Tapety, de 11 de junho de 2007, e pelo presente parecer.
Espera-se dessas manifestações, Sr. Advogado-Geral, a fixação da interpretação da legislação de regência, naquilo que resta a ser interpretado, a ser seguida uniformemente pela administração pública federal, em respeito aos contornos constitucionais e jurídicos da matéria.
Registre-se, por fim, que o presente parecer levou em consideração o vasto acervo documental produzido ao longo desses dezessete anos, que compreende a legislação, as diversas decisões judiciais de todas as instâncias, a doutrina, as manifestações da Advocacia-Geral da União, as manifestações de diversos órgãos e entidades da administração pública federal, as manifestações das diversas comissões que apreciaram pedidos de anistia, as manifestações de representantes dos servidores e empregados públicos demitidos ou exonerados e as matérias publicadas na mídia impressa.
II
As balizas constitucionais da matéria: a proteção constitucional ao trabalho como um dos fundamentos da dignidade humana
É importante ter claro ao apreciar os contornos constitucionais e legais desta matéria, estar-se tratando do direito fundamental à dignidade humana que decorre do direito de cada cidadão e cidadã ao trabalho, e, no caso em tela, ao trabalho na administração pública.
São límpidos os ensinamentos de Paulo Bonavides que, ao refletir sobre os direitos fundamentais sociais e a nova hermenêutica constitucional, assevera:
No direito constitucional positivo do Brasil são taxativamente direitos sociais aqueles contidos no art. 6º da Constituição a saber: a educação, a saúde, o trabalho (...). Tais direitos, por derradeiro, concretizam-se no indivíduo em dimensão objetiva, envolvendo o concurso do Estado e da Sociedade. A Nova Hermenêutica Constitucional se desataria de seus vínculos com os fundamentos e princípios do Estado democrático de Direito se os relegasse ao território das chamadas normas programáticas, recusando-lhes concretude integrativa sem a qual, ilusória, a dignidade da pessoa humana não passaria de mera abstração (...). Estamos, aqui, em presença do mais alto valor incorporado à Constituição como fórmula universal de um novo Estado social de Direito. É por essa ótica - a dignidade da pessoa humana - que se guia a inteligência interpretativa das presentes reflexões.
A ruptura da relação estatutária ou trabalhista com o Estado em afronta aos dispositivos constitucionais e legais estaria a ensejar, então, a mitigação do direito fundamental ao trabalho como elemento essencial à consecução da dignidade humana.
Lembre-se, pois, que a Lei nº 8.878, de 1994, originou-se da constatação de ocorrência de desmandos e ilegalidades que atingiram parcela significativa dos servidores e empregados durante o Governo Collor e que tiveram como conseqüência a negação do exercício de um direito fundamental que é o direito ao trabalho (art. 5º, XIII da CF), no caso, trabalho no setor público, fonte primeira da dignidade do cidadão, fundamento da República Federativa do Brasil, consoante o inciso III do art. 1º da Constituição Federal.
Trata-se de exemplo em que o Estado busca conferir efetividade a um direito social que se acha ameaçado, já que para a melhor doutrina constitucional, os direitos sociais como direitos fundamentais não podem ser apenas uma carta de princípios sem eficácia.
É o que se depreende da seguinte manifestação de Rogério Gesta Leal, verbis:
Por tudo isso, no Estado Social de Direito, as garantias e os direitos sociais conquistados e elevados à norma constitucional, não podem ficar relegados em uma região ou conceituação meramente programática, enquanto promessa de um futuro promissor, a serem cumpridas pelo legislador infraconstitucional, mas impõem-se uma vinculação direta e orgânica frente aos Poderes instituídos. Não sendo assim, aquelas conquistas não seriam eficazes e, tampouco, estariam qualificando, valorativamente , este Estado como Social de Direito.
O texto constitucional de 1988 repele a ruptura desmotivada e arbitrária do vínculo trabalhista, ex vi do previsto no art. 7º, inciso I da Carta de 1988.
Tal regra irradia-se, quando se trata da administração pública, a ponto de a atual redação do art. 41, § 1º da Constituição Federal prever, expressamente, em seus três incisos as restritas hipóteses de perda do cargo por servidor estável.
O não-estável, também, somente de forma motivada, perderá seu cargo caso não logre demonstrar capacidade e aptidão necessárias ao exercício de seu cargo, conforme estabelecido no art. 20 da Lei nº 8.112, de 1990.
Nem as novas regras constitucionais inseridas com a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, como o § 3º, inciso II e o § 4º do art.
169 que prevêem, respectivamente, a perda do cargo do não-estável e do estável, afastam-se do imperativo da motivação.
A interpretação sistêmica do texto constitucional quanto à matéria traz uma clara mensagem ao legislador e ao gestor público: a República Federativa do Brasil repudia a demissão, a exoneração ou a dispensa imotivada e arbitrária de seus servidores e trabalhadores.
Esse é o entendimento manifestado por Alexandre de Moraes, verbis:
Consagra a Constituição Federal o direito à segurança no emprego, que compreende a proteção da relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensação, entre outros direitos, impedindo-se, dessa forma, a dispensa injustificada, sem motivo socialmente relevante.
Para José Afonso da Silva, o direito ao trabalho decorre de análise sistêmica da Constituição Federal,
O art. 6º define o trabalho como direito social, mas nem ele, nem o art. 7º trazem norma expressa conferindo o direito ao trabalho. Este, porém, ressai do conjunto de normas da Constituição sobre o trabalho. Assim, no art. 1º, IV, se declara que a República Federativa do Brasil tem como fundamento, entre outros, os valores sociais do trabalho; o art.
170 estatui que a ordem econômica funda-se na valorização do trabalho e o art. 193 dispõe que a ordem social tem como base o primado do trabalho. Tudo isso tem o sentido de reconhecer o direito social ao trabalho, como condição da efetividade da existência digna (fim da ordem econômica) e, pois, da dignidade da pessoa humana, fundamento, também, da República Federativa do Brasil (art. 1º, III). E aqui se entroncam o direito individual ao exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, com o direito social ao trabalho, que envolve o direito de acesso a uma profissão, à orientação e formação profissionais, à livre escolha do trabalho, assim como o direito à relação de emprego (art. 7º, I) e o seguro-desemprego, que visam, todos, entre outros, à melhoria das condições sociais dos trabalhadores.
Registre-se, ainda, que os direitos fundamentais sociais no Brasil abrangem tanto o direito a prestações materiais como o direito de defesa quanto a eventuais violações patrocinadas tanto pelo setor público como por entidades privadas.
Parece-me, assim, sem querer aprofundar a abordagem teórico-conceitual do direito à relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, estarmos exatamente no campo da proteção a esse direito fundamental, consoante explicita Ingo Wolfgang Sarlet,
Especificamente no que concerne aos direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988, impõe-se aqui ao menos uma breve referência ao fato de que o conceito de direitos fundamentais sociais no direito constitucional pátrio é um conceito amplo, incluindo tanto posições jurídicas tipicamente prestacionais (...) quanto uma gama diversa de direitos de defesa. (...) Assim, verifica-se que boa parte dos direitos dos trabalhadores, positivados nos arts. 7º a 11 de nossa Lei Suprema são, na verdade, concretizações do direito de liberdade e do princípio da igualdade (ou da não-discriminação), ou mesmo posições jurídicas dirigidas a uma proteção contra ingerências por parte dos poderes públicos e entidades privadas. (grifei)
O direito ao trabalho e a proteção contra o desemprego é o que consta, afinal, da DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, adotada e proclamada pela Resolução 217-A (III), da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, que em seu art. XIII dispõe:
Artigo XXIII
1.Toda pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego.
2. Toda pessoa, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.
3. Toda pessoa que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se necessário, outros meios de proteção social.
4. Toda pessoa tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses.(grifei)
III
A exegese da Lei nº 8.878, de 1994, e de suas principais normas regulamentares: a consolidação do entendimento da AGU
Passa-se, após essa breve digressão constitucional que lanças as bases sobre as quais a presente discussão deve ser travada, a analisar o conteúdo da Lei nº 8.878, de 11.05.1994, que "Dispõe sobre a concessão de anistia nas condições que menciona", e a fixar o entendimento desta Advocacia-Geral da União sobre os limites hermenêuticos de seus dispositivos.
Adotou-se como método de análise a apreciação de cada dispositivo para que a integralidade da norma e seus aspectos controversos sejam apreciados e não apenas questões pontuais surgidas a partir de problemas concretos submetidos à apreciação.
Nessa análise individualizada de cada dispositivo, são levadas em consideração as normas constitucionais abrangidas, as principais teses defendidas pela União em juízo, as mais importantes decisões judiciais, as normas infralegais, os demais atos normativos elaborados para detalhar seu cumprimento, as manifestações jurídicas da Advocacia-Geral da União e as de diversas Consultorias Jurídicas.
Trata-se, então, de consolidar, neste momento, as manifestações anteriores da Advocacia-Geral da União sobre a Lei de Anistia.
Dar-se-á ênfase, nessa empreitada, à NOTA AGU/CGU/DECOR Nº 193/2007 - SFT, de autoria do Advogado da União e Coordenador-Geral do DECOR, Dr. Sérgio Tapety.
Essa NOTA, exarada nos autos do presente processo, reapreciou, por força do pedido de reconsideração formulado pela ANAJUR, às fls 1, a NOTA DECOR/AGU/AGU Nº 76/2006, lançada nos autos do processo nº 00400.000575/2005-32, aprovada pelo
Despacho nº 1.202, de 1996, do então Consultor-Geral da União.
Primeiramente, manifesto minha total concordância com o entendimento fixado às fls. 75-81 da NOTA AGU/CGU/DECOR Nº 193/2007 - SFT, sobre a prevalência do entendimento acolhido pelo Advogado-Geral da União, ainda que sem a aprovação do Exmº Sr. Presidente da República, no que concerne à precisa fixação da interpretação das leis.
É o se extrai, indubitavelmente, do disposto nos incisos X e XI do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 1993, c/c o parágrafo único do art. 17 da Lei nº 7.923, de 1989, e, ainda, do Parecer AGU nº GQ-46, de 1994.
Compete à AGU, em última análise, por ser o órgão superior de assessoramento jurídico do Presidente da República, fixar a interpretação das normas no âmbito do Poder Executivo.
Assim, eventuais divergências jurídicas entre o órgão central do Sistema de Pessoal Civil - SIPEC e a Advocacia-Geral da União resolvem-se em favor dessa última.
Distingo as manifestações contidas na NOTA DECOR nº 193/2007 - SFT, em manifestações que dizem respeito ao conteúdo da Lei de Anistia - que serão tratadas ao longo desta etapa do parecer - e as que concernem à orientação de atuação da CEI, que passo a analisar de imediato.
Ponto significativo nessa discussão são os efeitos das decisões do Poder Judiciário, em suas diversas instâncias, sobre a atuação da Comissão Especial Interministerial criada pelo art. 1º do Decreto nº 5.115, de 2004.
Por força dos cerca de treze anos decorridos entre a publicação da Lei e as diversas manifestações do Poder Executivo que ora deferiam, ora cancelavam as anistias, vários foram os servidores e empregados públicos que recorreram ao Poder Judiciário para verem reconhecidos os direitos que alegavam ter.
Assim como no Poder Executivo, a matéria, por sua complexidade e abrangência, tem suscitado decisões controvertidas, que por vezes variam com o passar do tempo, em face da instância ou do juízo em que esteja sendo analisada determinada questão.
Dessa relação com o Poder Judiciário podem ser extraídas algumas macro-orientações.
Uma é que a CEI não pode concluir pela anistia quando, para o caso concreto, já houver decisão judicial denegatória transitada em julgado por falta de amparo legal.
Caso haja decisão transitada em julgado em sentido diverso das orientações contidas neste parecer, acaso aprovado pelo Advogado-Geral da União, a decisão deve ser, por óbvio, cumprida, até que se logre revertê-la com os instrumentos processuais disponíveis.
Da mesma sorte, havendo decisão, ainda que não transitada em julgado, que determine a adoção de alguma medida com referência à Lei de Anistia, em contrariedade às orientações firmadas no âmbito do Poder Executivo, ela deve ser obedecida até que recurso interposto pela AGU consiga reverter a decisão judicial.
Da mesma forma, acrescento que caso haja decisão judicial transitada em julgado que aponte ilegalidade em afastamento ocorrido em órgão ou entidade, essa decisão deve ser considerada pela CEI no julgamento administrativo de casos que possuam o
mesmo fundamento.
Cito, apenas a título de exemplo, hipótese de acordo coletivo celebrado por sindicatos representativos das categorias profissionais que, por força do art. 611, § 1º, da CLT, deve abranger todos os trabalhadores de uma ou mais empresas.
Assim, se determinado acordo coletivo foi firmado com cláusula que vedava a demissão e se essa ocorreu, todos os trabalhadores atingidos devem ter o direito à anistia assegurado, à luz do que estabelece o art. 1º, inciso II, da Lei nº 8.878, de 1994, e não somente aqueles que foram alcançados pela decisão judicial transitada em julgado.
Ainda no que concerne aos procedimentos a serem adotados pela CEI na revisão dos processos de anistia, sustenta o autor que as revisões devem ser motivadas e não podem se lastrear em fundamentações genéricas.
Outrossim, a análise deve ser efetuada caso a caso.
As decisões da CEI devem ser encaminhadas previamente à Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento para que exerça a competência estatuída no inciso V do art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, - assistir o Ministro no controle interno da legalidade - antes de ser enviada ao Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, na medida em que o art. 1º do Decreto nº 6.077, de 2007 atribuiu a essa autoridade pública a competência para deferir o retorno dos servidores e empregados anistiados.
Não compete, contudo, à CONJUR do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, rever as decisões adotadas pela CEI, pois tal procedimento configurar-se-ia em supressão da competência estatuída no inciso III do art. 2º do Decreto nº 5.115, de 2004, com a redação conferida pelo art. 2º do Decreto nº 5.954, de 2006.
Lembre-se que o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão tem dois representantes com assento na CEI, ex vi do disposto no inciso I do art. 1º do Decreto nº 5.115, de 2004, e qualquer problema, a bem da eficiência da atuação da administração pública, à luz do contido no caput do art. 37 da CF, pode ser identificado ainda no âmbito dos trabalhos da CEI.
Passa-se à análise propriamente dita da norma de regência da matéria.
O caput do art. 1º da Lei estabelece:
Art. 1° É conhecida (sic) anistia aos servidores públicos civis e empregados da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, bem como aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista sob controle da União que, no período compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992, tenham sido:
Esta Lei aplica-se, então, aos servidores da administração direta, autárquica e fundacional, bem como aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista ocupantes de cargos efetivos e empregos permanentes na administração pública federal (MS nº 8.545, 8.954 e 8.983).
O período das demissões, exonerações e dispensas é o compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992. Qualquer afastamento em período diferente ao estabelecido expressamente no texto da Lei não dará ensejo à concessão da anistia.
A aferição da decadência de ato que anule anistia concedida, de acordo com o art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999, far-se-á a partir da publicação da Lei em 1º.02.99.
Nesse sentido, importa aduzir que o STJ firmou entendimento, a partir do julgamento do MS nº 9.112/DF, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ de 14.11.2005, que o prazo decadencial de cinco anos para que a administração anule seus atos que gerem efeitos favoráveis aos destinatários conta-se a partir da publicação da Lei nº 9.784, vale dizer, 1º.02.99 (ver também MS 9.115/DF e MS nº 9.157/DF).
De uma forma geral, no caso de concessão da anistia, presume-se a legalidade e legitimidade do ato administrativo e a boa-fé do servidor por ele atingido.
Trata-se da aplicação do critério da prevalência ou da relevância dos princípios da boa-fé do servidor e da segurança jurídica sobre os demais princípios do regime jurídico administrativo (MS 8627/DF, DJ 20.11.2006, p. 268).
A eventual anulação de anistias decorre do exercício do poder-dever de auto-tutela da administração pública no sentido de zelar pela legalidade dos seus atos, sendo obrigatória sua atuação quando identifica vícios, respeitado o disposto no art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999, observados os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa quando seja desconstituída a eficácia de ato administrativo que repercuta no âmbito dos interesses individuais dos servidores (MS nº 8.545, 8.675 e 8.983).
Sempre pode ser analisado o efetivo cumprimento dos preceitos constitucionais insertos no art. 5º da CF que dizem com o devido processo legal (inciso LIV), com o contraditório e com a ampla defesa (inciso LV), nos casos de cancelamento ou anulação de anistia.
Trata-se de matéria de prova. A cada caso deverá ser analisado o cumprimento das formalidades referentes à ciência dos interessados sobre todos os atos adotados com vistas à revisão das anistias concedidas e a abertura de prazo para apresentação de defesa.
O inciso I do art. 1º da Lei de Anistia estabelece:
Art. 1º....
I - exonerados ou demitidos com violação de dispositivo constitucional ou legal;
Esse dispositivo aplica-se aos servidores públicos. Há que se observar, em cada caso, se a exoneração ou demissão obedeceu aos preceitos constitucionais e legais de regência da matéria.
A Lei nº 8.112, de 1990, disciplina os casos em que ocorre a exoneração de cargo efetivo. Somente nas hipóteses indicadas poderá ser considerada legal a exoneração. Qualquer exoneração que tenha sido efetivada em desrespeito às previsões legais poderá dar ensejo à anistia.
À época, antes, portanto, da Emenda Constitucional nº 19, de 1998, os servidores públicos estáveis somente poderiam perder o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou de processo administrativo em que lhe tivesse sido assegurada ampla defesa, consoante o disposto no art. 41, § 1º da Constituição Federal e art. 22 da Lei nº 8.112, de 1990, verbis:
Art. 22. O servidor estável só perderá o cargo em virtude de sentença judicial transitada em julgado ou de processo administrativo disciplinar no qual lhe seja assegurada ampla defesa.
A exoneração dos não-estáveis ocorre quando não há a aprovação no estágio probatório, ex vi do § 2º do art. 20:
Art.20................
..........................
§ 2o O servidor não aprovado no estágio probatório será exonerado ou, se estável, reconduzido ao cargo anteriormente ocupado, observado o disposto no parágrafo único do art. 29.
A outra hipótese de incidência da Lei de Anistia, consoante o disposto no inciso I de seu art. 1º, é a demissão com violação dos dispositivos legais e constitucionais.
A Lei nº 8.112, de 1990, estabelece de forma expressa as hipóteses em que ocorrerá a demissão do servidor. Assim, compete à Comissão Especial Interministerial aferir eventuais violações aos ditames da Lei com o fim de conceder anistia ao servidor.
De outro lado, decorrendo a demissão de correta aplicação dos preceitos constitucionais e legais, não há falar em anistia.
A título de ilustração, quanto ao dispositivo em análise da Lei nº 8.878, de 1994, parece correta a decisão de anular a anistia de servidor por ter sido detectada acumulação inconstitucional e ilegal de cargos, empregos e funções em sede de processo administrativo disciplinar, posto que violada a Constituição Federal, art. 37 XVI e XVII da CF e a Lei nº 8.112, de 1990, art.
132, XII (cf. MS 9425).
Passa-se a analisar o inciso II do art. 1º da Lei de Anistia, que prevê:
Art. 1º.....
................
II - despedidos ou dispensados dos seus empregos com violação de dispositivo constitucional, legal, regulamentar ou de cláusula constante de acordo, convenção ou sentença normativa;
Esse dispositivo aplica-se aos empregados de empresas públicas e de sociedades de economia mista. Violados dispositivos constitucionais, legais, ou cláusulas contratuais, de acordo, convenção ou sentença normativa, caracteriza-se a incidência da norma.
A Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943, é pródiga em dispositivos que protegem o trabalhador da despedida, dispensa ou da demissão imotivada.
As normas gerais contidas na CLT citadas no item anterior são de observância obrigatória pela Comissão Especial Interministerial - CEI, quando da análise da adequação das circunstâncias fáticas às hipóteses previstas no inciso II do art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994.
Além dessas, devem ser consultadas as normas de proteção contidas em leis específicas, bem como em tratados internacionais incorporados ao nosso ordenamento jurídico.
Da mesma forma, se acordo coletivo, expressa e legalmente firmado entre empresa e sindicato, previa a impossibilidade de demissão durante determinado período e se a demissão ocorreu, há o ajustamento dos contornos fáticos ao texto da lei, o que daria, em tese, ensejo à anistia (MS 7219 - STJ, DJ 11.11.2002, p. 140, Relator Ministro Luis Fux).
Tema da maior relevância, no âmbito da Lei de Anistia, referente aos empregados públicos vinculados a sociedades de economia mista e empresas públicas diz respeito à necessidade ou não de motivação de seus afastamentos.
A propósito da urgência e da relevância do tema, chegou a esta Consultoria-Geral da União, no dia 23.10.2007, consulta formulada pelo Sr. Secretário Executivo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, autuado como processo nº 00400.005213/2007-08, a respeito do posicionamento da Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, órgão de execução desta Consultoria-Geral da União, consoante o art. 2º, inciso II, alínea "b" da Lei Complementar nº 73, de 1993, sobre o tema.
Encaminha, como exemplo, o PARECER/MP/CONJUR/FNF/Nº 1578-3.24/2007, em que a CONJUR/MPOG indeferiu a deliberação da Comissão Especial Interministerial - CEI que revia a decisão da COINTER, para manter a decisão denegatória de anistia.
Informa, ainda, que há cerca de 200 (duzentos) processos similares a esse, alcançáveis pela manifestação da CONJUR/MPOG.
Os principais fundamentos utilizados para esse posicionamento, lastreados em decisões judiciais, são basicamente dois: o primeiro é o que veda a interpretação extensiva à expressão "motivação política" contida no inciso III do art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994, que será analisado posteriormente neste parecer.
O segundo fundamento, a ser enfrentado, é a desnecessidade de motivação das demissões quando ocorridas no âmbito das empresas estatais, por força do que estabelece o art. 173 da Constituição Federal, que equipara as empresas estatais às empresas privadas no que concerne à relação com seus trabalhadores.
Portanto, as demissões havidas nas estatais, por prescindirem de motivação, não dariam ensejo à anistia de que cuida a Lei nº 8.878, de 1994.
Não me parece razoável formulação com tamanha generalidade.
Celso Antônio Bandeira de Mello expõe de maneira clara a necessidade de o desligamento de empregados nas sociedades de economia mista e nas empresas públicas serem motivados:
Assim como a contratação de pessoal nas empresas públicas e sociedades de economia mista sofre o condicionamento aludido, também não é livre o desligamento de seus empregados. Cumpre que haja razões prestantes e demonstráveis para efetuá-lo, já que seus administradores não gerem negócio particular, onde prepondera o princípio da autonomia da vontade, mas conduzem assunto de interesse de toda a coletividade, cuja gestão sempre reclama adstrição à finalidade legal preestabelecida, exigindo, pois, transparência, respeito à isonomia e fundamentação satisfatória para todos os atos praticados. Daí que a despedida de empregado demanda apuração regular de suas insuficiências ou faltas, com direito à defesa e, no caso de providências amplas de enxugamento de pessoal, prévia divulgação dos critérios que presidirão as dispensas, a fim de que se possa conferir a impessoalidade das medidas concretamente tomadas. Perante dispensas ilegais, o empregado terá direito à reintegração no emprego e não somente indenização compensatória, pois não estão em pauta interesses puramente privados, mas sobretudo o princípio da legalidade da Administração, o qual é a garantia de todos os cidadãos e ao qual, portanto, todos fazem jus. (grifei)
Em outro ponto de sua obra, Celso Antônio Bandeira de Mello sustenta a necessidade de os princípios insculpidos no caput do art.
37 da Constituição Federal, dentre eles o da impessoalidade, ser aplicado em sua inteireza no âmbito da administração pública direta e indireta, verbis:
Nele se traduz a idéia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas. Nem favoritismos nem perseguições são toleráveis. Simpatias ou animosidades pessoais, políticas ou ideológicas não podem interferir na atuação administrativa e muito menos interesses sectários, de facções ou grupos de qualquer espécie. O Princípio em causa não é senão o próprio princípio da igualdade ou isonomia. Está consagrado explicitamente no art. 37, caput, da Constituição.(grifei)
Da mesma forma, Di Pietro, sustenta, no âmbito da administração pública a imprescindibilidade de adoção do princípio da impessoalidade que se relaciona com a finalidade pública, verbis:
Exigir impessoalidade da Administração tanto pode significar que esse atributo deve ser observado em relação aos administrados como à própria Administração. No primeiro sentido, o princípio estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear a atividade administrativa. Significa que a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear seu comportamento. (grifei)
Sobre a necessidade de motivação de despedida de empregado público, no âmbito da Lei nº 8.878, de 1994, pelas empresas públicas e sociedades de economia mista, foi solicitado, em face de sua relevância, estudo específico ao Dr. Sérgio Tapety, Advogado da União e Diretor Substituto do DECOR, Departamento que integra a estrutura da Consultoria-Geral da União.
O Dr. Tapety se manifestou por intermédio da NOTA AGU/CGU/DECOR Nº 370 /2007-SFT, que se encontra juntada aos autos do presente processo.
Nessa Nota, demonstra que, a despeito da tendência recente verificada no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho de considerar desnecessária a motivação da despedida de empregados públicos, forte na adoção do preceito constitucional contido no art. 173, há julgados em toda a estrutura da Justiça do Trabalho que entendem ser imprescindível a motivação das despedidas.
Significativas e abalizadas são, também, as manifestações da melhor doutrina administrativista pátria a exigir a motivação nos atos de afastamento, com lastro nos princípios constitucionais explícitos que norteiam a atuação da administração pública direta e indireta, como a legalidade, moralidade, publicidade e impessoalidade, assim como no princípio implícito da necessidade de motivação.
Extraio da referida Nota, as passagens que parecem significativas a sustentar a orientação de ser exigida, no âmbito da Lei de Anistia, de que as despedidas de empregados públicos sejam motivadas, caso contrário estará caracterizada violação ao texto constitucional e à legislação trabalhista, fazendo incidir o inciso II ao art. 1º da Lei nº 8.878, e 1994, o que torna os empregados públicos que foram despedidos imotivadamente, arbitrariamente ou sem justa causa, passíveis de terem suas anistias reconhecidas.
Eis os trechos referidos:
Incumbiu-me Vossa Excelência de analisar e manifestar sobre o tema "necessidade de motivação da despedida de empregado público".
02. Inicialmente, em linhas gerais, a dispensa arbitrária, no âmbito da relação de emprego, é aquela que não se funda em um motivo técnico, econômico ou disciplinar. Esses motivos são extraídos analogicamente do art 165 da CLT. Já a dispensa sem justa causa é a que não se fundamenta em qualquer dos motivos previstos em lei, como, por exemplo: arts. 482, 433, II, 508, 158 § único e 240 § único, todos da CLT.
03. Quanto à necessidade de motivação da dispensa de empregado público, o tema é controverso na doutrina, mas pacífico na jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho - TST. No âmbito desse Tribunal há a Orientação Jurisprudencial nº 247, da SDI - 1, recentemente alterada pela Resolução nº 143/07 do Tribunal Pleno, publicada no Diário de Justiça de 13 de novembro de 2007, que estabelece o seguinte:
"SERVIDOR PÚBLICO. CELETISTA CONCURSADO. DESPEDIDA IMOTIVADA. EMPRESA PÚBLICA OU SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. POSSIBILIDADE.
1. A despedida de empregados de empresa pública e de sociedade de economia mista, mesmo admitidos por concurso público, independe de ato motivado por sua vontade.
2. A validade do ato de despedida do empregado de Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) está condicionada à motivação, por gozar a empresa do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública em relação à imunidade tributária e à execução por precatório, além das prerrogativas de foro, prazos e custas processuais."(N)
04. De acordo com o referido Tribunal, in verbis: "A alteração foi decidida em setembro, quando o Pleno julgou incidente de uniformização de jurisprudência suscitado pela Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1). O fundamento da decisão foi o fato de o Supremo Tribunal Federal, em diversos precedentes, vir assegurar à ECT privilégios inerentes à Fazenda Pública - notadamente, no caso da Justiça do Trabalho, o pagamento de débitos por meio de precatórios. Deste modo, merecendo os Correios tratamento privilegiado em relação a tributos fiscais, isenção de custas e execução por precatórios, seus atos administrativos devem se vincular aos princípios que regem a administração pública direta, em especial o da motivação da despedida de empregados..."( Notícias do Tribunal Superior do Trabalho de 13/11/2007)
05. Assim, conforme o entendimento jurisprudencial acima mencionado, para os empregados das empresas estatais a motivação do ato de despedida é prescindível, salvo para os empregados públicos integrantes do quadro de pessoal da ECT, uma vez que essa empresa goza do mesmo tratamento destinado à Fazenda Pública.
06. A idéia central para a fixação desse posicionamento leva em conta que as empresas públicas e sociedades de economia mista devem seguir o mesmo regime jurídico das empresas privadas, conforme determina o art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal.
07. No entanto, mesmo a jurisprudência caminhando no sentido de que a motivação é dispensável na prática do ato de despedida do empregado público, alguns doutrinadores divergem desse entendimento, bem como há julgados da Justiça do Trabalho que adotam a mesma tese da necessidade de motivação.
08. Na doutrina, cabe destacar os seguintes posicionamentos:
Diogenes Gasparini (Direito Administrativo, 6ª edição, Ed. Saraiva)
"As empresas governamentais (sociedades de economia mista, empresa pública e fundação) também sentem necessidade de registrar seus atos, de controlar seus servidores e de decidir sobre certa controvérsia, de sorte que a utilização do processo administrativo para consubstanciar cada um desses fatos é imprescindível. Desse modo, pode-se afirmar que, "mutatis mutandis", aos processos aplica-se o regime dos processos administrativos que comumente são instaurados na Administração Pública direta."
Celso Antônio Bandeira de Mello (Curso de Direito Administrativo, 17ª edição. São Paulo, Ed. Malheiros, pp. 206)
"Assim como não é livre a admissão de pessoal, também não se pode admitir que os dirigentes da pessoa tenham o poder de desligar seus empregados com a mesma liberdade com que o faria o dirigente de uma empresa particular. É preciso que haja uma razão presente para fazê-lo, não se admitindo caprichos pessoais, vinganças ou quaisquer decisões movidas por mero subjetivismo e, muito menos, sectarismos políticos ou partidários
(...) Logo, para despedir um empregado é preciso que tenha havido um processo regular, com direito à defesa, para apuração da falta cometida ou de sua inadequação às atividades que lhe concernem. Desligamento efetuado fora das condições indicadas é nulo.(...)"
José dos Santos Carvalho Filho (Manual de Direito Administrativo, 15ª ed., Ed. Lumen Júris, pág. 498-499):
"(...) O contrato só pode ser rescindido quando houver: 1) prática de falta grave, tal como relacionado no art. 482 da CLT; 2) acumulação ilegal de cargos, empregos ou funções públicas; 3) necessidade de redução de quadro no caso de excesso de despesa, como previsto no art. 169 da CF/88; 4) insuficiência de desempenho apurada em processo administrativo. Essas regras indicam não só que ficou excluída a hipótese de resilição unilateral do contrato por parte do Estado-empregador, não sendo assim aplicável nesse aspecto o art. 479 da CLT, mas também que é vinculada à atividade da União no que tange às hipóteses de desfazimento do vínculo: em nenhuma hipótese a rescisão contratual poderá dar-se ao mero alvedrio da Administração Federal decorrente da valoração de conveniência e oportunidade."
09. Quanto aos julgados da própria Justiça do Trabalho, é importante destacar:
"(...) embora o empregado não seja estável, a demissão apenas é possível por ato motivado, demonstrando que o empregado não é apto para o cargo em que foi aprovado, após prévia avaliação de desempenho funcional do mesmo." (TST, RR 1220/2000)
"Empresa pública. Dispensa. Reintegração Administração Pública Indireta. Dispensa imotivada. Artigo 37 CRFB/88. Ato nulo. Reintegração. A Impetrante - Empresa Pública - está Adstrita a respeitar os princípios basilares da Administração Pública, incluindo-se dentre estes o da motivação dos atos, que, aliás, era o cerne da denunciada convenção 158 da OIT - estabelecimento de critérios objetivos para os distratos de iniciativa do empregador, a demonstração da necessidade de dispensa. Os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência (Emenda Constitucional n. 20/98) devem nortear os atos praticados pelos agentes da Administração Pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Não é lícito à impetrante despedir imotivadamente o seu empregado. A demissão somente seria possível se houvesse justa causa ou razão de ordem econômico-financeira , ou de ordem técnica, devidamente fundamentada no ato de dispensa". (TRT, 1.ª Região, MS n. 427/1999/RJ, Rel. Juiz Alberto Fortes Gil, DORJ de 20.3.2001).
"TRT-PR-06-02-2004 CONCURSO PÚBLICO. NULIDADE-REINTEGRAÇÃO. O administrador público não pode, a seu arbítrio e sem motivação, dispensar empregado público contratado por meio de concurso, sob pena de ofensa aos princípios da legalidade, moralidade e impessoalidade. Por tratar-se de ato administrativo vinculado, o administrador público tem de provar os motivos que o ensejaram, sob pena de ser decretada a sua nulidade. In casu, não se aplica a regra consubstanciada no Enunciado 363-TST, posto que a autora foi admitida após prévia aprovação em concursos públicos, os quais, posteriormente, foram anulados por ato da própria administração. Assim, os contratos de trabalho mantidos entre a autora e o réu, enquanto vigentes, foram válidos, gerando todos os direitos previstos na legislação consolidada.(TRT-PR-00254-2001-657-09-00-8-ACO-02312-2004)"
"Administração Pública Indireta. Dispensa. Motivação. Reintegração. Em se tratando de Administração Pública, ainda que Indireta, seus atos de gestão submetem-se aos princípios da Legalidade, Impessoalidade, Moralidade e Publicidade, pelo que a dispensa de seus empregados, embora possível, pois não são detentores de qualquer estabilidade, deve ser motivada e obedecer a critérios objetivos, o que não se observou no caso dos autos, razão pela qual o ato de dispensa do reclamante encontra-se eivado de nulidade, por afrontar o princípio da impessoalidade sendo, pois, devida a reintegração postulada.(TRT, 1ª Região, RO 19848-97, Rel. Juiz Ideraldo Cosme de Barros Gonçalves, DORJ de 08.09.1999)
10. Desta forma, verifica-se que mesmo diante do entendimento majoritário do TST, há posicionamentos contrários tanto na doutrinária como na jurisprudência.
11. Por tal motivo, para que cheguemos a uma conclusão sobre o caminho a ser seguido pela Administração Pública - motivar ou não as despedidas de seus empregados - devemos analisar os fundamentos constitucionais e legais que amparam o entendimento da motivação e o da não motivação do ato de despedida praticado pelas empresas públicas e sociedades de economia mista.
12. Primeiramente, o fundamento constitucional que dá suporte ao posicionamento adotado pelo TST, conforme foi exposto anteriormente, é o disposto no art. 173, § 1º, II, da Constituição Federal, que estabelece o mesmo tratamento jurídico entre as empresas estatais (empresa pública e sociedade de economia mista) e as demais empresas do setor privado quanto aos direitos e obrigações trabalhistas, que são regidos pela CLT. Logo, como esse estatuto não estabelece limite ao exercício do poder potestativo patronal de rescindir unilateralmente os contratos individuais de trabalho, esse poder também não pode sofrer qualquer restrição para as empresas estatais, como, por exemplo, a necessidade de motivação dos atos de rescisão contratual de seus empregados públicos.
13. Desta forma, não se poderia dar tratamento diferenciado para as empresas estatais, uma vez que essas entidades estariam a desempenhar atividade econômica em livre concorrência com as empresas do setor privado.
14. Por outro lado, o entendimento contrário, qual seja, da necessidade de motivação do ato de despedida realizado pelas empresas estatais, está fulcrado nos seguintes pontos.
15. Primeiro, as empresas públicas e sociedades de economia mista são entidades que integram a Administração Pública Indireta, estando seus atos administrativos sujeitos aos princípios e regras previstos na Constituição Federal, em especial: a) art. 37, caput: Princípios da legalidade, Impessoalidade, Moralidade, Publicidade, e, Eficiência; b) art. 37, § 4º: Probidade; e c) art. 70, caput: Fiscalização pelo Tribunal de Contas.
16. Também, cabe mencionar o disposto no art. 2º da Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que estabelece que a Administração Pública deve observar, além daqueles princípios estatuídos no art. 37, caput, da Constituição Federal, os princípios da motivação, razoabilidade, proporcionalidade, ampla defesa, contraditório e segurança jurídica. Esses não deixam de ser princípios implícitos na Constituição Federal.
17. Esses princípios e regras são de observância obrigatória para a prática dos atos administrativos no âmbito das empresas estatais, neles incluídos os atos de despedida dos empregados públicos.
18. Desta forma, evita-se a prática de atos abusivos de cunho, por exemplo, discriminatório ou político por parte das autoridades hierarquicamente superiores, que representam tais entidades estatais.
19. Ademais, garante-se ao empregado público, que foi admitido por meio de um criterioso processo seletivo, qual seja, concurso público, uma forma de saída também criteriosa que é a despedida motivada.
20. Assim, a motivação é necessária para todo e qualquer ato administrativo, consoante já decidiu o STF (RDP, 34:141), ou seja, nos atos vinculados ou discricionários (artigo 50 da Lei 9.784/99). A falta de motivação ou a indicação de motivos falsos ou incoerentes torna o ato nulo, conforme decisões dos nossos Tribunais (RDA, 46:189 e RDA, 48:122). É oportuno esclarecer que o motivo é a situação fática ou legal, objetiva, real, empírica, que levou o agente à prática do ato, já a motivação é a enunciação, descrição ou explicação do motivo.
21. Logo, a sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato (isso inclui a motivação da dispensa do empregado público), porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos. É nesse sentido que segue a moderna doutrina do Distrito Administrativo, consoante leciona Odete Medauar (Direito Administrativo Moderno, 10ª ed., Editora RT, pág. 138):
"Durante muito tempo vigorou no direito administrativo a regra da não obrigatoriedade de enunciar os motivos do ato, salvo imposição explícita da norma. A partir de meados da década de 70 essa tendência vem se invertendo, no sentido da predominância da exigência de motivação dos atos administrativos, principalmente naqueles que restringem o exercício de direitos e atividades, apliquem sanção, imponham sujeições, anulem ou revoguem uma decisão, recusem vantagem ou benefício qualificado como direito e expressem resultados de concursos públicos. Alguns ordenamentos constitucionalizaram a exigência de motivação, como o português, na revisão `de 1982. No Brasil, nos trabalhos de elaboração da Constituição de 1988, houve tentativa de introduzir a regra da motivação como princípio da Administração; mas não permaneceu no texto definitivo, ficando explícita só a exigência de motivação das decisões administrativas dos Tribunais (art. 93, X) (...) A ausência de previsão expressa, na Constituição Federal ou em qualquer outro texto, não elide a exigência de motivar, pois esta encontra respaldo na característica democrática do Estado brasileiro (art. 1? da CF), no princípio da publicidade (art. 37, caput) e, tratando-se de atuações processualizadas, na garantia do contraditório (inc. LV do art. 5)."
22. Além da necessidade de motivação do ato administrativo de dispensa, com base nos fundamentos acima mencionados, há ainda outros argumentos que sustentam tal entendimento que estão amparados nos direitos sociais previstos na Constituição Federal.
23. Inicialmente, o legislador constituinte originário elegeu, como princípios fundamentais da República, o valor social do trabalho e dignidade da pessoa humana. Como corolário dessa base principiológica, programou, no art. 7?, I da CF/88, a edição de lei complementar regulando indenização por despedida arbitrária, a fim de coibir a demissão injustificada ou pelo menos compensar o empregado.
Prossegue o Dr. Tapety, para ao final concluir:
27. Conclui-se, portanto, que o legislador constituinte, apesar de não descaracterizar a demissão de empregado como ato eminentemente potestativo do empregador, não considera a despedida arbitrária ou sem justa causa um ato perfeitamente aceitável, tanto que lhe impõe o pagamento de indenização compensatória, a fim de proteger o "valor social do trabalho" e a "dignidade da pessoa humana".
28. No entanto, esse poder diretivo do empregador de despedir o empregado, quando exercido de forma abusiva, por exemplo, dispensa discriminatória, não impede a sua anulação pelo Poder Judiciário, tendo como fundamento normas constitucionais protetivas do trabalhador.
29. Logo, levando em consideração que a manutenção da relação de emprego garante a dignidade da pessoa humana, cabe ao Estado promover essa dignidade através de condutas ativas que assegurem as liberdades fundamentais, como o direito ao trabalho previsto no art. 6º, caput, da Constituição Federal.
30. Se cabe ao Estado promover as liberdades públicas, como é o direito ao trabalho, esse mesmo Estado diretamente ou indiretamente, por meio de seus entes constituídos, deve ser o primeiro a evitar a prática de atos arbitrários ou sem justa causa quando atua no pólo ativo de uma relação de emprego.
31 Desta forma, chega-se a conclusão que deve ser observado o requisito da motivação para os atos de dispensa de empregado público, com vistas a garantir a prevalência dos princípios constitucionais que regem a Administração Pública e os direitos sociais. (grifei)
32. Cabe deixar um alerta quanto ao tema da motivação da despedida de empregado público: caso a Administração Pública adote esse novo posicionamento, os atos já praticados não podem ser considerados nulos, pois até então sua pratica vinha sendo respaldada num entendimento prevalente na jurisprudência do TST, salvo se tais atos tenham sido praticados com abuso de poder por parte do administrador.
33. Com relação especificamente às despedidas dos empregados públicos feitas no período abrangido pela Lei nº 8.878, de 11 de maio de 1994, ficam tais atos vinculados à motivação feita pelo administrador, como, por exemplo, a desnecessidade de determinada empresa pública no exercício da atividade econômica ou na prestação de um determinado serviço público. Caso, posteriormente, aquela atividade ou serviço público seja transferido, absorvido ou executado por outro órgão ou entidade da Administração Pública, restará caracterizada a falsidade do motivo externado na motivação.
34. Como justificar a despedida em massa de diversos empregados públicos que integravam o quadro de pessoal de empresas estatais extintas, vindo em seguida as atividades desses entes serem executadas por outros órgãos e entidades da Administração Pública. E mais, como explicar as novas contratações por esses mesmos órgãos e entidades de agentes públicos por meio de concursos públicos, bem como as terceirizações realizadas.
35. Nesse caso o motivo que levou a prática dos atos administrativos de dispensa dos empregados públicos, ou seja, a reengenharia da estrutura administrativa, não condiz que a realidade fática, pois a Administração Pública Federal continuou atuando na mesma atividade desempenhada pelo extinto órgão ou entidade empregadora.
37. Desta forma, pode-se defender a nulidade das despedidas em razão da falsidade do motivo e da motivação, elementos constituintes do ato administrativo, em decorrência da teoria dos motivos determinantes.
38. Ao considerar que os atos de dispensa dos empregados públicos são nulos, é possível reconhecimento da anistia com fundamento no art. 1º, inciso II, da Lei nº 8.878, de 1994.
39. Pelo exposto, conclui-se que:
a) tem amparo no ordenamento jurídico a possibilidade de motivação dos atos de despedida dos empregados públicos;
b) caso a Administração Pública Federal passe a adotar a motivação na despedida dos empregados públicos, os atos anteriormente praticados não podem ser considerados nulos, quando realizados com boa-fé pelo administrador e em consonância com a jurisprudência do TST; e
c) havendo falsidade na motivação para as despedidas dos empregados públicos ocorridas no período compreendido na Lei nº 8.878, de 1994, é possível reconhecimento da anistia com fundamento no art. 1º, inciso II, previsto nessa Lei.
Destaco o alerta contido na Nota de que a interpretação que se fixa no sentido da adequada motivação dos afastamentos dos empregados públicos no âmbito das empresas públicas e das sociedades de economia mista restringe-se ao campo de incidência da Lei nº 8.878, de 1994.
Tal orientação não tem o condão de alterar atos praticados anteriormente na administração pública federal.
A norma constitucional inserta no inciso I do art. 7º da Constituição Federal, direito social fundamental, aponta para o compromisso do Estado brasileiro na defesa da relação de emprego.
De fato, o novo ordenamento constitucional não mais alberga a estabilidade no setor privado, contudo, isso não significa estimular, ou admitir como regra geral que as relações trabalhistas encerrem-se sem qualquer motivação.
Ainda mais quando se trata de entidades que integram a administração pública federal e possuem a União como única e exclusiva detentora do capital, no caso das empresas públicas, ex vi do art. 5º, inciso II do Decreto-Lei nº 200, de 1967, ou como acionista majoritária das ações com direito a voto, no caso das sociedades de economia mista, por força do disposto no inciso III do art. 5º do Decreto-Lei nº 200, de 1967.
A ênfase da norma constitucional que deve ser perseguida pelo administrador público, sob pena de esvaziar direito social fundamental, é a proteção contra a despedida arbitrária ou sem justa causa.
O fato de a parte final do inciso I do art. 7º da CF estabelecer que, em havendo tal despedida, a questão resolver-se-á em indenização não significa salvo conduto para desmandos administrativos.
A parte excepcional da norma constitucional não pode ser interpretada como geral, caso contrário, estar-se-ia subvertendo sua intenção, qual seja, a de proteger a relação de trabalho contra o arbítrio.
Trata-se, inclusive, de corolário do princípio constitucional da segurança jurídica, intrinsecamente associado aos princípios republicano e democrático.
Não é possível admitir a interpretação do texto constitucional que conduza à conclusão de que seja normal e aceitável que qualquer trabalhador durma empregado e amanheça desempregado, por simples manifestação de vontade unilateral do empregador.
Vale a pena trazer à baila, o seguinte trecho da obra de José Afonso da Silva que reforça, com brilho, o alegado, litteris:
A garantia do emprego significa o direito de o trabalhador conservar sua relação de emprego contra despedida arbitrária ou sem justa causa. A Constituição não conferiu uma garantia absoluta do emprego. Os debates na Constituinte, neste tema, foram os mais acirrados, variando de uma postura de livre desfazimento unilateral do contrato de trabalho até uma vedação quase absoluta ao desfazimento. Prevaleceu uma fórmula que não é de todo satisfatória, conforme disposto no art. 7º, I, pela qual se assegura relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. Protege-se a relação de emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar. O que é que fica dependendo da lei complementar: a definição da proteção à relação de emprego ou a definição do que seja despedida arbitrária ou sem justa causa? Temos para nós que a garantia do emprego é um direito, por si bastante, nos termos da Constituição, ou seja, a norma do art. 7º, I, é por si só suficiente para gerar o direito nela previsto. Em termos técnicos, é de aplicabilidade imediata, de sorte que a lei complementar apenas virá determinar os limites dessa aplicabilidade, com a definição dos elementos (despedida arbitrária e justa causa) que delimitem sua eficácia, inclusive pela possível conversão sem indenização compensatória da garantia de permanência no emprego. Indenização não é garantia da relação de emprego. Como se vê do texto, é uma medida compensatória da perda do emprego. Se a Constituição garante a relação de emprego, o princípio é o da sua conservação e não o da sua substituição. Compreendido o texto especialmente em conjugação com o § 1º do art. 5º, aplicável aos direitos do art. 7º, que se enquadram, também, entre os direitos e garantias fundamentais, chegaremos à conclusão de que a norma do inciso I é de eficácia contida. (grifei)
O próprio excerto extraído do AI-AgR 630749/PR, DJ 18.05.2007, p. 106, contido no parecer da CONJUR/MPOG - item 40, às fls.
18 - nos autos do processo nº 00400.005213/2007-08 está a demonstrar a preocupação do legislador constituinte e do julgador com a proteção contra a despedida imotivada, verbis:
"2. A estabilidade dos servidores públicos não se aplica aos funcionários de sociedade de economia mista. Estes são regidos por legislação específica (Consolidação das Leis Trabalhistas), que contém normas próprias de proteção ao trabalhador no caso de dispensa imotivada". (grifei)
A interpretação dos dispositivos constitucionais que veiculam direitos fundamentais há de ser feita de modo a permitir a sua máxima densificação e concretização.
A própria Lei nº 8.878, de 1994, é um claro reconhecimento do Governo brasileiro de que arbitrariedades e ilegalidades foram cometidas e, portanto, devem ser reparadas com a promoção do retorno ao serviço público daqueles atingidos, nas hipóteses que determina.
A Lei de Anistia traz comando específico aos regidos pela CLT quando discorre sobre os critérios de elegibilidade para incidência da norma - inciso II do art. 1º.
Assim, restando comprovada a violação do texto constitucional, da legislação trabalhista, dos acordos coletivos, das convenções coletivas ou das sentenças normativas aplicáveis ao caso concreto e o preenchimento dos demais requisitos previstos na Lei nº 8.878, de 1994, deve o empregado público afastado ser considerado elegível para fins da anistia.
Se ainda é cabível uma síntese da equação jurídica posta neste momento a desafiar a melhor interpretação, diria que a necessidade de motivação dos atos de afastamentos dos empregados públicos de empresas públicas e sociedades de economia mista teria a negá-la a regra contida no inciso II do § 1º do art. 173 da CF, que afirma que a empresa pública, a sociedade de economia mista e suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços submeter-se-ão, nos termos da lei, ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações trabalhistas.
Esse é o argumento esgrimido por aqueles que vêem no dispositivo constitucional em tela instrumento de equiparação absoluta entre empresas privadas e empresas estatais.
Esse seria o fundamento a justificar que, como as empresas privadas não possuem cabrestos à demissão imotivada e sem justa causa, não seria isonômico que as estatais os possuíssem. Seria uma restrição à competitividade das estatais.
Perceba-se, inicialmente, que sequer foi publicada a lei que estabelecerá o estatuto jurídico das estatais de que trata o § 1º do art. 173.
Nada impede que, na forma da lei, a submissão das estatais ao regime jurídico das empresas privadas seja mitigado, em face da impossibilidade de se lograr uma equiparação absoluta como pretendido. Algo há que as assemelha, mas muito mais o que as diferencia.
O caput do art. 173 já é em si, um elemento de diferenciação essencial. Somente quando presentes os imperativos de segurança nacional ou relevante interesse público poderão as estatais explorar diretamente atividade econômica. Tal restrição não se aplica, por óbvio, às empresas privadas.
Quanto à sua origem, somente por lei específica poderá ser autorizada a instituição de empresa pública ou de sociedade de economia mista. Vale dizer, somente a iniciativa do Poder Executivo e a chancela do Poder Legislativo podem dar ensejo ao surgimento das estatais, restrições gravíssimas que não se aplicam às empresas privadas, por força do contido no inciso XIX do art. 37 da CF.
Da mesma forma, a criação de subsidiárias ou a participação delas em empresas privadas dependem da autorização do Congresso Nacional, quando nas empresas privadas essa questão resolve-se em atos de gestão.
Os empregados públicos das estatais estão submetidos à proibição de acumular cargos e empregos públicos, ex vi do inciso XVII do art. 37 da CF, o que de resto não se aplica aos empregados das empresas privadas.
O acesso aos empregos públicos nas empresas estatais somente se efetiva por intermédio do concurso público (art. 37, II da CF), o que não é exigido para as empresas privadas.
As estatais submetem-se às normas de licitação (art. 37, XXI c/c art. 173, § 1º, III), ainda que sejam normas simplificadas constantes de regulamentos próprios (art.119 da Lei nº 8.666, de 1993), restrição que não se aplica às empresas privadas.
As estatais, caso sejam consideradas dependentes, ou seja, recebam recursos do ente controlador para pagamento de despesas com pessoal, ou de custeio em geral ou de capital (inciso III do art. 2º da Lei Complementar nº 101, de 2000), submetem-se, por força da alínea "b", do inciso I, do § 3º, do art. 1º da Lei Complementar nº 101, de 2000, às graves limitações impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal, o que, também, não se aplica às empresas privadas.
Submetem-se, ainda, nos casos tratados no item anterior, ao limite de remuneração de que trata o inciso XI do art. 37, por força do § 9º do mesmo artigo do texto constitucional.
Há, pois, um sem-número de restrições, limitações e imposições vivenciadas pelas estatais que não se aplicam às empresas privadas.
Chega a soar artificial a pretensão de que a equiparação entre elas seja absoluta, e mais, utilizar esse tipo de argumento a sustentar a possibilidade de demissão imotivada e sem justa causa nas estatais.
De um lado, porque o texto constitucional não permite, como visto, que a relação de emprego, mesmo nas empresas privadas, seja desprotegida contra a despedida arbitrária, por força da interpretação que se deve conferir ao inciso I do art. 7º da Constituição Federal, direito social fundamental que é.
De outro, apenas a título de argumentação, ainda que se lograsse compreender a relação de emprego como absolutamente desprotegida para o setor privado e assim justificar a despedida sem justa causa, tal regra não poderia se aplicar as estatais.
São inúmeras e graves as limitações e restrições impostas às estatais que o recurso ao inciso II do § 1º do art. 173 da CF torna-se incapaz de equipará-las, de forma plena, às empresas privadas, no que concerne às obrigações trabalhistas.
Assim, a necessidade de motivação das despedidas nas estatais é muito mais consentânea com o seu regime jurídico, cujo vértice encontra-se nos princípios estatuídos no caput do art. 37, do que a adoção pura e simples do disposto na legislação trabalhista.
Torna-se imperioso que, em face da amplitude das normas abarcadas pelos incisos I e II do art. 1º da Lei de Anistia, a CEI seja permanentemente assessorada, tanto na instrução dos processos como na deliberação, por especialistas em Direito Constitucional, Administrativo e do Trabalho.
Somente o assessoramento especializado terá o condão de identificar se os afastamentos violaram a Constituição, as leis e ainda, no caso dos empregados regidos pela CLT, as convenções coletivas, os acordos coletivos e as sentenças normativas da Justiça do Trabalho.
Trata-se de medida gerencial de simples implementação que poderá gerar benefícios significativos na identificação e análise das situações individuais que estejam incursas nas hipóteses legais de concessão de anistia.
Prosseguindo na apreciação detalhada de todos os dispositivos, chega-se ao inciso III do art. 1º da Lei de Anistia:
Art. 1º
...........
III - exonerados, demitidos ou dispensados por motivação política, devidamente caracterizado, ou por interrupção de atividade profissional em decorrência de movimentação grevista.
Trata-se de dispositivo que ainda carrega algumas dúvidas quanto à fixação de sua melhor interpretação.
Argumenta-se que as exonerações, demissões e dispensas de servidores ou empregados em face da "reforma administrativa" implementada durante o Governo Collor, no período estabelecido no caput do art. 1º, poderiam ser consideradas, todas, sem exceção, como decorrência de motivação política.
Lembro da contextualização histórico-política feita na parte introdutória desse parecer. Penso ser desnecessário reproduzi-la.
A autonomia de todos os entes federados, plasmada no caput do art. 18 da CF, possui como corolário a prerrogativa de auto-organização.
Parece-me inquestionável a competência do Chefe do Poder Executivo Federal de dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal, com ou sem criação de órgãos e cargos, pela via legislativa ou administrativa, consoante o disposto no arts. 61, § 1º, 84, II e VI, 87 e 88, todos da Constituição Federal, consoante pacífica jurisprudência do STJ (cf. MS nº 8.545, 8.591, 8.954) e do STF (cf. MS 22.717).
As políticas de reforma do aparelho do Estado são recorrentes nas histórias administrativas de todos os países e é saudável que assim o seja.
A "máquina estatal" deve ser compatível e adequada à implementação das políticas públicas desenhadas a partir das propostas e promessas formuladas ainda na campanha eleitoral.
Importante trazer à baila previsão quanto à matéria contida no Decreto-Lei nº 200, de 1967, em vigor e importante referência nas questões relacionadas à organização da administração federal.
Seu art. 178 estabelece, litteris:
Art. 178. As autarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, integrantes da Administração Federal Indireta, bem assim as fundações criadas pela União ou mantidas com recursos federais, sob supervisão ministerial, e as demais sociedades sob o controle direto ou indireto da União, que acusem a ocorrência de prejuízos, estejam inativas, desenvolvam atividades já atendidas satisfatoriamente pela iniciativa privada ou não previstas no objeto social, poderão ser dissolvidas ou incorporadas a outras entidades, a critério e por ato do Poder Executivo, resguardados os direitos assegurados, aos eventuais acionistas minoritários, nas leis e atos constitutivos de cada entidade.
Verifica-se, então, que não é estranha à legislação brasileira a preocupação em prever mecanismos de adequação do aparelho de Estado às necessidades e concepções de um dado Governo.
A nenhum Chefe do Poder Executivo pode ser, legítima e constitucionalmente, negada tal prerrogativa.
Em outras palavras, penso não haver nada de inconstitucional, ilegal, irregular ou violador de direitos, conceitualmente falando, na criação, extinção ou transformação de órgãos ou entidades da administração pública.
O art. 37 da Lei nº 8.112, de 1990, por seu turno, ao dispor sobre o instituto da redistribuição, prevê expressamente, em seus §§ 1º e 3º, as hipóteses de reordenamento da máquina administrativa como fenômeno natural na administração pública.
Faz mais o citado dispositivo, traz o roteiro a ser seguido no caso de a reorganização da máquina administrativa gerar como conseqüência a extinção de cargos dos servidores estáveis, roteiro, aliás, que deve ser analisado pela Comissão Especial Interministerial - CEI, incumbida da análise dos casos de anistia.
Eis o inteiro teor do dispositivo:
Art. 37. Redistribuição é o deslocamento de cargo de provimento efetivo, ocupado ou vago no âmbito do quadro geral de pessoal, para outro órgão ou entidade do mesmo Poder, com prévia apreciação do órgão central do SIPEC, observados os seguintes preceitos:
I - interesse da administração;
II - equivalência de vencimentos;
III - manutenção da essência das atribuições do cargo;
IV - vinculação entre os graus de responsabilidade e complexidade das atividades;
V - mesmo nível de escolaridade, especialidade ou habilitação profissional;
VI - compatibilidade entre as atribuições do cargo e as finalidades institucionais do órgão ou entidade.
§1o A redistribuição ocorrerá ex officio para ajustamento de lotação e da força de trabalho às necessidades dos serviços, inclusive nos casos de reorganização, extinção ou criação de órgão ou entidade.
§2o A redistribuição de cargos efetivos vagos se dará mediante ato conjunto entre o órgão central do SIPEC e os órgãos e entidades da Administração Pública Federal envolvidos.
§3o Nos casos de reorganização ou extinção de órgão ou entidade, extinto o cargo ou declarada sua desnecessidade no órgão ou entidade, o servidor estável que não for redistribuído será colocado em disponibilidade, até seu aproveitamento na forma dos arts. 30 e 31.
§4o O servidor que não for redistribuído ou colocado em disponibilidade poderá ser mantido sob responsabilidade do órgão central do SIPEC, e ter exercício provisório, em outro órgão ou entidade, até seu adequado aproveitamento.
Trata-se de expressa disposição legal que demonstra a familiaridade da legislação administrativa pátria com o tema da reforma administrativa e suas conseqüências.
A compreensão de que afastamentos decorrentes de "reforma administrativa" não caracterizam "motivação política", também se depreende do seguinte excerto do voto do Ministro Ilmar Galvão, relator do Recurso Ordinário no Mandado de Segurança nº 22.717/DF, julgado em 06.05.97, e publicado no DJ de 13.06.97, às fls. 565:
É fora de dúvida que a expressão "motivação política" não pode compreender razões de conveniência da Administração na extinção de órgãos ou entes integrantes da máquina administrativa, objetivando a sua racionalização e "enxugamento", ou, mesmo a redução de despesas, sem o mínimo caráter de punição ou de revanche. (grifei)
Interessante destacar a parte final do trecho do voto do relator que permite constatar, a contrario sensu, que, no caso de as supostas razões de conveniência da administração estarem tisnadas por revanchismo ou espírito de punição, caracterizado estaria o desvio de poder que, em tese, daria ensejo à incidência da anistia de que trata a Lei nº 8.878, de 1994.
Nessa última hipótese, em que se demonstre que determinada medida integrante de política de reforma administrativa - ou qualquer outra denominação que se empreste à iniciativa de determinado Governo em readequar sua organização e funcionamento - foi adotada com fim diverso do declarado, apenas para gerar prejuízo a um ou mais servidores ou empregados, caracterizando o desvio de poder, que deve ser objeto de prova de quem o alegar, poder-se-ia demonstrar a motivação política de que trata o inciso III do art. 1º da Lei.
Destaco a existência de tese que sustenta haver, nesse dispositivo que trata da motivação política, fundamento suficiente a tipificar todos os atos da reforma administrativa do Governo Collor que geraram demissões e exonerações de servidores e empregados públicos no período assinalado na Lei.
Não parece ser a interpretação mais consentânea com o texto constitucional.
Penso ser desnecessário tentar elastecer o conceito de motivação política já que a lei contempla, de forma genérica, como requisito de elegibilidade, qualquer violação ao texto da Constituição, das leis, e no caso dos empregados das estatais, dos acordos e convenções coletivas, bem como das sentenças normativas da Justiça do Trabalho.
Não é razoável tentar ampliar a interpretação do inciso III do art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994, para abranger as hipóteses de redesenho da máquina administrativa do Estado.
A Constituição Federal atribui ao Chefe do Poder Executivo ampla autonomia para organizar, estruturar e disciplinar o funcionamento da administração pública de acordo com seu programa de governo e concepção de Estado e sociedade, seja por Decreto, quando não há criação de órgãos ou cargos, seja por projeto de lei ou medida provisória de sua iniciativa privativa, consoante o disposto nos art.61, II, "a" e 84, VI, "a" da Constituição Federal.
Não há de ser tão extensiva a interpretação a ponto de contemplar essas hipóteses de extinção, fusão ou incorporação de órgãos e entidades públicas.
De outra coisa estar-se-á falando, caso se comprove o alegado, se dada extinção, fusão ou incorporação teve a finalidade de atingir de forma reflexa e dezarrazoada determinado grupo de servidores ou empregados públicos, fora das balizas legais.
Caracterizada estaria assim hipótese de desvio de poder, passível de impugnação e anulação por violação dos cânones constitucionais que dizem respeito ao funcionamento da administração pública.
Segundo Hely Lopes Meirelles, eis o conceito de desvio de finalidade ou de poder:
O desvio de finalidade ou de poder verifica-se quando a autoridade, embora atuando nos limites de sua competência, pratica o ato por motivos ou com fins diversos dos objetivados pela lei ou exigidos pelo interesse público. O desvio de finalidade ou de poder é, assim, a violação ideológica da lei, ou, por outras palavras, a violação moral da lei, colimando o administrador público fins não queridos pelo legislador, ou utilizando motivos e meios imorais para a prática de um ato administrativo aparentemente legal.
Em síntese, penso que as exonerações ou dispensas decorrentes desse movimento de acomodação de estruturas administrativas não dariam, em tese, ensejo à anistia de que cuida esta Lei, evidenciado, logicamente, como afirmado alhures, que o rearranjo da máquina pública não tenha sido implementado com violações à Constituição Federal e às leis, ou com motivação política de modo a atingir determinado servidor ou empregado, segmento ou grupo de servidores ou empregados públicos.
Passa-se, então, ainda no âmbito do art. 1º da Lei, a analisar seu parágrafo único, que assim dispõe:
Art. 1º ....
Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se, exclusivamente, ao servidor titular de cargo de provimento efetivo ou de emprego permanente à época da exoneração, demissão ou dispensa.
A Lei só se aplica aos servidores titulares de cargo de provimento efetivo ou de emprego permanente, à época da exoneração, demissão ou dispensa. Excluem-se necessariamente do espectro desta Lei aqueles que ocupavam, à época do afastamento, cargos em comissão ou temporários.
Não se aplica aos empregados de pessoas jurídicas de direito privado que tenham sido contratadas mediante convênio, posto que tal modalidade de recrutamento não gera vínculo com a União (MS 3979 - STJ, Relator Demócrito Reinaldo, DJ 29.10.1996., p.41561).
Também não se aplica a presente Lei aos titulares de Função de Assessoramento Superior - FAS, visto que, demissíveis ad nutum, eram cargos que possuíam vínculos precários e transitórios com a administração pública (STJ, MS 8983, relator Ministro Arnaldo Esteves de Lima, julgamento 28.09.2005, DJ 07.11.2005; MS 8954, relator Ministro Hamilton Carvalhido, julgamento 28.09.2005, DJ 28.11.2005).
Há que se registrar, quanto ao tema, a manifestação da AGU nos autos do processo nº 53000.025633/2004-29, oriundo do Ministério das Comunicações que solicitava posicionamento conclusivo da AGU sobre portaria de readmissão de ex-ocupantes de funções de assessoramento superior - FAS.
Manifestou-se a CGU/AGU, por intermédio da NOTA N. AGU/GV -12/2005, de autoria do Consultor da União, Galba Veloso, que sustentava a ilegalidade e inconstitucionalidade da mencionada portaria vis-à-vis os pareceres vinculantes da Advocacia-Geral da União (GQ-44, GQ-103 e GQ-116) que fixaram entendimento sobre a impossibilidade de que ocupantes de FAS ou de cargos em comissão pudessem ser abrangidos pela Lei de Anistia, pelo fato de não ocuparem emprego permanente na administração pública, requisito exigido pelo art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994.
Nova tentativa de readmitir os ex-ocupantes de FAS foi empreendida pelo Ministério das Comunicações, no âmbito do processo 00400.2324/2005-92, argüindo-se, dessa feita a decadência para impedir a anulação da Portaria MC nº 790/94, que tinha determinado o regresso dos trabalhadores, o que foi refutado pelos Despachos de nº 157/2006 e 251/2006, do então Consultor-Geral da União, valendo-se no que exarado na Nota AGU/MS 11/2006.
Importante registrar a relevância da Nota N. AGU/MS 11/2006, exarada no âmbito dos processos nº 03626.000746/2004-96 e 00400.001062/2005-49, de autoria do então Consultor da União e atual Subprocurador-Geral Federal, Marcelo de Siqueira Freitas, que terminou por fixar entendimento no âmbito da administração pública federal a respeito da incidência do instituto da decadência previsto no art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999.
Definiu-se que o prazo decadencial começa a fluir a partir da publicação da Lei, em 1º.02.99, não possuindo efeitos retroativos.
Na tentativa de levantamento de todos os processos em tramitação na AGU relacionados à questão dos anistiados, pendentes de decisão, identificaram-se os processos de nº 00400.001821/2001-40 e 00400.001925/2001-54.
Esses processos foram motivados por consultas, respectivamente, do IPHAN e do INCRA para que fosse elucidado pela AGU se os procuradores federais alcançados pela anistia de que trata a Lei nº 8.878, de 1994 seriam submetidos à avaliação de desempenho com vistas à determinação do valor da gratificação de desempenho de atividade jurídica, que à época integrava a remuneração desses profissionais.
A discussão remuneratória perdeu relevo com a nova política que prevê remuneração em parcela única intitulada subsídio. Contudo, os fundamentos da Nota n. AGU/WM-31/2002 parecem válidos e significativos ao deslinde de questão essencial ao debate da interpretação da Lei nº 8.878, de 1994.
Na mencionada Nota, datada de 28.08.2002, e, ainda hoje pendente de apreciação superior, o douto Consultor da União à época, Dr. Wilson Teles de Macedo, ao analisar os dispositivos da Lei nº 8.878/94 que exigiam, para a incidência da norma fossem os cargos efetivos ou os empregos permanentes, asseverava:
9. Emana da literalidade dos dispositivos supra reproduzidos que foram agraciados com a anistia os ocupantes de cargos e empregos efetivos, duradouros, permanentes e seu reingresso, no serviço público federal, ocorreu só e só no cargo ou emprego ocupado na data da desvinculação do servidor ou naquele em que este foi transformado. 10. Atente-se que é usual utilizar-se a nomenclatura de cargo efetivo e emprego permanente, todavia sem atribuir-se-lhes conceitos jurídicos específicos. Os termos "efetivo" e "permanente"possuem a mesma acepção léxica e se ligam a atividades todas duradouras, com idênticos efeitos de classificação em carreiras, como se constata, exemplificativamente, dos arts. 6º do Decreto-Lei nº 1.445, de 1976; 1º da 6.861, de 1980; e 2º da Lei nº 9.030, de 1995. "efetivo. (Do lat. Effectivu). Adj....2. Permanente, estável, fixo: funcionário efetivo...".(...) A efetividade não era característica específica apenas dos cargos e dos respectivos titulares, inclusive como se vê do disposto no art. 2º da Lei nº 7.923, de 1989, que assim alude ao pessoal estatutário e trabalhista (...)15. Portanto a efetividade provém da nomeação para cargo permanente, duradouro, fixo, sem as características dos cargos e funções de confiança. Uma vez empossado no cargo o servidor é considerado efetivo. 16. Na data da promulgação da Constituição de 1988, efetivos eram os titulares de cargos assim considerados, excluídos os interinos de que trata o item IV do art. 12 da Lei nº 1.711, de 1952 (o art. 102 do Decreto-Lei nº 200, de 1967, vedou a nomeação em caráter interino, no entanto persistiram os provimentos até então efetuados), e os ocupantes de empregos permanentes, tanto que foram submetidos ao regime jurídico específico dos servidores do Estado e seus empregos foram transformados em cargos efetivos. 17. Em conclusão, tem-se: foram anistiadas apenas as pessoas que, na data de sua desvinculação da União, das autarquias e das fundações públicas federais, eram detentoras de cargos efetivos ou empregos permanentes. O retorno ocorreu na mesma qualidade de servidores efetivos, permanentes, duradouros, fixos, observada a modificação de regime jurídico efetivada pelo art. 243 da Lei nº 8.112, de 1990. 18. Esses servidores são avaliados nas mesmas condições em que o são os que não foram desvinculados de seus cargos e empregos pelos motivos elencados no art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994.
Tratando ainda do art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994 que estabelece as hipóteses em que a anistia pode ser concedida, cabe destacar que o Decreto nº 5.954, de 2006, que promoveu relevantes alterações no Decreto nº 5.115, de 2006, previu a inclusão do art. 4º-A, que fixa o entendimento do Governo sobre hipóteses de incidência da norma prevista no referido art. 1º da Lei.
Nesse dispositivo prevê-se o não restabelecimento da condição de anistiado daqueles que tiveram anistias canceladas, em face da ocorrência das seguintes hipóteses: a) afastamentos decorrentes de processos administrativos ou judiciais com trânsito em julgado; b)dispensas de cargos comissionados ou de funções de confiança; c)dispensas por justa causa; d) afastamentos decorrentes de privatização, extinção ou liquidação de órgãos ou entidades da administração pública, salvo quando tiver havido ou esteja ocorrendo absorção ou transferência de atribuições; e) adesões a programas de desligamento voluntário ou incentivado; ou f) afastamentos de entidades que não integravam a administração pública.
Vale reproduzir na íntegra o dispositivo:
. No desempenho de suas atribuições, a CEI e as Subcomissões Setoriais deverão observar o disposto no art. 1o da Lei no 8.878, de 1994, para o restabelecimento da condição de anistiado, não se admitindo as seguintes situações:
I-as exonerações e dispensas decorrentes de processos administrativos ou judiciais regularmente julgados pela autoridade administrativa ou pelo Poder Judiciário, com trânsito em julgado;
II-as dispensas ou exonerações de funções de confiança ou cargos comissionados;
III-as dispensas por justa causa;
IV-as exonerações, demissões, dispensas ou despedidas de órgãos ou entidades que tenham sido extintos, liquidados ou privatizados, salvo quando as respectivas atividades:
tenham sido transferidas, absorvidas ou executadas por outro órgão ou entidade da administração pública federal;
ou
estejam em curso de transferência ou de absorção por outro órgão ou entidade da administração pública federal;
V-as adesões a programas de desligamento voluntário ou incentivado; ou
VI-as exonerações, demissões, dispensas ou despedidas de empregados de entidades que não integravam a administração pública federal." (NR)
Não remanescem dúvidas quanto às situações dispostas nos incisos I, II, III, VI. Configurada, na análise fática, a compatibilidade com a hipótese descrita no texto da norma, afastada estará a possibilidade de reconhecimento da condição de anistiado.
Do inciso IV trataremos mais adiante quando for analisado o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.878, de 1994.
Importa registrar, porque não foi tratada ainda neste parecer, a hipótese de adesão aos programas de demissão voluntária ou incentivada, inciso V do art. 4º-A, do Decreto nº 5.115, de 2004, inserido pelo art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006.
Como o próprio nome do programa diz, a demissão tem que ser voluntária, vale dizer, há de ter surgido da livre manifestação de vontade do servidor ou empregado em aderir ao referido programa, obedecidos os requisitos e critérios de elegibilidade e a aceitação da administração pública, em nome do interesse público.
No máximo, o órgão ou entidade pode ter estimulado tal decisão pelo oferecimento de vantagens, benefícios e incentivos aos servidores ou empregados.
Todavia, esses estímulos não podem desnaturar ou viciar a livre decisão do servidor, em que, ponderando vantagens e desvantagens, custos e oportunidades, decida-se pelo afastamento do serviço público.
Se for caracterizada qualquer violação à livre manifestação de vontade do servidor ou empregado - o que deve ser demonstrado por quem alega - em aderir a programas de tal natureza, evidentemente resulta afastada a vedação de que trata o art. 4º - A, inciso V, do Decreto nº 5.115, de 2004, inserido pelo art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006.
Segue-se o caput do art. 2º da Lei de Anistia, verbis:
Art. 2° O retorno ao serviço dar-se-á, exclusivamente, no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou, quando for o caso, naquele resultante da respectiva transformação e restringe-se aos que formulem requerimento fundamentado e acompanhado da documentação pertinente no prazo improrrogável de sessenta dias, contado da instalação da comissão a que se refere o art. 5°, assegurando-se prioridade de análise aos que já tenham encaminhado documentação à Comissão Especial constituída pelo .
A norma pode ser bipartida.
Na primeira parte, cuida de aspectos substantivos da matéria. Fixa um dos critérios centrais da Lei de que o retorno ao serviço dar-se-á no cargo anteriormente ocupado.
Na segunda parte, trata de aspectos adjetivos, procedimentais, que escapam, neste momento, ao foco da análise que se empreende.
Retorne-se, pois, à primeira parte do dispositivo, em que trata do retorno do anistiado ao mesmo cargo ou emprego que ocupava antes do afastamento.
Essa hipótese é a de mais fácil análise pelo intérprete. Um determinado servidor ou empregado ocupava um dado cargo ou emprego.
Afastado e posteriormente anistiado retorna ao mesmo órgão ou à mesma entidade para ocupar o mesmo cargo ou emprego que ainda subsiste na estrutura institucional.
Não resta dúvida que o retorno deve ocorrer na mesma classe, nível ou padrão em que se encontrava quando do afastamento.
Lembre-se que o espírito da lei é recompor uma situação fático-jurídica interrompida por ato arbitrário, ilegal ou inconstitucional do gestor público.
Não cuida a norma de promover um primeiro provimento do cargo. Busca-se apagar o período que medeia entre o afastamento e o retorno.
Sendo retorno, razoável é que se determine a volta ao exato estágio profissional em que se encontrava o empregado ou servidor.
Começam os problemas do intérprete quando o cargo ou emprego anteriormente ocupado no mesmo órgão ou entidade tiver sido transformado.
No retorno a cargo ou emprego transformado, deve haver correspondência de atribuições, de grau de escolaridade exigido e de habilidades específicas (MS 4108 - STJ, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 18.02.97).
No julgamento do Agravo Regimental no Mandado de Segurança nº 7.200 - DF (2000/0107854-2), no Superior Tribunal de Justiça, Relator o Ministro Francisco Peçanha Martins, no dia 22.09.2004, ficou assentado que o retorno dar-se-ia nos cargos em que se encontravam, ou assemelhados quanto aos níveis salariais.
Também nesses casos, há que se buscar, o máximo possível, a reconstituição da situação funcional anterior.
Não seria razoável pretender, sob o argumento da transformação, que o servidor ou empregado anistiado retornasse ao serviço público no padrão inicial de remuneração do cargo que resultou da transformação do anteriormente ocupado.
Nesse sentido, a Instrução Normativa nº 12, de 06.10.1994 da Secretaria de Administração Federal - SAF, estabeleceu, verbis:
3. Os servidores que à época da demissão eram titulares de cargos ou empregos permanentes, pertencentes aos planos de classificação de cargos e empregos da Administração Pública Federal Direta, das fundações e das autarquias, retornarão ao cargo correspondente, resultante da transformação autorizada pela Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, no nível, padrão ou referência em que se encontrava, quando demitidos, nos seus respectivos quadros de pessoal.
No julgamento do REsp nº 544.026/DF, relator Ministro Arnaldo Esteves de Lima, julgado em 25.04.2006, publicado no DJ de 15.05.2006, o STJ manteve o acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, lastreado na IN nº 12, de 1994, determinava o enquadramento dos anistiados no nível equivalente em que se encontravam quando foram
demitidos.
Como a análise do retorno dos anistiados deve ser individualizada, não pode ser desconsiderada a situação funcional de cada um.
Portanto, não é lícita a promoção do retorno de todos, indistintamente, no nível inicial da carreira.
Dando continuidade à análise, passa-se ao disposto nas alíneas "a" e "b" do parágrafo único do art. 2º da Lei de Anistia:
Art. 2º...
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos exonerados, demitidos, dispensados ou despedidos dos órgãos ou entidades que tenham sido extintos liquidados ou privatizados, salvo quando as respectivas atividades:
a) tenham sido transferidas, absorvidas ou executadas por outro órgão ou entidade da administração pública federal;
b) estejam em curso de transferência ou de absorção por outro órgão ou entidade da administração pública federal, hipótese em que o retorno dar-se-á após a efetiva implementação da transferência.
O parágrafo único do art. 2º encerra dois comandos, um de natureza genérica plasmado na parte inicial e intermediária do dispositivo, qual seja: não haverá retorno ao serviço público dos anistiados, caso os órgãos ou entidades aos quais estavam vinculados tiverem sido extintos, liquidados ou privatizados.
A parte final do parágrafo único, combinado com as suas duas alíneas, contém exceção à regra geral e traduz a permissão de retorno dos anistiados desde que as atividades dos órgãos ou entidades a que pertenciam - e que tenham sido extintos, liquidados ou privatizados - tenham sido transferidas, absorvidas ou executadas por outro órgão ou entidade da administração pública federal, ou estejam em fase de absorção ou transferência.
Importante registrar que o caput do art. 2º da Lei cuida, prima facie, do retorno do servidor ou do empregado a quem foi reconhecida a condição de anistiado por incidência de alguma das hipóteses previstas no art. 1º.
Assim, várias combinações se descortinam.
Tendo havido o reconhecimento da condição de anistiado, com fulcro no art. 1º, e permanecido na estrutura da administração pública o órgão ou entidade a que pertencia o servidor ou empregado, o retorno, cumpridos os demais requisitos legais, estaria assegurado, no mesmo cargo ou emprego ou naquele decorrente de sua transformação.
De outro lado, reconhecida a condição de anistiado e tendo sido o órgão a que pertencia o servidor ou empregado público extinto, liquidado ou privatizado, sem que suas atividades tenham sido ou estejam sendo transferidas, absorvidas ou executadas por outro órgão ou entidade, não será possível, à luz do art. 2º, caput e parágrafo único, seu retorno à administração pública federal.
Hipótese diversa é aquela em que é reconhecida a condição de anistiado com base no art. 1º e o órgão a que pertencia o servidor ou empregado público tenha sido extinto, liquidado ou privatizado, porém, suas atividades foram transferidas, absorvidas ou executadas ou estão em curso de absorção e transferência para outro órgão ou entidade. Nessa situação é assegurado o retorno do anistiado.
Surge questão hermenêutica complexa quando ocorre a extinção, privatização ou liquidação de órgão ou entidade, sem que aparentemente tenha ocorrido violação à Constituição, às leis, aos acordos e convenções coletivas, ou motivação política de que tratam os incisos do art. 1º da Lei de Anistia, e as atividades dos órgãos ou entidades mencionados tenham sido transferidas, absorvidas ou executadas por outros órgãos ou entidades, ou estejam em curso de transferência ou absorção, consoante as alíneas "a" e "b" do parágrafo único do art. 2º.
Indaga-se: é possível, nessa hipótese, reconhecer a condição de anistiado e promover o retorno nos órgãos ou entidades que absorveram as atribuições?
Essa questão só pode ser resolvida a partir do recurso à interpretação sistêmica e à busca do objetivo final da lei.
Sustentou-se neste parecer que a reforma do aparelho de Estado decorre da prerrogativa do Chefe do Poder Executivo de dispor sobre a organização e funcionamento da administração pública.
Esse é o principal fundamento utilizado para contestar a tese de que todos os afastamentos ocorridos na época do Governo Collor tiveram motivação política.
Ao Chefe do Poder Executivo, argumentou-se, é lícito extinguir, privatizar e liquidar órgãos ou entidades, de acordo com sua concepção de Estado e sociedade, salvo se houver comprovado desvio de poder.
Ora, como justificar afastamentos - ainda que não tenha havido violações à Constituição, às leis e aos acordos e convenções de trabalho - se as atribuições dos órgãos ou entidades extintos, liquidados ou privatizados foram ou estão sendo transferidos, absorvidos ou executados por outros órgãos ou entidades?
Como sustentar exonerações e dispensas se as atividades desempenhadas pelos órgãos extintos continuam sendo essenciais ao Governo, visto que transferidas ou executadas por outros órgãos e entidades?
Não há como afastar o entendimento de que permanecendo o desempenho das atividades no âmbito do Estado, ainda que exercidas por outros órgãos ou entidades, necessários são os servidores e empregados que auxiliavam no desempenho dessas funções e que foram indevidamente afastados.
Indevidamente, pois o fundamento do afastamento dos servidores ou empregados tinha sido a opção do Chefe do Poder Executivo pelo não exercício daquelas atribuições e, conseqüentemente, desnecessários seriam os órgãos ou entidades que as exerciam.
Se o órgão ou entidade é eliminado, não há razão para que os servidores ou empregados permaneçam trabalhando. Eis o desenho lógico da questão. Justificados e motivados estariam os afastamentos com base na prerrogativa de auto-organização dos governos.
Quando, contudo, as atividades são preservadas e entregues a outros órgãos ou entidades, os motivos que determinaram aquela decisão esvaem-se.
Está-se, pois, no campo da teoria dos motivos determinantes, bastante conhecida no âmbito do Direito Administrativo. A propósito da menção a essa teoria, não é demasiado recorrer ao escólio de Hely Lopes Meirelles, verbis:
A teoria dos motivos determinantes funda-se na consideração de que os atos administrativos, quando tiverem sua prática motivada, ficam vinculados aos motivos expostos, para todos os efeitos jurídicos. Tais motivos é que determinam e justificam a realização do ato, e, por isso mesmo, deve haver perfeita correspondência entre eles e a realidade. Mesmo os atos discricionários, se forem motivados, ficam vinculados a esses motivos como causa determinante de seu cometimento e se sujeitam ao confronto da existência e legitimidade dos motivos indicados.
Havendo desconformidade entre os motivos determinantes e a realidade, o ato é inválido.
O abandono dos motivos que determinaram a prática de atos administrativos, ainda que no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista, caracteriza violação ao texto da Constituição Federal e da legislação que rege a atuação da administração pública.
O caput do art. 37 da Constituição Federal estabelece, verbis:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (grifei)
Não resta dúvida, pela expressa dicção constitucional, que os princípios previstos no caput do art. 37 aplicam-se à administração direta e indireta.
O princípio da legalidade impõe ao administrador o expresso cumprimento do disposto na legislação e, no caso em tela, cabe trazer à luz, o previsto no caput do art. 2º da Lei nº 9.784, de 1999, que, além dos princípios estabelecidos na Carta Magna acrescenta outros, com destaque para o princípio da motivação:
Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.(grifei)
De forma específica, a Lei nº 9.784, de 1999, impõe a obediência ao princípio da motivação quando direitos ou interesses forem afetados, como é o caso em tela, verbis:
Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos, quando:
I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses;(grifei)
Lembre-se que, de acordo com o disposto no art. 1º da Lei nº 9.784, de 1999, suas normas aplicam-se aos processos administrativos no âmbito da administração federal direta e indireta.
O descumprimento dessa determinação legal pode caracterizar, inclusive, a prática de ato de improbidade, apurável no âmbito da administração direta e indireta, ex vi do disposto no art. 11, caput da Lei nº 8.429, de 1992, litteris:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente (grifei)
A Lei nº 4.717, de 1965, que se aplica à União, às autarquias, às fundações, às empresas públicas e às sociedades de economia mista, já dispunha sobre a nulidade dos atos administrativos praticados sem motivação ou com desvio de poder, verbis:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
......................................
d) inexistência dos motivos;
e) desvio de finalidade.
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
d) a inexistência dos motivos se verifica quando a matéria de fato ou de direito, em que se fundamenta o ato, é materialmente inexistente ou juridicamente inadequada ao resultado obtido;
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência.
Não resta dúvida, pois, sobre a necessidade de motivação dos atos do administrador público, esteja ele na administração direta ou indireta, por expressa determinação constitucional e legal, sob pena de improbidade e de anulação do ato praticado.
Constrói-se, assim, entendimento quanto à precisa exegese do parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.878, de 1994, no sentido de que tendo havido a extinção, liquidação ou privatização de órgão ou entidade, mas as atividades desses órgãos ou entidades foram ou estão em vias de serem absorvidas, transferidas ou executadas por outros órgãos ou entidades, estará configurado o abandono dos motivos que deram ensejo aos atos de afastamento dos servidores ou empregados e caracterizada violação a dispositivos constitucionais e legais que regem a atuação da administração pública, de que tratam os incisos I e II do art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994.
Reproduzo, neste momento, trechos da NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 364/2007 - NA, de autoria da Advogada da União, Drª Neleide Abila, representante da AGU na Comissão Especial Interministerial criada pelo Decreto nº 5.115, de 2004, que corroboram o entendimento adotado neste parecer, verbis:
15. Por outro lado, a mesma norma reconhece o direito de anistia e conseqüente retorno, quando as atividades do órgão ou entidade extinto foram absorvidas, transferidas ou executadas por outro órgão ou entidade da administração pública.
16. É que o legislador se adianta ao reconhecer o vício no ato da dispensa fundamentado na extinção do órgão ou entidade, quando em verdade, as atividades continuaram sendo executadas pela administração pública.
17. O Estado em um primeiro momento declara que não quer mais atuar naquela determinada área, o que justifica a extinção do órgão ou entidade. Entretanto, continua executando as atividades por meio de outro ente da administração pública. Neste caso, o motivo alegado para a prática do ato é inválido, o que vicia o ato de dispensa, enquadrando a situação no inciso II do artigo 1º da Lei 8.878/94, possibilitando a concessão de anistia.
18. Motivo é o pressuposto de fato e de direito que serve de fundamento ao ato administrativo. A motivação elenca o conjunto dos cinco elementos básicos constitutivos da manifestação da vontade da Administração, ao lado do agente, o objeto, a forma e o fim (Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo : Atlas, 2006, pág. 220).
19. Embora haja divergências a respeito da obrigatoriedade da motivação nos atos administrativos, a boa doutrina defende ser ela necessária tanto nos atos vinculados, como nos discricionários, pois constitui garantia da legalidade.
20. Há que se esclarecer, entretanto, que, quando a Administração motiva um ato, mesmo quando a lei não exige tal motivação, a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento.
21. Sobre a "teoria dos motivos determinantes", válido recorrer ao magistério da professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
"Ainda relacionada com o motivo, há a teoria dos motivos determinantes, em consonância com a qual a validade do ato se vincula aos motivos indicados como seu fundamento, de tal modo que, se inexistentes ou falsos, implicam a sua nulidade. Por outras palavras, quando a Administração motiva o ato, mesmo que a lei não exija a motivação, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros.
Tomando-se como exemplo a exoneração ad nutum, para a qual a lei não define motivo, se a Administração praticar esse ato alegando que o fez por falta de verba e depois nomear outro funcionário para a mesma vaga, o ato será nulo por vício quanto ao motivo."(Di Pietro, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19. ed. São Paulo : Atlas, 2006, pág. 221).
22. Desta forma, se o desligamento do empregado público foi motivada pela extinção do órgão ou entidade, mas as respectivas atividades continuaram sendo executadas por outro ente da administração, necessário reconhecer o vício na motivação do ato, o que acarreta a aplicação do artigo 1º, inciso II, da Lei nº 8.878/94.
Responde-se positivamente, assim, à questão formulada anteriormente neste parecer sobre a possibilidade de reconhecer, no âmbito da Lei nº 8.878, de 1994, a condição de anistiado e promover o retorno daquele servidor ou empregado que pertencia aos quadros de órgão ou entidade extinta, privatizada ou liquidada cujas atribuições tenham sido ou estejam sendo absorvidas ou transferidas sem que se tenha identificado, a priori, violações à Constituição e às leis.
É que a absorção ou transferência de atividades descaracteriza os motivos alegados para justificar os afastamentos dos servidores ou empregados, e atos sem motivação constituem violação expressa ao texto de diversas leis que regem o funcionamento da administração pública e da própria Constituição, consoante anteriormente demonstrado.
Perceba-se que não se trata de conferir autonomia ao parágrafo único do art. 2º da Lei como nova hipótese de reconhecimento da condição de anistiado, mas, sim, de empreender análise sistêmica e finalística à Lei de Anistia.
Na análise da assimilação das atribuições do órgão ou entidade, há que se aferir se o objeto social foi transferido ou absorvido por outro órgão ou entidade.
Nesse procedimento é essencial levar em consideração a sucessão legal e a sucessão de fato para definir qual é o órgão ou entidade legitimado para receber os anistiados (MS 7.219 - STJ, DJ 11.11.2002, p. 140, Relator Ministro Luis Fux).
Veja-se, nesse sentido, trecho da decisão monocrática do Min. Cezar Peluso, relator da AC nº 1097 MC, julgada em 24.02.2006, publicada no DJ de 10.03.2006, à pág. 00055:
É caso de liminar. Nesse juízo prévio e sumário, vislumbro presentes os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora. Com efeito, é dotada de razoabilidade jurídica a alegação de que as atividades desempenhadas pela Secretaria Nacional de Cooperativismo (SENACOOP), órgão em que trabalhavam os autores à época de sua exoneração, foram absorvidas pelo Departamento Nacional de Cooperativismo (DENACOOP). A mesma lei, que pôs fim àquele primeiro órgão, criou a Secretaria Nacional de Reforma Agrária (art. 23 da Lei nº 8.028/90), cujas atividades foram regulamentadas pelo Decreto 99.244, de 10 de maio de 1990, que instituiu o DENACOOP, "com a competência de fomentar, desenvolver e articular as atividades relacionadas ao Sistema de Cooperativismo e Associativismo". Tendo havido transferência de atribuições da Secretaria extinta para outra criada, torna-se aplicável aos autores a regra da anistia prevista na Lei nº 8.878/94. É que a exceção a tal incidência, contida no art.
2º, § único, tida pelo acórdão recorrido como pertinente à espécie, deixa de incidir no caso. Veja-se: "Art. 2º (...)
Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica aos exonerados, demitidos, dispensados ou despedidos dos órgãos ou entidades que tenham sido extintos, liquidados ou privatizados, salvo quando as respectivas atividades: a)
tenham sido transferidas, absorvidas ou executadas por outro órgão ou entidade da administração pública federal".
A esse respeito, já se pronunciou o Tribunal: "A teor do disposto no artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 11 de maio de 1993, a extensão do benefício da anistia, aos servidores e empregados de órgãos extintos, liquidados ou privatizados, ficou jungida à transferência ou absorção da atividade desenvolvida por outro órgão da Administração Pública Federal" (RMS nº 23.145, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 05.02.99; RMS nº 22.822, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 28.08.1998; RMS nº 22.807, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 07.08.1998; RMS nº 22.838, Rel.
Min. MARCO AURÉLIO, DJ de 07.08.1998).
Elemento essencial à análise da transferência ou absorção das atividades, como visto, é a previsão legal ou regulamentar, por estar-se tratando de competências de órgãos ou entidades da administração.
Poder-se-ia questionar se a previsão da expressão "executadas" na alínea "a" do parágrafo único do art. 2º, ao lado das expressões "transferidas" e "absorvidas", poderia encerrar espécie de agasalhamento de atividades que pudesse prescindir de demonstração de expressa previsão legal ou regulamentar, conforme o caso, ex vi do disposto no art. 84, VI, "a" da CF.
Na verdade, não há outra espécie de aferição possível fora da lei e dos regulamentos, ainda que a expressão "execução" da forma como posta no texto legal em análise passe a idéia errônea de possibilidade de identificação fundada em elementos meramente fáticos, simplesmente porque não há como executar algo que não esteja na esfera legal de competência do órgão ou entidade.
Praticar ato não previsto expressamente na lei ou regulamento que fixa as competências de determinado órgão caracteriza a prática de ato de improbidade, ex vi do disposto no inciso I do art. 11 da Lei nº 8.429, de 1992, verbis:
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;(grifei)
No mesmo sentido a previsão contida no art. 2º da Lei nº 4.717, de 1965, que regula a ação popular:
Art. 2º São nulos os atos lesivos ao patrimônio das entidades mencionadas no artigo anterior, nos casos de:
a) incompetência;
..............................
Parágrafo único. Para a conceituação dos casos de nulidade observar-se-ão as seguintes normas:
a) a incompetência fica caracterizada quando o ato não se incluir nas atribuições legais do agente que o praticou;(grifei)
Aspecto interessante a ser enfrentado diz respeito à hipótese prevista na alínea "b" do parágrafo único do art. 2º.
Diferentemente do que ocorre com a alínea "a", aqui ainda não está configurada a transferência ou absorção de atividades por outro órgão ou entidade da administração pública federal.
O dispositivo refere-se às atividades que "estejam em curso de transferência ou de absorção". Perceba-se que, diferentemente do disposto na alínea "a", não há menção à "execução" por outro órgão ou entidade.
O que significa, afinal, a expressão "estejam em curso de transferência ou de absorção"?
Numa primeira análise extrai-se entendimento possível de que naqueles casos em que já foram iniciados estudos, projetos, análises, diagnósticos, levantamentos preliminares, enfim, qualquer iniciativa no âmbito do Governo tendente a promover a absorção ou a transferência das competências dos órgãos extintos, privatizados ou liquidados de que trata o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.878, de 1994, para órgãos ou entidades já existentes ou a serem criados, atrairia a incidência da regra contida na alínea "b".
A regra funciona como cláusula impeditiva de indeferimento do retorno do anistiado pelo fato de a transferência ou a absorção de atividades entre os órgãos e entidades não ter sido concluída. Contudo, o retorno somente se perfaz após a efetiva
implementação da transferência.
Há, ainda, a hipótese das atribuições de um determinado órgão ou entidade serem absorvidas por mais de um órgão ou entidade.
Teria o servidor ou empregado público direito a optar em qual órgão seria reintegrado?
A resposta parece negativa, pois cabe à administração, à luz do que estatuem os arts. 2º, parágrafo único e 3º da Lei de Anistia e o art.
84, VI da Constituição Federal, dispor sobre sua organização e funcionamento. È manifestação clara da prerrogativa de auto-organização. A segunda instância da Justiça Federal já se posicionou nesse sentido (TRF 1ª Região - AMS 199834000198530, DJ 22.01.2007, p.2).
No que concerne à dimensão temporal da verificação da transferência de atividades, concluída ou em curso, de que tratam, respectivamente as alíneas "a" e "b" do parágrafo único do art. 2º da Lei de Anistia há algumas observações a serem feitas.
Imaginava-se, após a publicação da Lei nº 8.878, de 1994, que o processo de concessão de anistia seria concluído em tempo razoável e que as regras do art. 2º da Lei tinham como fundamento o arranjo institucional do Governo Itamar Franco.
Não se supunha, àquela época, que essa questão fosse se estender por cerca de treze anos, até a data de hoje, sem previsão de encerramento.
Em face dessa distorção, é possível que parte das atividades dos órgãos extintos, liquidados e privatizados pela reforma administrativa empreendida pelo Governo Collor, especialmente pela Lei nº 8.029, de 1990, e alterações posteriores, tenha sido absorvida ou esteja em vias de absorção por órgãos e entidades que hoje integram a administração pública federal do segundo governo do Exmº Sr. Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Pode ser que à época da publicação da Lei nº 8.878, de 1994, tais absorções ou transferências não se configurassem, mas, agora, sim.
Entendo ser absolutamente razoável, constitucional e legal que a análise do disposto no parágrafo único do art. 2º, alíneas "a" e "b", seja feita à luz da atual estrutura da administração federal, em face do protraimento desarrazoado no tempo de todo o processo de concessão de anistias de que cuida a Lei nº 8.878, de 1994.
É o que está previsto, inclusive, no § 1º, do Art.1º-A do Decreto nº 5.115, de 2004, acrescido pelo Art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006, que prevê a possibilidade de a regra de absorção das atribuições estar ainda em curso em face de remodelamentos da máquina do Estado.
Questão interessante a ser abordada, ainda no âmbito da absorção de atividades de que trata o parágrafo único do art. 2º da Lei, diz respeito à possibilidade de conversão de regimes - de celetista para estatutário e vice-versa - que balizam as relações do Estado com os trabalhadores do setor público, servidores ou empregados.
Quando as atividades de um órgão são absorvidas por outro órgão, não há problema, em tese, visto tratar-se do mesmo regime jurídico - o estatutário - que rege as relações com os servidores.
Da mesma forma, quando há absorção de atividades de entidade por entidade, preservado o regime - celetista - não se evidencia qualquer embaraço.
Constatada efetivamente a absorção das atividades e verificada a incidência dos demais requisitos previstos nesta Lei, é possível ser declarada a anistia e o retorno, conforme o caso, para cargos ou empregos que integrem as estruturas funcionais dos órgãos ou entidades que tenham absorvido aquelas atribuições e responsabilidades.
Surge questão jurídica de inegável relevo, quando há a "absorção transversal", vale dizer, quando um determinado órgão absorve atribuições de entidade ou quando entidade absorve atividades de órgão.
O primeiro aspecto a ser enfrentado relaciona-se à possibilidade de tal fenômeno ocorrer.
Sabe-se que os órgãos que integram a administração direta, bem como autarquias e fundações atuam em áreas típicas de Estado, sendo suas atividades balizadas por normas de direito público, com poder derrogante. Nesses órgãos, autarquias e fundações, em face das características expostas, a relação com os servidores públicos tem natureza estatutária.
Celso Antônio Bandeira de Mello assim dispôs sobre a necessidade de as ações típicas de Estado serem desempenhadas por servidores estatutários:
Finalmente, o regime normal dos servidores públicos civis teria mesmo de ser o estatutário, pois este (ao contrário do regime trabalhista) é o concebido para atender as peculiaridades de um vínculo no qual não estão em causa tão-só interesses laborais, mas onde avultam interesses públicos básicos, visto que os servidores públicos são os próprios instrumentos de atuação do Estado.
Essa exigência decorre do próprio texto constitucional, ex vi do disposto no caput do art. 39 da Constituição Federal em sua redação original, recentemente restaurada por decisão do Supremo Tribunal Federal.
Diferentemente é o caso das empresas públicas e sociedades de economia mista quando exploram diretamente atividade econômica e, portanto, regem-se por normas de direito privado, inclusive na relação com seus empregados, consoante o disposto no art. 173, caput e §1º.
Há algum impedimento ontológico, indaga-se, a que atividades antes consideradas típicas de Estado possam ser caracterizadas como atividades econômicas, o que justificaria seu exercício por entidades?
Da mesma forma, é administrativamente impossível que atividades desenvolvidas por entidades possam ser atribuídas a órgãos públicos?
A resposta parece ser negativa a ambos questionamentos.
A legislação brasileira contempla essas hipóteses de realinhamento de atribuições. O art. 178 do Decreto-Lei nº 200, de 1967, assim dispõe:
Art. 178. As autarquias, as empresas públicas e as sociedades de economia mista, integrantes da Administração Federal Indireta, bem assim as fundações criadas pela União ou mantidas com recursos federais, sob supervisão ministerial, e as demais sociedades sob o controle direto ou indireto da União, que acusem a ocorrência de prejuízos, estejam inativas, desenvolvam atividades já atendidas satisfatoriamente pela iniciativa privada ou não previstas no objeto social, poderão ser dissolvidas ou incorporadas a outras entidades, a critério e por ato do Poder Executivo, resguardados os direitos assegurados, aos eventuais acionistas minoritários, nas leis e atos constitutivos de cada entidade.
O dispositivo reproduzido anteriormente prevê a possibilidade de dissolução ou incorporação de autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, a critério do Poder Executivo.
Perceba-se, ainda, que essa possibilidade não distingue entre as entidades citadas, aquelas que desenvolvem atividades típicas de Estado, como é o caso das autarquias (art. 5º, I do DL 200/67), daquelas que desenvolvem atividades de cunho econômico, como as empresas públicas e sociedades de economia mista (art. 5º, II e III, respectivamente, do DL nº 200/67); bem como daquelas que desempenham atribuições que não exigem execução por órgão ou entidade de direito público, como é o caso das fundações públicas (art. 5º, IV do DL nº 200/67).
Não era vedado, então, como não é vedado agora, a adequação das estruturas a cargo do Chefe do Poder Executivo, que tem a prerrogativa constitucional de exercer a direção superior e de dispor sobre a organização e funcionamento da administração pública, ex vi do art. 84, incisos II e VI da CF.
Empresas públicas e sociedades de economia mista podem, também, ser prestadoras de serviços públicos e, portanto, maiores traumas não surgiriam com a absorção de suas atribuições por autarquias ou, eventualmente, por órgãos da administração direta.
Não vislumbro impedimentos de natureza constitucional, legal ou conceitual a que determinado Governo, exercendo sua prerrogativa de auto-organização decida-se, por julgar conveniente e oportuno, de forma motivada, pela alteração da natureza jurídica de órgãos para entidades e vice-versa.
Sustentou-se, anteriormente neste parecer, que a baliza para esses movimentos é a concepção de Estado de um determinado governo em um determinado momento histórico, observados, evidentemente, os limites impostos pela Constituição Federal e pelo ordenamento jurídico.
O aparato infralegal montado para regulamentar o processo de concessão das anistias trata, também, da possibilidade da "absorção transversal".
É o caso do art. 4º do Decreto nº 3.363, de 11.02.2000, que criou a Comissão Interministerial destinada a promover o reexame dos processos de anistia de que trata a Lei nº 8.878, de 1994, que dispunha sobre a necessidade de indicação de representante do órgão ou entidade à qual pertencia o requerente para auxiliar a COINTER na instrução dos processos, mesmo dela não fazendo parte formalmente.
Os §§ 1º e 2º desse mesmo art. 4º contêm regras que, de forma expressa, atestam a possibilidade de as atribuições de entidade extinta ter sido absorvida por um ou mais Ministérios. Eis os dispositivos:
Art.4o Deverá ser indicado um representante do órgão ou da entidade à qual pertencia a parte requerente, especialmente convocado para participar dos trabalhos relativos à análise dos processos de sua área de vinculação.
§1º Caso o órgão ou a entidade de que trata este artigo tenha sido extinto ou liquidado, a indicação de seu representante será efetuada pelo Ministro de Estado à qual era vinculado ou que tenha assumido legalmente suas funções.
§2º Nas situações em que as funções do órgão ou da entidade de que cuida o parágrafo anterior tenham sido desmembradas e assumidas por mais de um Ministério, a indicação do representante será efetuada pelo Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão. (grifei)
Da mesma forma a redação do § 1º do Art.1º-A do Decreto nº 5.115, de 2004, acrescido pelo Art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006, que estabelece a possibilidade de constituição de Subcomissões Setoriais da Comissão Especial Interministerial - CEI, indistintamente, nos órgãos ou entidades que tenham absorvido as funções ou atribuições de órgãos ou entidades extintos, liquidados ou privatizados.
Admitida a possibilidade de "absorção transversal" das atribuições, surge a segunda indagação de relevo: é possível definir, em lei, a conversão dos regimes jurídicos - de celetista para estatutário?
A resposta mais adequada parecer ser a positiva. Explico.
Nas hipóteses de "absorção transversal" de atribuições de empresas públicas e sociedades de economia mista por órgãos da administração direta, autarquias ou fundações far-se-ia necessária a transformação dos empregos em cargos.
Essa transformação justificar-se-ia pelo fato de a absorção de atribuições típicas e permanentes de Estado, antes desempenhadas por estatais, por órgãos da administração direta, autárquica e fundacional, pressupor o seu exercício por servidores ligados ao Estado por vínculos estatutários.
Há, no âmbito da legislação pátria, ao menos um caso em que a conversão foi determinada expressamente por lei.
É o § 1º do art. 243 da Lei nº 8.112, de 1990, que estabelece que todos os servidores regidos pela CLT, em exercício na administração direta, autárquica ou fundacional, teriam seus empregos convertidos para cargos quando da publicação da Lei.
Reproduz-se o dispositivo:
Art. 243. Ficam submetidos ao regime jurídico instituído por esta Lei, na qualidade de servidores públicos, os servidores dos Poderes da União, dos ex-Territórios, das autarquias, inclusive as em regime especial, e das fundações públicas, regidos pela Lei nº 1.711, de 28 de outubro de 1952-Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União, ou pela Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1o de maio de 1943, exceto os contratados por prazo determinado, cujos contratos não poderão ser prorrogados após o vencimento do prazo de prorrogação.
§1o Os empregos ocupados pelos servidores incluídos no regime instituído por esta Lei ficam transformados em cargos, na data de sua publicação. (grifei)
Os que se alinham à tese que inadmite a possibilidade da conversão de regimes, especialmente do regime celetista para o estatutário, sustentam que estaria sendo malferida a regra do concurso público prevista no art. 37, II da Constituição Federal.
Essa tese foi bastante desenvolvida na NOTA DECOR/AGU/AGU Nº 76/2006, de autoria da Drª Maria Margareth Veríssimo, lançada nos autos do processo nº 00400.000575/2005-32, aprovada pelo Despacho nº 1.202, de 1996, do então Consultor-Geral da União e, recentemente, na NOTA AGU/CGU/DECOR Nº 193/2007 - SFT, de autoria do Advogado da União e Coordenador-Geral do DECOR, Dr. Sérgio Tapety, exarada nos autos do presente processo, que reapreciou a NOTA DECOR/CGU/AGU 76/2006, por força do pedido de reconsideração formulado pela ANAJUR, às fls 1.
Ao analisar o caso concreto da anistia concedida judicialmente a ex-empregados da extinta EBTU e da extinta Portobrás, a NOTA AGU/CGU/DECOR Nº 193/2007 - SFT, em comento, formula importantes construções jurídicas ao deslinde das controvérsias referentes à anistia.
Inicialmente, alega que a mera extinção de órgãos e entidades não dá ensejo à anistia.
Alega, também, a impossibilidade de haver mudança de regime jurídico quando do deferimento, judicial ou administrativo das anistias. O retorno, segundo o autor da Nota, deve se dar no mesmo cargo ou emprego naquele em que foi transformado.
Sustenta que a absorção das atribuições não pode ser intuída pela Comissão Especial que analisa os pedidos de revisão, mas sim, deve estar prevista em Lei.
Afirma o autor que, nessa hipótese, o retorno do empregado público, regido pela CLT, dar-se-ia em quadro especial na administração direta.
Adota diversos e significativos argumentos para sustentar sua tese.
Em primeiro lugar, na análise dos limites objetivos da coisa julgada, no caso concreto tratado nestes autos, não se identifica a determinação de que os ex-empregados sejam anistiados para retornarem como servidores regidos pela Lei nº 8.112, de 1990.
Ainda segundo o autor, não há autorização legal para a conversão de regimes.
A regra contida no § 1º do art. 243 da Lei nº 8.112, de 1990, que objetivou dar cumprimento à norma constitucional de que trata o caput do art. 39 da Constituição Federal, aplicou-se somente àqueles empregados públicos permanentes dos quadros da administração direta, autárquica e fundacional que se encontravam em exercício quando da publicação da Lei, em dezembro de 1990.
A preservação de regimes estaria, ainda, em consonância com o caput do art. 2º da Lei nº 8.878, de 1994.
Admitir o contrário seria violar a regra do concurso público insculpida no inciso II do art. 37 da Constituição Federal.
Sustenta ainda o autor da Nota que acolher a interpretação que entende possível a conversão de regimes - para o caso de as atribuições de empresas públicas e sociedades de economia mista extintas serem absorvidas por órgãos da administração direta - significa tratar desigualmente os anistiados, na medida em que aqueles cujas atribuições das entidades extintas tenham sido absorvidas por outras entidades permaneceriam regidos pela CLT.
A transformação, segundo parâmetros postos pelo STF (ADIN nº 248/RJ, relator o Ministro Celso de Mello, DJ 08.04.94 e ADIN nº 2.713/DF, Relatora Ministra Ellen Grace, DJ 07.03.2003) somente pode ocorrer quando houver identidade de regimes jurídicos - o que de plano eliminaria a possibilidade de conversão da CLT para o regime estatutário -, a identidade substancial entre os cargos ou entre empregos públicos e a compatibilidade funcional e remuneratória.
Assim, a única hipótese juridicamente possível para o caso seria a instituição de quadro ou tabela especial no órgão da administração direta ao qual os anistiados estariam subordinados funcionalmente, em que permaneceriam regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho, a despeito do comando inserto no caput do art. 39 da Constituição Federal, por tratar-se de cumprimento de decisão judicial.
Reproduz trechos da NOTA AGU/CGU/DECOR Nº 76/2006 - MMV, em que as conclusões contidas na Orientação Normativa SRH/MP nº 01, de 14 de março de 2002, em sentido contrário - admitindo a conversão - são refutadas.
Alega a Nota 76/2006 referida que a Lei nº 8.029, de 1990, que promoveu a extinção dos órgãos não fez qualquer alusão à transferência de pessoal.
Retornando à NOTA nº 193/2007, a mesma afirma não ser possível conferir interpretação retroativa da Lei nº 8.878, de 1994, ao momento da ruptura dos contratos de trabalho para fazer incidir a regra do art. 243, § 1º da Lei nº 8.112, de 1990.
Para ratificar seu entendimento, alega a redação expressa do parágrafo único do art. 2º do Decreto nº 6.077, de 10.04.2007.
Trata-se de clara tentativa de pacificar a questão no âmbito da administração pública federal, em que se determina que o retorno do anistiado dar-se-ia sob o mesmo regime a que estava submetido à época do afastamento, verbis:
Art. 2º O retorno do servidor ou empregado dar-se-á exclusivamente no cargo ou emprego anteriormente ocupado.
Parágrafo único. Será mantido o regime jurídico a que o anistiado estava submetido à época da exoneração, demissão ou dispensa.
Coerente com os argumentos expendidos, conclui o autor da NOTA nº 193/2007, pela necessidade de alteração do item 9, V, "a" da Orientação Normativa SRH/MP nº 01, de 2002 pela SRH do MPOG, consoante já havia assinalado a NOTA DECOR nº 76/2006-MMV, que previa a possibilidade de conversão do regime celetista para estatutário.
Será necessário, também, retificar os atos administrativos que concederam anistias com base no entendimento de que era possível a conversão de regimes.
No que concerne ao pleito específico dos presentes autos de que aos anistiados, bacharéis em Direito sejam aplicadas as regras de transposição de que tratam o art. 19-A da Lei nº 9.028, de 1995, a Nota nº 193/2007 nega tal possibilidade, já os mesmos não são ocupantes de cargos efetivos.
Tampouco lhes seria aplicada a regra do art. 46 da MP nº 2.229-43, de 2001, visto que o Quadro Suplementar de que trata essa norma é composto por cargos efetivos.
Ressalta o caso excepcional da servidora Maria Lenita Lopes de Andrade que obteve, por intermédio de decisão judicial ainda não transitada em julgado, o retorno como anistiada para cargo regido pela Lei nº 8.112, de 1990, enquanto essa decisão não for revertida.
Entendo, Sr. Advogado-Geral da União, não haver condições objetivas de avançar, no atual momento, no âmbito administrativo, com a tese que admite a possibilidade de conversão de regimes, especialmente do celetista para o estatuário, quando há a "absorção transversal" de atribuições de que trata o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.878, de 1994.
Pálida e inconsistente é a jurisprudência encontrada que cuida da questão. Da mesma forma, não há registros doutrinários com densidade suficiente a albergar o aprofundamento dessa linha de entendimento, assim como escassas ou indiretas são as referências legais.
Nesse sentido, resigno-me em acolher a jurisprudência e a orientação doutrinária predominantes que apontam para a impossibilidade de conversão de regimes.
Assim, havendo a absorção ou transferência de atividades antes desempenhadas por entidades por órgãos, autarquias ou fundações, prudente é que se adote o entendimento de que os empregados que eram regidos pela CLT nas entidades que foram extintas, liquidadas ou privatizadas, integrarão, como celetistas, quadro especial em extinção, a despeito da previsão expressa do caput do art. 39 da CF.
Dessa forma, todas as conseqüências decorrentes desse posicionamento, indicadas acima, devem ser implementadas.
Ponderadas as normas constitucionais de regência, a balança pende, neste momento, para a norma inserta no inciso II do art. 37, que pugna pelo concurso público como único mecanismo de provimento dos cargos públicos, ainda que o Supremo Tribunal Federal admita em pacífica jurisprudência, postos determinados limites, o provimento decorrente de transformação de cargos.
Cito pequeno excerto da obra de Hely Lopes Meirelles que corrobora o afirmado, contudo, restrito ao âmbito do mesmo regime jurídico estatutário:
A transformação de cargos, funções ou empregos do Executivo é admissível desde que realizada por lei de sua iniciativa. Pela transformação extinguem-se os cargos anteriores e se criam os novos, que serão providos por concurso ou por simples enquadramento dos servidores já integrantes da Administração, mediante apostila de seus títulos de nomeação. Assim, a investidura nos novos cargos poderá ser originária (para os estranhos ao serviço público) ou derivada (para os servidores que forem enquadrados) desde que preencham os requisitos da lei. Também podem ser transformados funções em cargos, observados o procedimento legal e a investidura originária ou derivada, na forma da lei. Todavia, se a transformação "implicar em alteração do título e das atribuições do cargo, configura novo provimento", que exige concurso público (STF, Pleno, ADIn 266-0-RJ, DJU, 06.08.93).(grifei)
Analisa-se, a seguir, o caput do art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994:
Art. 3° Observado o disposto nesta lei e de acordo com as necessidades e disponibilidades orçamentárias e financeiras da Administração, o Poder Executivo deferirá o retorno ao serviço dos servidores ou empregados despedidos arbitrariamente no período a que se refere o art. 1°.
Além de serem preenchidos os requisitos estabelecidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.878, de 1994, hão de ser aferidas, ainda, por força do disposto no art. 3º do mesmo diploma legal, a necessidade e as disponibilidades financeiras e orçamentárias do Poder Executivo.
Imperioso registrar que após a publicação da Lei nº 8.878, de 1994, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 19, de 1998, bem como publicada a Lei Complementar nº 101, de 2000, que "Estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências", denominada popularmente de Lei de Responsabilidade Fiscal, em cumprimento ao disposto no art. 163 da Constituição Federal.
A Emenda Constitucional nº 19, de 1998, promoveu significativas alterações no capítulo referente à Administração Pública e naquele que trata das finanças públicas, mais precisamente na seção referente aos orçamentos.
Das alterações efetivadas destaca-se a redação conferida ao art. 169 que impõe a submissão dos gastos com pessoal aos limites fixados em lei complementar, no caso, a Lei de Responsabilidade Fiscal publicada dois anos depois.
O § 1º do art. 169 da CF estabelece que a concessão de qualquer vantagem ou aumento, a criação de cargos e a contratação de pessoal a qualquer título pelos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta, só poderão ser feitas se houver prévia dotação orçamentária e autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, Lei Complementar nº 101, de 2000, por seu turno, fixou, em seu art. 19, os limites previstos no caput do art. 169 da CF.
Seu art. 21 dispõe ser nulo de pleno direito o ato que provoque aumento de despesa com pessoal e não atenda as exigências dos arts.
16 e 17 da mesma LRF que exigem a estimativa do impacto orçamentário no exercício que entrar em vigor e nos dois subseqüentes do ato que acarrete aumento de despesa, além de adequação à lei orçamentária, à lei de diretrizes orçamentárias e ao plano plurianual, além da necessidade de ser demonstrada a origem dos recursos para seu custeio.
Na criação dessa despesa permanente com pessoal deve ser demonstrado que a mesma não afetará as metas fiscais, e que será compensada com o aumento permanente de receita ou com a redução permanente de despesa.
Exatamente em função da alteração do cenário constitucional e infraconstitucional referente às finanças públicas é que a exigência prevista no art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994 - de aferição orçamentária e financeira do retorno ao serviço público dos servidores e empregados anistiados - teve que ser adequada.
Veja-se, nesse sentido, as disposições do art. 4º do Decreto nº 5.954, de 2006, e inciso IV do art. 3º do Decreto nº 6.077, de 2007.
Regra importante a ser analisada é a contida no § 2º do art. 3º do Decreto nº 6.077, de 2007, que estabelece que o retorno ao serviço do anistiado dar-se-á independentemente de vaga para o cargo ou emprego.
A matéria foi tratada no âmbito da AGU nos autos do processo nº 00400.000749/2007-29, em que foi exarada a NOTA DECOR/CGU/AGU Nº 151/2007 - HMB E PGO, subscrita conjuntamente pelas Advogadas da União, Drª Helia Maria Bettero e Drª Priscila Gonçalves de Oliveira.
Nessa Nota alega-se a violação do art. 37, I e XIX da Constituição Federal que exige, respectivamente, a previsão de cargo e emprego público em lei, bem como dos arts. 2º e 3º da Lei nº 8.112, de 1990.
Não me parece a perspectiva adequada. Na verdade, a Lei nº 8.878, de 1994, dispõe em seu art. 2º que o retorno dar-se-á exclusivamente no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou naquele resultante da respectiva transformação. É a regra geral.
Está-se tratando do retorno do anistiado ao cargo que constitucional e legalmente ocupava no órgão ou entidade até seu afastamento arbitrário e não de um primeiro provimento de cargo ou emprego público.
No caso de extinção, liquidação ou privatização do órgão ou entidade sem absorção das atribuições, não há falar de retorno, e aí se torna desnecessária a discussão sobre existência de vaga.
No caso de absorção das atribuições de órgão ou entidade extinta de que trata o parágrafo único do art. 2º da Lei de Anistia, em que não há a equivalência direta cargo/emprego - anistiado, a discussão sobre vagas deve ser decorrência da análise dos requisitos de necessidade e disponibilidades orçamentárias e financeiras, de que trata o art. 3º da Lei.
É nesse espectro que a existência de vaga deve ser analisada.
Não há que se olvidar, ainda, da regra inserta no art. 4º da Lei de Anistia, que dispõe sobre o abatimento das vagas a serem ofertadas nos próximos concursos a serem promovidos pelo órgão ou entidade ao qual o anistiado retorne daquelas providas pela aplicação da Lei de Anistia.
A regra referente à existência de vaga deve ser interpretada em conjunto, também, com o disposto no caput do art. 5º do Decreto nº 6.077, de 2007, que possibilita ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no exercício de prerrogativa fixada em Lei
- § 7º do art. 93 da Lei nº 8.112, de 1990 - compor força de trabalho para atuar nas hipóteses descritas nos incisos do art. 5º, determinando a lotação ou exercício de empregado ou servidor em outro órgão ou entidade, independentemente de cargo em comissão ou função de confiança.
Cuida-se, agora, do parágrafo único do art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994, estabelece:
Art. 3º...
Parágrafo único. Na hipótese prevista no caput, será assegurada prioridade de retorno ao serviço aos que:
I - estejam comprovadamente desempregados na data da publicação desta lei;
II - embora empregados, percebam, na data da publicação desta lei, remuneração de até cinco salários mínimos.
Esse dispositivo fixa critérios de priorização do retorno do servidor afastado arbitrariamente.
Leva em consideração, de forma expressa, a condição econômica do servidor ou empregado afastado ao privilegiar o retorno daquele que estivesse, na data da publicação da Lei, desempregado ou que, mesmo empregado, percebesse salário inferior a cinco salários mínimos.
O termo para verificação da situação econômica do servidor ou empregado era a data da publicação da lei, momento em que, esperava-se, seriam revertidas as ilegalidades e arbitrariedades cometidas contra os afastados.
Contudo, como já tivemos a oportunidade de afirmar, esse processo se alongou excessiva e indevidamente e hoje, passados cerca de dezessete anos dos afastamentos, o processo ainda se encontra inconcluso para milhares de interessados.
Não parece razoável pretender que a data da publicação da Lei, 12.05.94, passados treze anos, siga sendo a referência para aferir a condição sócio-econômica do afastado.
A Exposição de Motivos Conjunta nº 135 MF/SAF/SEPLAN/PR, de 12.04.94, que submetia ao Sr. Presidente da República o projeto da Medida Provisória nº 473, de 1994, em seu item 4 confirma o aqui alegado:
4. A anistia na forma proposta será atendida observadas as necessidades e disponibilidades orçamentárias e financeiras da Administração e, ainda, o caráter social de forma a priorizar aqueles servidores que, preenchidos os requisitos, estejam, comprovadamente, desempregados ou que, embora empregados, percebam remuneração de até cinco salários mínimos.
Trata-se, indubitavelmente, de condição a ser aferida quando da concessão da anistia, após a checagem dos requisitos legais, para definir a prioridade no retorno.
Há, pois, clara associação entre a condição sócio-econômica e o momento do retorno, sendo indispensável que aquela seja contemporânea desse.
Quem estava empregado à época da publicação da Lei, hoje pode estar desempregado; quem estava desempregado pode estar empregado e quem recebia menos de cinco salários-mínimos pode, hoje, estar recebendo mais.
A norma deve ser interpretada em busca de sua máxima efetividade. Assim, o objetivo do legislador ordinário, à época, que era privilegiar o mais necessitado no retorno ao serviço público deve ser transportado para os dias de hoje.
Assim, a Comissão Especial Interministerial responsável pela análise e revisão de todos os casos envolvendo os servidores afastados entre 16.03.1990 e 30.09.92, por força do disposto no art. 1º do Decreto nº 5.115, de 2004, deve levar em consideração a condição sócio-econômica atual dos servidores e empregados a serem anistiados, de modo a privilegiar aqueles que estejam desempregados ou subempregados na data de hoje e não há treze anos.
Deve ser essa a interpretação do § 3º do art. 3º do Decreto nº 6.077 de 2007, que pretende regulamentar o parágrafo único do art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994.
O art. 4º da Lei de Anistia estabelece:
Art. 4° A Administração Pública Federal e as empresas sob controle da União, quando necessária a realização de concurso, contratação ou processo seletivo com vistas ao provimento de cargo ou emprego permanente, excluirão das vagas a serem preenchidas pelos concursados o número correspondente ao de postulantes habilitados na forma desta lei para os respectivos cargos ou empregos.
A análise do art. 4º da Lei evidencia o reconhecimento do legislador de que aqueles servidores ou empregados que retornam ao serviço público, cumpridos os requisitos estabelecidos na Lei nº 8.878, de 1994, eram e, com o retorno, continuam a ser, legítimos ocupantes de cargos efetivos e empregos permanentes no âmbito da administração pública federal.
Todos os requisitos constitucionais e legais para o provimento dos cargos efetivos e para o exercício dos empregos permanentes tinham sido por eles preenchidos, fato que não foi elidido pelo afastamento ilegal.
Logo, o retorno ao serviço público, adimplidas as exigências previstas na Lei nº 8.878, de 1994, tem o condão de restituir o status quo ante, sendo-lhes devolvida, sem nenhum favor, algo que lhes era de direito - a condição de servidores efetivos ou empregados permanentes da administração pública federal.
O dispositivo em tela determina a exclusão das vagas ocupadas pelos anistiados quando for necessária a realização de concurso público para prover vagas nos órgãos ou entidades em que houve o retorno.
Prevê-se, ainda, no que concerne ao retorno dos anistiados, no art. 5º do Decreto nº 6.077, de 2007, que o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no exercício da competência estabelecida no § 7º do art. 93 da Lei nº 8.112, de 1990, com a redação conferida pela Lei nº 10.470, de 2002, pode fixar exercício diverso para o servidor ou empregado, com vistas a ajustar a força de trabalho no âmbito da administração federal, de modo a atender a necessidade de substituição de terceirizados, de privilegiar as ações do PAC e de atender aos órgãos e entidades mais carentes de pessoal.
Eis o teor do § 7º do art. 93 da Lei nº 8.112, de 1990:
Art.93.O servidor poderá ser cedido para ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios, nas seguintes hipóteses:
.......................................................................
§ 7° O Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, com a finalidade de promover a composição da força de trabalho dos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, poderá determinar a lotação ou o exercício de empregado ou servidor, independentemente da observância do constante no inciso I e nos §§ 1º e 2º deste artigo.
Tal flexibilidade justifica-se pela necessidade, bem exposta nos incisos do art. 5º do Decreto nº 6.077, de 2007, de substituir a mão-de-obra terceirizada no âmbito da administração pública federal, de dotar os órgãos e entidades responsáveis pela implementação das ações e programas que integram o Programa de Aceleração do Desenvolvimento - PAC, de recursos humanos necessários à sua efetivação, bem como os órgãos e entidades que demonstrem a necessidade de realização de concurso público para suprir deficiência de pessoal.
Essa norma é consentânea com o art. 4º da Lei nº 8.878, de 1994, que prevê a exclusão das vagas a serem ocupadas por anistiados daquelas destinadas a concurso público.
O art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994, trata da organização e funcionamento da administração pública federal, com o intuito de analisar os pedidos de anistia formulados com base nesta Lei.
Art. 5° Para os fins previstos nesta lei, o Poder Executivo, no prazo de até trinta dias, constituirá Comissão Especial de Anistia e Subcomissões Setoriais, com estrutura e competência definidas em regulamento. (Vide Decretos nºs , e )
§ 1° Das decisões das Subcomissões Setoriais caberá recurso para a Comissão Especial de Anistia, que poderá avocar processos em casos de indeferimento, omissão ou retardamento injustificado.
§ 2° O prazo para conclusão dos trabalhos dessas comissões será fixado no ato que as instituir.
Dando seguimento ao esforço de encadeamento lógico e histórico dos atos que estão a exigir interpretação, passo a analisar, nesta etapa do parecer, os decretos presidenciais editados para regulamentar a Lei nº 8.878, de 1994, pelo que representam na escala normativa e na orientação da atuação de toda a administração pública.
Cingirei a abordagem a aspectos formais referentes à competência, organização e funcionamento da administração pública postos pelos decretos regulamentares que se sucederam no tempo, na busca pela forma mais racional de implementação do disposto no art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994.
Todas as demais manifestações dos órgãos e entidades da administração federal, mormente as jurídicas, tiveram a intenção de fixar a interpretação das normas insertas na Lei e nos decretos regulamentares.
Tais Decretos tinham e ainda têm - aqueles que estão em vigor - o papel fundamental de, entre outras providências, disciplinar o mecanismo de tomada de decisão quanto ao reaproveitamento dos servidores e empregados afastados, fixar critérios e requisitos a serem observados na apreciação dos requerimentos, determinar a revisão de atos levados a termo com base em análises empreendidas por comissões anteriores e regular o retorno daqueles que tiveram pedidos deferidos.
Percebem-se claras e significativas variações no que concerne à díade centralização-descentralização do processo decisório, assim como às opções dos gestores públicos, ao longo de todos esses anos.
A análise dos decretos permite constatar verdadeiro movimento pendular que ora atribuía a uma comissão a análise de todas as questões, ora previa subcomissões setoriais com poder de decisão; num dado momento histórico fixava a competência de um único órgão para, a partir das análises da comissão, tomar as decisões, e, em outro, atribuía a competência a um colegiado interministerial; às vezes a adoção de medidas para a reintegração dos servidores e empregados ficava a cargo dos órgãos aos quais estavam vinculados e, às vezes, sob a responsabilidade de um único Ministério.
Passa-se, então, ao histórico desses decretos.
A tentativa de regulamentar, por decreto, a anistia aos servidores e empregados afastados arbitrariamente durante o Governo Collor, iniciou-se antes da Lei nº 8.878, de 11.05.94 (publicada no D.O.U de 12.05.94).
Mais precisamente, onze meses antes, o Presidente Itamar Franco, que sucedera constitucionalmente o Presidente Collor, editou o Decreto sem número de 23.06.93.
Referido Decreto criava, em seu art. 1º, no âmbito da Secretaria de Administração Federal da Presidência da República, a Comissão Especial para examinar os atos de dispensa e de rescisão de contratos de trabalho de servidores ou empregados titulares de cargos efetivos, ocorridos entre 16.03.90 e 30.09.92, durante o Governo do ex-Presidente Collor.
Determinava a composição da Comissão, estabelecia critérios de elegibilidade, dispunha sobre procedimento e fixava prazo de noventa dias para que a Comissão apresentasse relatório circunstanciado, com as conclusões e indicações cabíveis, a ser encaminhado ao Sr. Presidente da República.
Em face das evidentes limitações legais à efetivação da correção das ilegalidades cometidas nos afastamentos, fez-se necessária a edição da Medida Provisória nº 473, de 1994, que, aprovada pelo Congresso Nacional, converteu-se na Lei nº 8.878, de 1994, que "Dispõe sobre a concessão de anistia nas condições que menciona", objeto central da análise que ora se empreende.
Na Exposição de Motivos Conjunta nº 135 MF/SAF/SEPLAN/PR, de 12.04.94, que submetia ao Sr. Presidente da República o projeto da Medida Provisória nº 473, de 1994, registrou-se a necessidade de edição de medida provisória em face do veto integral ao Projeto de Lei nº 4.233, de 1993, "considerando que as emendas apresentadas no Congresso Nacional não corresponderam às conclusões contidas no relatório apresentado pela Comissão Especial criada pelo Decreto de 23 de junho de 1993".
A Lei nº 8.878, de 1994, previa, em seu art. 5º, a criação pelo Poder Executivo, no prazo de trinta dias, da Comissão Especial de Anistia e das Subcomissões Setoriais, responsáveis pela análise dos requerimentos dos atingidos por atos que redundaram em seus afastamentos do serviço público.
O § 1º do art. 5º já estabelecia, no entanto, a competência decisória das Subcomissões Setoriais, bem como a possibilidade de interposição de recurso à Comissão Especial de Anistia, nos casos de indeferimento, omissão ou retardamento injustificado.
Sublinhe-se o caráter descentralizado que se desenhava na Lei quanto à concessão das anistias.
Lembre-se, como visto anteriormente, que a Lei nº 8.878, de 1994, faz menção expressa aos trabalhos da Comissão instituída pelo Decreto de 23.06.93, na parte final do caput de seu art. 2º.
Nesse dispositivo, assegura-se prioridade à análise dos requerimentos dos servidores ou empregados que já tivessem encaminhado documentação à Comissão Especial constituída pelo Decreto citado.
Sigamos, pois, com a análise do ordenamento regulamentar infralegal.
Publicada a Lei nº 8.878, em 12.05.94, fazia-se necessário regulamentá-la.
Foi expedido, então, o Decreto nº 1.153, de 08.06.94, publicado no D.O.U de 09.06.94, que detalhava o funcionamento da Comissão Especial de Anistia - CEA e o das Subcomissões Setoriais.
Pelo Decreto, cabia às Subcomissões Setoriais a decisão e à Comissão Especial de Anistia a competência recursal.
O Decreto nº 1.296, de 26.10.94, publicado no D.O.U de 27.10.94, cuidava de alterações acessórias nos procedimentos instituídos pelo Decreto nº 1.153, de 1994.
Essas foram as manifestações normativas mais relevantes editadas durante o Governo Itamar Franco no que concerne à concessão de anistia aos servidores e empregados que tinham sido vítimas de arbitrariedades na época do Governo Collor.
O primeiro Governo do ex - Presidente Fernando Henrique Cardoso, que de agora em diante denominaremos FHC, adotou sensíveis modificações nos procedimentos.
Por intermédio do Ofício nº 755, de 25.04.95, do Procurador-Geral da República, o então Presidente FHC foi comunicado da instauração de Inquérito Civil Público pela Portaria nº 1, de 1995, da Procuradoria da República no Distrito Federal.
Mencionado Ofício recomendava que fosse
"verificada a possibilidade de determinar providências aos órgãos do Poder Executivo, no sentido de proceder ao reexame de todos os processos em que tenha sido efetivada a anistia de que trata a Lei nº 8.878, de 11 de maio de 1994, bem como maior cautela no deferimento de novos processos, para que possa evitar prejuízos incalculáveis aos cofres da União".
Reconhecida a relevância da manifestação do Ministério Público Federal, foi expedido o Decreto nº 1.498, de 24.05.1995, publicado no D.O.U. de 25.05.95, que constituiu, no âmbito do Ministério da Administração e Reforma do Estado - MARE, Comissão Especial de Revisão dos Processos de Anistia - CERPA, com o objetivo de reexaminar as decisões das Subcomissões Setoriais, bem como aquelas da Comissão Especial que concederam anistias aos servidores da administração direta, autárquica e fundacional.
Fixou-se, ainda, a competência do Ministro do MARE para decidir sobre novas concessões a partir do parecer da Comissão de Revisão. Centralizava-se o processo de tomada de decisão.
Foram suspensos os procedimentos administrativos que objetivavam executar as decisões adotadas pelas Subcomissões e pela CEA. O Decreto nº 1.153, de 1994, contudo, não foi revogado.
Exatamente idêntico ao Decreto nº 1.498, de 24.05.95, cujas principais linhas foram brevemente expostas anteriormente, era o Decreto nº 1.499, de 24.05.95, publicado no D.O.U. de 25.05.95, com a única distinção de ser aplicável aos empregados das empresas públicas e das sociedades de economia mista federais.
Previa o Decreto nº 1.499/95 que os requerimentos de anistia, após serem analisados pela Comissão Especial de Revisão dos Processos de Anistia - CERPAN, eram decididos pelo Conselho de Coordenação e Controle das Empresas Estatais - CCE.
Registre-se que, em ambos decretos, era facultada a atuação de representante do Ministério Público Federal, designado pelo Procurador-Geral da República.
Posteriormente, em 24.04.97, foi publicado o Decreto nº 2.211, de 23.04.97, que promoveu alterações na composição da CERPAN, criada pelo Decreto nº 1.499, de 1995.
Foram esses os principais atos normativos do primeiro Governo FHC, editados com o claro objetivo de rever todos os atos concessivos de anistia, por provocação do Ministério Público Federal, sob uma perspectiva centralizada do processo de tomada de decisão.
Em 14.02.2000, já no segundo Governo FHC, foi publicado o Decreto nº 3.363, de 11.02.2000, publicado no D.O.U. de 14.02.2000, que instituiu a Comissão Interministerial - COINTER, com a finalidade de reexaminar os processos em que tivesse havido a concessão de anistia e que ainda não tivessem sido objeto de parecer publicado por nenhuma das duas comissões instituídas pelos Decretos nº 1.498 e 1.499, ambos de 1995, bem como de analisar os processos pendentes de decisão.
A COINTER era integrada por representantes dos Ministérios da Fazenda e Planejamento, Orçamento e Gestão.
No Decreto nº 3.363, de 2000, a decisão quanto ao deferimento da anistia, a partir da análise elaborada pela COINTER, competia aos Ministros de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG, da Fazenda - MF e ao Ministério ao qual o órgão ou entidade - a cujos quadros pertencia o servidor ou empregado afastado - se vincula ou vinculava.
Foram realizados ajustes no procedimento. O retorno do anistiado ao serviço público era promovido pelo dirigente do órgão ou entidade ao qual o servidor ou empregado estivesse vinculado.
Os procedimentos tendentes a efetivar as decisões da Comissão Especial de Anistia ou das Subcomissões Setoriais, constituídos pelo Decreto nº 1.153, de 1994, foram suspensos. Foram ratificadas as decisões adotadas pela CERPA e CERPAN.
Foram revogados os Decretos nº 1.498 e 1.499, de 1995, além do Decreto nº 2.211, de 1997. Não foi revogado o Decreto nº 1.153, de 1994.
O Decreto nº 4.132, de 14.02.2002, publicado no D.O.U. de 15.02.2002, alterou o Decreto nº 3.363, de 2000, com o objetivo de prorrogar o prazo de funcionamento da COINTER.
Esses foram os principais normativos do segundo Governo FHC que tiveram como principal característica a adoção da decisão colegiada - MPOG, MF e Ministério finalístico - quanto ao retorno ao cargo.
O procedimento para efetivar o retorno, contudo, era da responsabilidade dos órgãos e entidades aos quais vinculavam-se funcionalmente os anistiados.
Em 14.02.2003, o primeiro ato normativo do primeiro Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva - denominado, de agora em diante, Presidente Lula - referente à matéria foi publicado.
Tratava-se do Decreto nº 4.595, de 13.02.2003, que alterou o Decreto que instituiu a COINTER, para prorrogar seu prazo de funcionamento até 14.04.2003.
Naquele momento, foram mantidos o desenho institucional e as competências da COINTER.
Com a edição do Decreto nº 5.115, de 24.06.2004, D.O.U. de 25.06.2004, foi instituída a Comissão Especial Interministerial - CEI, com o objetivo expresso em seu art. 1º de promover a revisão das decisões da CERPA, da CERPAN e da COINTER, instituídas pelo ex-Presidente FHC, que, por seu turno, tinham sido instituídas para rever as decisões concessivas de anistia pela CEA e Subcomissões Setoriais, criadas pelo então Presidente Itamar Franco.
Era, pois, a Comissão destinada a "rever as revisões" promovidas durante o Governo FHC.
Temia-se - e esse foi um dos motivos que deram ensejo à publicação do Decreto nº 5.115, de 2004, que instituiu a CEI - que, a pretexto de "moralizar" as concessões de anistia, violações a direitos dos servidores e empregados públicos, bem como violações ao texto da Lei nº 8.878, de 1994, tivessem sido perpetradas.
Trata-se de uma variante do tal movimento pendular citado anteriormente neste texto, que, de forma bastante simplificada, pode ser assim explicado: num primeiro momento, por deficiências procedimentais, gerenciais e fragilidade dos mecanismos de controle, teriam sido concedidas anistias de forma desarrazoada.
No momento posterior, o Governo FHC teria exagerado na revisão e cancelamento dos atos administrativos que concederam as anistias a ponto de suprimir desproporcionalmente direitos assegurados constitucional e legalmente aos servidores e empregados.
Buscava-se, então, com a edição do Decreto nº 5.115, de 2004, e a instituição da Comissão Especial Interministerial - CEI, a retomada da normalidade e a racionalidade dos procedimentos, com a revisão dos atos administrativos praticados pelas comissões criadas pelos Decretos nº 1.498 e 1.499, ambos de 1995, e pelo Decreto nº 3.363, de 2000.
Essa é a competência da CEI, visto que o Decreto segue em vigor e a CEI encontra-se em funcionamento.
A CEI, originalmente, tinha uma composição mais ampla, pois além do Ministério da Fazenda e do Planejamento, integravam-na a Casa Civil da Presidência da República, a Advocacia-Geral da União e um representante dos anistiados que, pela primeira vez, passavam a ter participação institucional no órgão responsável pelas deliberações, com direito a voz e voto.
Era a própria Comissão que decidia sobre o reconhecimento da condição de anistiado.
Nos outros modelos analisados, à exceção do previsto no Decreto nº 1.153, de 1994, as decisões cabiam a Ministros de Estado, isoladamente, ou em conjunto, a partir das conclusões das diversas espécies de comissões criadas.
Com o Decreto nº 5.115, de 2004, por força de seu art. 4º e, posteriormente, com a edição do Decreto nº 5.954, de 2006, que inseriu, por intermédio de seu art. 2º, inciso III ao art. 2º do Decreto nº 5.115, de 2004, ficou evidenciada a competência da CEI de tomar, ela própria, a decisão, cabendo aos Ministros de Estado, conforme o vínculo funcional do servidor ou empregado a ser anistiado, as providências para o retorno ao serviço público.
Tratava-se de significativa alteração dos procedimentos, ainda mais quando se recorda que os anistiados passaram a ter representação efetiva no colegiado.
Com a edição do Decreto nº 5.115, de 2004, foi reaberto o prazo para apresentação de requerimentos pelos interessados, estabelecendo-se o termo final em 25.09.2004.
A CEI deveria levar em consideração na análise dos requerimentos o instituto da decadência, previsto no art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999, bem como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, naqueles casos em que as anistias foram concedidas num primeiro momento e, posteriormente, canceladas pelas comissões instituídas pelos Governos do ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso.
Caracterizada pela CEI a incidência da decadência dos atos que anularam as anistias, nos precisos termos do inciso I do art. 2º do Decreto nº 5.115, de 2004, em sua redação original, ou nos termos da alínea "a" do inciso I do art. 2º na redação conferida pelo art. 2º do Decreto nº 5.954, de 2006, esses atos seriam revistos e restaurada a anistia reconhecida anteriormente.
Identificada pela CEI a violação dos princípios do contraditório e da ampla defesa seria aberto prazo ao requerente para aduzir suas razões relativas ao ato de anulação e requerer a instrução probatória necessária, ex vi do disposto no § 2º do art. 2º do Decreto nº 5.115, de 2004, em sua redação original, ou nos termos da alínea "b" do inciso I do art. 2º, na redação conferida pelo art. 2º do Decreto nº 5.954, de 2006, para ao final, com fundamento no inciso III do art. 2º do Decreto nº 5.115, de 2004, deliberar quanto ao reconhecimento da condição de anistiado.
As conclusões da CEI eram encaminhadas ao Ministro de Estado ao qual estivesse vinculado o servidor ou empregado, cabendo-lhe adotar as medidas necessárias, quando fosse o caso, ao retorno do servidor. O Decreto nº 3.363, de 2000, que instituiu a COINTER não foi revogado.
Em 29.09.2004, três meses após a última alteração, foi publicado o Decreto nº 5.215, de 28.09.2004, que alterou a composição da CEI para prever a participação de mais um representante dos anistiados.
Hoje, por força dessa modificação, são dois os indicados pelos anistiados: um representando os servidores regidos pela Lei nº 8.112, de 1990, e outro, os empregados públicos regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT.
Foi estendido o termo final para apresentação dos requerimentos, que passou a ser 30.11.2004.
Ao final do primeiro Governo Lula, foi editado o Decreto nº 5.954, de 07.11.2006, publicado no D.O.U. de 08.11.2006. Esse Decreto promoveu significativas alterações no Decreto nº 5.115, de 2004, que instituíra a CEI.
Foram instituídas Subcomissões Setoriais nos órgãos e entidades que tiveram servidores afastados no período abrangido pela Lei nº 8.878, de 1994, com o intuito de descentralizar a análise prévia dos requerimentos, cabendo a decisão final, por força do inciso III, da art. 2º do Decreto nº 5.115, de 2004, com a redação conferida pelo art. 2ºdo Decreto nº 5.954, de 2006, à Comissão Especial Interministerial - CEI.
Aprimorou-se o procedimento com a previsão da notificação pessoal dos servidores e empregados que tiveram anistias anuladas para que encaminhassem suas defesas.
Facultou-se, expressamente, a participação de representantes do Ministério Público Federal junto à CEI e às Subcomissões Setoriais,
por designação do Procurador-Geral da República.
Previu-se a participação de dois representantes dos anistiados em cada Subcomissão Setorial.
O art. 4º-A do Decreto nº 5.115, de 2004, acrescido pelo art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006, trouxe importante inovação.
Na verdade, esse dispositivo pode ser considerado verdadeira cláusula interpretativa, pois tentou fixar, ainda que parcialmente, a exegese do art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994, conforme visto anteriormente neste parecer, dispondo sobre algumas hipóteses em que é vedado o restabelecimento da condição de anistiado.
Mencionado dispositivo aprimorou o texto do art. 3º da Portaria Conjunta nº 1, de 10.05.2006, da Secretaria de Recursos Humanos do MPOG e do Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais. Teremos a oportunidade de analisar mais detidamente esse dispositivo adiante.
O art. 4º do Decreto nº 5.954, de 2006, por seu turno, detalhou os requisitos de natureza constitucional e legal - leva em consideração as alterações introduzidas pela EC nº 19, de 1998, pela Lei Complementar nº 101, de 2000, bem como pela Lei nº 9.504, de 1997 - para que se afiram as condições orçamentárias e financeiras de que trata o art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994.
O Decreto nº 5.954, de 2006, foi o último ato normativo de relevo do primeiro Governo Lula relativamente à questão dos anistiados do Governo Collor.
Por fim, foi editado o Decreto nº 6.077, de 10.04.2007, publicado no D.O.U. de 11.04.2007, já no segundo Governo Lula, que regulamenta o disposto no art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994, qual seja, o dispositivo que determina a observância das necessidades e disponibilidades orçamentárias e financeiras da administração pública federal, antes que se promova o retorno ao serviço daqueles servidores e empregados que tenham preenchido os requisitos legais para serem anistiados.
O tratamento conferido à questão das disponibilidades orçamentárias e financeiras pelo art. 3º, IV do Decreto nº 6.077, de 2007, deve ser apreciado em conjunto com o disposto no art. 4º do Decreto nº 5.954, de 2006.
O Decreto nº 6.077/2007 altera, também, dispositivos do Decreto nº 5.115, de 2004, com o intuito de centralizar no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e não mais do Ministério ao qual está vinculado o servidor ou empregado anistiado, os procedimentos para efetivação do retorno daqueles que tiveram suas anistias deferidas pela CEI.
Perceba, Sr. Advogado-Geral, a miríade de normas que giza a questão dos anistiados do Governo Collor.
É um enredo que surge no Governo Collor com os afastamentos em massa, atravessa o Governo Itamar que edita a medida provisória que posteriormente foi transformada na Lei de Anistia. É no Governo Itamar, também, que inúmeros servidores e empregados são anistiados, sem que os parâmetros legais tivessem sido adequadamente apreciados, segundo manifestação do Ministério Público Federal.
Chega ao primeiro e avança pelo segundo Governo FHC, que anulou diversas anistias.
Atravessa o primeiro e alcança o segundo Governo Lula, com o desafio de as anistias canceladas serem reanalisadas, caso a caso.
É exatamente nesse momento, ao final do primeiro ano do segundo mandato do Presidente Lula, que todos os órgãos de Governo afetos à questão estão buscando alternativas hermenêuticas e gerenciais destinadas a pôr um fim a todo esse imbroglio.
Surge da análise anteriormente empreendida sobre a atuação das Comissões que apreciaram e ainda apreciam, no caso da CEI, os pedidos de anistia, importante aspecto que se relaciona, inclusive, com os entendimentos fixados neste parecer.
Qual é de fato o campo de atuação da CEI, em face das normas legais e regulamentares em vigor, que fixam sua competência e da tentativa de consolidação de entendimento firmada por este parecer?
Em primeiro lugar, registre-se que os pedidos de anistia indeferidos durante o Governo Itamar Franco, não são objeto de revisão por parte da CEI.
Os pedidos de anistia formulados em 1994 e pendentes de decisão serão objeto de análise da CEI que poderá conceder ou negar a anistia.
Os pedidos de anistia deferidos durante o Governo Itamar Franco, sem ato de anulação pelo Governo FHC, estão fora do objeto de análise da CEI, ex vi do disposto no art. 1º do Decreto nº 5.115, de 2004. Se houve ato de retorno do anistiado a questão está equacionada. Se não houve ato de retorno, o mesmo deverá ser promovido à luz do que dispõe o art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994.
No caso de o servidor ou empregado ter obtido o reconhecimento da condição de anistiado e o órgão ou entidade ao qual retornaria foi extinto, há dois desdobramentos possíveis. Se as atribuições do órgão ou entidade extinta foram absorvidas, transferidas ou executadas por outro órgão ou entidade, o servidor ou empregado anistiado tem direito ao retorno, observado o disposto no art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994. Se as atribuições não foram absorvidas, o anistiado não tem direito ao retorno.
Os pedidos de anistia deferidos durante o Governo Itamar Franco, com ato de anulação pelo Governo FHC, são objeto de análise da CEI, ex vi do disposto no art. 1º do Decreto nº 5.115, de 2004.
Se a anulação foi revista e, portanto, mantida a anistia, estando pendente o ato de retorno, o caso será analisado à luz deste parecer da AGU. Se já tiver havido ato de retorno, o caso não será revisto pela CEI.
Se a CEI tiver mantido a decisão adotada pelas Comissões durante o Governo FHC de anulação de anistia, não será reconhecida a condição de anistiado.
Se não tiver havido ainda deliberação da CEI sobre os atos de anulação empreendidos pelas Comissões durante o Governo FHC, a matéria será apreciada à luz deste parecer da AGU. Revista a anulação, será mantida a anistia. Mantida a anulação, não há que se falar em anistia.
O art. 6º da Lei de Anistia dispõe:
Art. 6° A anistia a que se refere esta lei só gerará efeitos financeiros a partir do efetivo retorno à atividade, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo.
Não há que se falar em efeitos financeiros retroativos à data do afastamento do servidor ou empregado, nas hipóteses previstas nos incisos do art. 1º desta Lei.
Clara é a disposição da Lei de que a anistia só gera efeitos financeiros a partir do efetivo retorno ao serviço público.
Eventuais decisões judiciais que imponham o pagamento retroativo à data do afastamento devem ser objeto das medidas judiciais cabíveis a serem impetradas pelos órgãos competentes da Advocacia-Geral da União.
O art. 7º estabelece:
Art. 7° As despesas decorrentes desta lei correrão à conta das dotações orçamentárias próprias dos respectivos órgãos ou entidades.
Não há muito espaço para interpretação, a norma é auto-explicativa. As despesas referentes ao retorno do servidor ou empregado devem ser arcadas pelo órgão ou entidade ao qual o servidor se vinculará funcionalmente após o retorno.
Não há que se confundir a centralização de procedimentos a cargo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no que se refere ao retorno dos anistiados, por força do que dispõe o Decreto nº 6.077, de 2007, aos dispêndios a serem efetivados.
Deve-se sublinhar, ainda, a absoluta necessidade de compatibilizar a norma contida no art. 7º com aquela expressa no caput do art. 3º da Lei que impõe a verificação da disponibilidade orçamentária e financeira, já à luz das normas constitucionais introduzidas pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, e pela Lei Complementar nº 101, de 2000.
O art. 8º da Lei de Anistia estabelece:
Art. 8° Não se aplica o disposto no , à anistia de que trata esta lei.
O comando inserto na norma tinha o objetivo de afastar as limitações impostas à nomeação, contratação ou admissão de servidores e empregados no prazo de seis meses que antecediam as eleições.
Eis o inteiro teor da norma:
Art. 81. Ao servidor público da administração direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios é garantido, no período compreendido entre 1º de junho e 31 de dezembro de 1994, permanecer na circunscrição do pleito e em seu cargo ou emprego, não podendo ser ex officio removido, transferido ou exonerado, ou ainda ser demitido sem justa causa ou dispensado, ter suprimidas ou readaptadas vantagens, ou por outros meios ter dificultado ou impedido seu exercício funcional ou permanência na circunscrição do pleito.
1º São considerados nulos de pleno direito, não gerando quaisquer obrigações para a pessoa jurídica interessada e nenhum direito para o servidor, os atos praticados sem observância do disposto neste artigo, bem como aqueles que importarem nomear, contratar ou admitir servidores.
2º Excetua-se do disposto neste artigo:
a) a nomeação dos aprovados em concurso público;
b) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de função de confiança;
c) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos órgãos de assessoramento superior vinculados à Presidência da República;
d) a transferência ou remoção ex officio de policiais civis e militares e de agentes penitenciários.
3º Os atos indicados no parágrafo anterior devem ser fundamentados, e serão publicados no Diário Oficial dentro de quarenta e oito horas após a sua assinatura.
4º O atraso na publicação do Diário Oficial, relativo aos quinze dias que antecedem os prazos iniciais previstos neste artigo, implica a nulidade automática dos atos relativos a pessoal nele inseridos, salvo se o atraso for provocado por caso fortuito ou força maior.
Ocorre que a Lei mencionada era uma lei temporária, aplicava-se exclusivamente às eleições de 1994.
Naquela época havia a péssima tradição de se elaborar uma lei específica e temporária para cada eleição.
Essa situação foi alterada com a publicação da Lei nº 9.504, de 1997, diploma geral que se aplica a todas as eleições realizadas no país em todos os níveis da federação.
No entanto, o fato de não mais subsistir o diploma a que faz menção a Lei da Anistia pelo fato de já ter produzido seus limitados efeitos temporais, não afasta a prevalência de seu comando.
É que o inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, possui comando similar com a finalidade de impedir o "inchamento da máquina" às vésperas das eleições com o intuito de gerar dividendos eleitorais.
Art. 73. São proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais:
..............................
V - nomear, contratar ou de qualquer forma admitir, demitir sem justa causa, suprimir ou readaptar vantagens ou por outros meios dificultar ou impedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover, transferir ou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena de nulidade de pleno direito, ressalvados:
a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e designação ou dispensa de funções de confiança;
b) a nomeação para cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais ou Conselhos de Contas e dos órgãos da Presidência da República;
c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homologados até o início daquele prazo;
d) a nomeação ou contratação necessária à instalação ou ao funcionamento inadiável de serviços públicos essenciais, com prévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo;
e) a transferência ou remoção ex officio de militares, policiais civis e de agentes penitenciários;
A Lei de Anistia determinava, por força de seu art. 8º, a não incidência dessa regra, pois o retorno motivado pelo deferimento dos requerimentos de anistia não poderia ser considerado nova admissão, mas sim, a volta ao status quo ante da relação funcional que tinha sido ilegalmente interrompida.
Portanto, como não se cuida de novas admissões, mas sim o retorno, por determinação legal, daqueles que tinham sido indevidamente afastados, há que se fixar a interpretação de que a norma contida no inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, não se aplica ao retorno dos anistiados, assim como o § 1º do art. 81 da Lei nº 8.713, de 1993, de comando normativo similar, não se aplicava.
Nesse sentido, parece equivocada a redação do art. 4º do Decreto nº 5.954, de 2006, na parte em que determina a aplicação do inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, aos retornos ao serviço público dos anistiados com base na Lei nº 8.878, de 1994.
Esse comando gera flagrante antinomia com a regra inserta no art. 8º da Lei de Anistia que pugnava pelo afastamento da vedação contida na Lei eleitoral, posto que não havia que se comparar o retorno dos anistiados a novas formas de admissão, contratação e nomeação.
O dispositivo mencionado do Decreto nº 5.954, de 2006, é um claro exemplo de subversão da determinação legal gerado por equívoco hermenêutico de regra contida em diploma temporário, substituído por outro de índole permanente.
Trata-se de mais uma demonstração dos efeitos deletérios gerados pelo retardo na conclusão dos processos de anistia, de que cuida a Lei nº 8.878, de 1994.
Por fim, o art. 9º da Lei de Anistia contém a cláusula de vigência a contar da data de sua publicação, que ocorreu em 12.05.94.
IV
Conclusões e Recomendações
Concluo o presente parecer, Sr. Advogado-Geral da União, reiterando ter sido o principal objetivo deste parecer proceder à mais abrangente e à mais justa abordagem possível sobre tão candente tema, de modo a uniformizar não só o entendimento da AGU sobre a questão, como orientar a atuação dos diversos órgãos da administração pública federal que lidam diretamente com a matéria.
Nesse esforço de abrangência e síntese, foi exposto inicialmente o contexto histórico-político em que se inseriu o Governo Collor e analisados os fundamentos das medidas adotadas.
Na segunda parte, foram postas as balizas constitucionais que delimitam o debate, enfatizando-se a proteção conferida pelo texto constitucional ao trabalho como um dos principais fundamentos da dignidade humana.
Na terceira parte do parecer, foram apreciados todos os dispositivos da Lei nº 8.878, de 1994, e dos principais decretos que a regulamentaram, consolidando-se o entendimento da AGU sobre a matéria.
Nessa etapa, além do recurso a fontes doutrinárias, jurisprudenciais e legais, procedeu-se a levantamento dos aspectos relevantes das diversas manifestações formais da Advocacia-Geral da União sobre a matéria ao longo do tempo.
O conjunto dos aspectos analisados permitiu que se chegasse a algumas conclusões e recomendações, que se aplicam aos casos submetidos ao campo de incidência da Lei nº 8.878, de 1994, e dos decretos que a regulamentaram.
Nesse sentido, acolho parcialmente o disposto na NOTA AGU/CGU/DECOR Nº 193/2007 - SFT, de autoria do Advogado da União e Coordenador-Geral do DECOR, Dr. Sérgio Eduardo de Freitas Tapety, de 11 de junho de 2007, nos termos do presente parecer e de suas conclusões e recomendações.
Passo a expor as conclusões e recomendações:
Conclusões
Compete à AGU, em última análise, por ser o órgão superior de assessoramento jurídico do Presidente da República, fixar a interpretação das normas no âmbito do Poder Executivo. Prevalece, assim, no âmbito da administração pública federal, o entendimento acolhido pelo Advogado-Geral da União, ainda que sem a aprovação do Exmº Sr. Presidente da República, no que concerne à precisa fixação da interpretação das leis (incisos X e XI do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 1993).
Eventuais divergências jurídicas entre o órgão central do Sistema de Pessoal Civil - SIPEC e a Advocacia-Geral da União resolvem-se em favor dessa última (incisos X e XI do art. 4º da Lei Complementar nº 73, de 1993, c/c o parágrafo único do art. 17 da Lei nº 7.923, de 1989, e Parecer AGU nº GQ-46, de 1994).
A Lei nº 8.878, de 1994, aplica-se aos servidores da administração direta, autárquica e fundacional, bem como aos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista, ocupantes de cargos efetivos e empregos permanentes na administração pública federal (art. 1º, caput, da Lei nº 8.878, de 1994).
O período das demissões, exonerações e dispensas é o compreendido entre 16 de março de 1990 e 30 de setembro de 1992. Qualquer afastamento em período diferente ao estabelecido expressamente no texto da Lei não dará ensejo à concessão da anistia (art. 1º, caput, da Lei nº 8.878, de 1994).
O prazo decadencial de cinco anos para que a administração anule seus atos que gerem efeitos favoráveis aos destinatários conta-se a partir da publicação da Lei nº 9.784, vale dizer, 1º.02.99 (art. 1º, caput, da Lei nº 8.878, de 1994).
De uma forma geral, no caso de concessão da anistia, presume-se a legalidade e legitimidade do ato administrativo e a boa-fé do servidor por ele atingido. Trata-se da aplicação do critério da prevalência ou da relevância dos princípios da boa-fé do servidor e da segurança jurídica sobre os demais princípios do regime jurídico administrativo (art. 1º, caput, da Lei nº 8.878, de 1994).
A eventual anulação de anistias decorre do exercício do poder-dever de auto-tutela da administração pública no sentido de zelar pela legalidade dos seus atos, sendo obrigatória sua atuação quando identifica vícios, respeitado o disposto no art. 54 da Lei nº 9.784, de 1999, observados os princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa quando seja desconstituída a eficácia de ato administrativo que repercuta no âmbito dos interesses individuais dos servidores (art. 1º, caput, da Lei nº 8.878, de 1994).
Será restabelecida a condição de anistiado do servidor público se o afastamento tiver ocorrido com violação de preceito constitucional e legal (art. 1º, inciso I, da Lei nº 8.878, de 1994).
Será restabelecida a condição de anistiado do empregado de empresa pública e de sociedade de economia mista se o afastamento tiver ocorrido com violação de dispositivo constitucional, legal, de sentença normativa ou de cláusulas de acordo ou de convenção coletiva de trabalho (art. 1º, inciso II, da Lei nº 8.878, de 1994).
Há necessidade de, no âmbito da Lei de Anistia, as despedidas de empregados públicos serem motivadas, caso contrário, estará caracterizada violação ao texto constitucional e à legislação trabalhista, fazendo incidir o inciso II do art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994, o que torna os empregados públicos que foram despedidos imotivadamente, arbitrariamente ou sem justa causa, passíveis de terem suas anistias reconhecidas (art. 1º, inciso II, da Lei nº 8.878, de 1994, c/c art. 7º, I e art. 37 caput da CF).
O texto constitucional não permite que a relação de emprego, mesmo nas empresas privadas, seja desprotegida contra a despedida arbitrária, por força da interpretação que se deve conferir ao inciso I do art. 7º da Constituição Federal, direito social fundamental que é. Ainda que se lograsse compreender a relação de emprego como absolutamente desprotegida para o setor privado e assim justificar a despedida sem justa causa, tal regra não poderia se aplicar as estatais. São inúmeras e graves as limitações e restrições impostas às estatais que o recurso ao inciso II do § 1º do art. 173 da CF torna-se incapaz de equipará-las, de forma plena, às empresas privadas, no que concerne às obrigações trabalhistas (art. 1º, inciso II da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o inciso I do art. 7º, art. 37, caput, e incisos II, XVII, XIX, XX, XXI e § 1º do art. 173, todos da CF).
A necessidade de motivação das despedidas nas estatais é muito mais consentânea com o seu regime jurídico, cujo vértice encontra-se nos princípios estatuídos no caput do art. 37 da CF, do que a adoção pura e simples do disposto na legislação trabalhista (art. 1º, inciso II da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o inciso I do art. 7º, art. 37, caput, e incisos II, XVII, XIX, XX, XXI e § 1º do art. 173, todos da CF).
A interpretação que se fixa no sentido da adequada motivação dos afastamentos dos empregados públicos, no âmbito das empresas públicas e sociedades de economia mista, restringe-se ao campo de incidência da Lei nº 8.878, de 1994. Tal orientação não tem o condão de alterar atos praticados anteriormente na administração pública federal fora do escopo dessa Lei (art. 1º, inciso II da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o inciso I do art. 7º, art. 37, caput, e incisos II, XVII, XIX, XX, XXI e § 1º do art. 173, todos da CF).
A autonomia de todos os entes federados, plasmada no caput do art. 18 da CF, possui como corolário a prerrogativa de auto-organização. O Chefe do Poder Executivo Federal tem a competência de dispor sobre a organização e funcionamento da administração federal (art. 1º, inciso III, da Lei nº 8.878, de 1994).
A "máquina estatal" deve ser compatível e adequada à implementação das políticas públicas desenhadas a partir das propostas e promessas formuladas ainda na campanha eleitoral. A nenhum Chefe do Poder Executivo pode ser, legítima e constitucionalmente, negada tal prerrogativa. (art. 1º, inciso III, da Lei nº 8.878, de 1994).
Nada há de inconstitucional, ilegal ou irregular, no âmbito conceitual, nos afastamentos de servidores e empregados decorrentes da criação, extinção ou transformação de órgãos ou entidades da administração pública (art. 1º, inciso III, da Lei nº 8.878, de 1994).
No caso de as supostas razões de conveniência da administração estarem tisnadas por revanchismo ou espírito de punição, devidamente comprovados, caracterizado estará o desvio de poder que dá ensejo à incidência da anistia de que trata a Lei nº 8.878, de 1994 (art. 1º, inciso III, da Lei nº 8.878, de 1994).
Demonstrado que certa medida integrante de política de reforma administrativa - ou qualquer outra denominação que se empreste à iniciativa de determinado Governo em readequar sua organização e funcionamento - foi adotada com fim diverso do declarado, com o claro intuito de perseguição político -ideológica, ou partidária, caracterizando, assim, o desvio de poder, devidamente comprovado, poder-se-á demonstrar a motivação política de que trata o inciso III do art. 1º da Lei (art. 1º, inciso III, da Lei nº 8.878, de 1994).
As exonerações ou dispensas decorrentes desse movimento de acomodação de estruturas administrativas não dariam, em tese, ensejo à anistia de que cuida esta Lei, evidenciado, logicamente, como afirmado alhures, que o rearranjo da máquina pública não tenha sido implementado com violações à Constituição Federal e às leis, ou com motivação política de modo a atingir determinado servidor ou empregado, segmento ou grupo de servidores ou empregados públicos (art. 1º, inciso III, da Lei nº 8.878, de 1994).
A Lei se aplica aos servidores titulares de cargo de provimento efetivo ou de emprego permanente, à época da exoneração, demissão ou dispensa. Excluem-se necessariamente do espectro desta Lei aqueles que ocupavam, à época do afastamento, cargos em comissão ou temporários (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 1994 c/c o art. 4º-A do Decreto nº 5.115, de 2004, acrescido pelo art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006).
Não se aplica aos empregados de pessoas jurídicas de direito privado que tenham sido contratadas mediante convênio, posto que tal modalidade de recrutamento não gera vínculo com a União (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 1994 c/c o art. 4º-A do Decreto nº 5.115, de 2004, acrescido pelo art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006).
Também não se aplica a presente Lei aos titulares de Função de Assessoramento Superior - FAS, visto que, demissíveis ad nutum, eram cargos que possuíam vínculos precários e transitórios com a administração pública (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 1994 c/c o art. 4º-A do Decreto nº 5.115, de 2004, acrescido pelo art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006).
Não será restabelecida a condição de anistiado daqueles que tiveram anistias canceladas, em face da ocorrência de afastamentos decorrentes de processos administrativos ou judiciais com trânsito em julgado (art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994 c/c o art. 4º-A do Decreto nº 5.115, de 2004, acrescido pelo art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006).
Não será restabelecida a condição de anistiado daqueles que foram dispensados por justa causa (art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994 c/c o art. 4º-A do Decreto nº 5.115, de 2004, acrescido pelo art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006).
Não será restabelecida a condição de anistiado daqueles que tiverem aderido a programas de desligamento voluntário ou incentivado, salvo se restar comprovada a violação da autonomia da vontade do servidor ou empregado público na adesão a tais programas (art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994 c/c o art. 4º-A do Decreto nº 5.115, de 2004, acrescido pelo art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006).
O retorno do anistiado dar-se-á no mesmo cargo ou emprego que ocupava antes do afastamento, ou naquele resultante da respectiva transformação, no caso de não ter havido extinção, liquidação ou privatização do órgão ou da entidade (art. 2º, caput e parágrafo único da Lei nº 8.878, de 1994).
O espírito da lei é recompor uma situação fático-jurídica interrompida por ato arbitrário, ilegal ou inconstitucional do gestor público. Não cuida a norma de promover um primeiro provimento do cargo. Logo, o enquadramento do anistiado no retorno, em face da necessidade de obediência à situação funcional de cada um, deve ocorrer na mesma classe, nível ou padrão em que se encontrava o servidor ou empregado quando do afastamento (art. 2º, caput e parágrafo único da Lei nº 8.878, de 1994).
Não é lícita a promoção do retorno de todos os servidores ou empregados de um mesmo órgão ou empresa, indistintamente, no nível inicial da carreira (art. 2º, caput e parágrafo único da Lei nº 8.878, de 1994).
No retorno a cargo ou emprego transformado, deve haver correspondência de atribuições, de grau de escolaridade exigido, de habilidades específicas e de níveis salariais (art. 2º, caput e parágrafo único da Lei nº 8.878, de 1994).
Tendo havido o reconhecimento da condição de anistiado, com fulcro no art. 1º, e permanecido na estrutura da administração pública o órgão ou entidade a que pertencia o servidor ou empregado, o retorno, cumpridos os demais requisitos legais, será assegurado, no mesmo cargo ou emprego ou naquele decorrente de sua transformação (art. 2º, caput, da Lei nº 8.878, de 1994).
Reconhecida a condição de anistiado e tendo sido o órgão a que pertencia o servidor ou empregado público extinto, liquidado ou privatizado, sem que suas atividades tenham sido ou estejam sendo transferidas, absorvidas ou executadas por outro órgão ou entidade, não será possível, à luz do art. 2º, caput e parágrafo único, seu retorno à administração pública federal (art. 2º, caput e parágrafo único da Lei nº 8.878, de 1994).
Hipótese diversa é aquela em que é reconhecida a condição de anistiado com base no art. 1º e o órgão a que pertencia o servidor ou empregado público tenha sido extinto, liquidado ou privatizado, porém, suas atividades foram transferidas, absorvidas ou executadas ou estão em curso de absorção e transferência para outro órgão ou entidade. Nessa situação é assegurado o retorno do anistiado, observados os demais requisitos da Lei de Anistia (art. 2º, caput e parágrafo único da Lei nº 8.878, de 1994).
O parágrafo único do art. 2º da Lei não é hipótese autônoma de reconhecimento da condição de anistiado, devendo ser analisado de forma combinada com o art. 1º da Lei de Anistia (art. 2º, parágrafo único c/c o art. 1º da Lei nº
8.878, de 1994).
Estará configurado o abandono dos motivos que deram ensejo aos atos de afastamento dos servidores ou empregados e caracterizada violação a dispositivos constitucionais e legais que regem a atuação da administração pública, e, portanto, reconhecida a anistia, por força do que dispõem os incisos I e II do art. 1º da Lei nº 8.878, de 1994, quando tiver havido a extinção, liquidação ou privatização de órgão ou entidade, porém, suas atividades tiverem sido ou estejam em vias de serem absorvidas, transferidas ou executadas por outros órgãos ou entidades (art. 2º, caput e parágrafo único c/c o art. 1º, I e II, da Lei nº 8.878, de 1994).
Na análise da assimilação das atribuições do órgão ou entidade, há que se aferir se o objeto social foi transferido ou absorvido por outro órgão ou entidade (art. 2º, parágrafo único da Lei nº 8.878, de 1994).
Nesse procedimento de análise da assimilação das atribuições de órgão ou entidade é essencial levar em consideração a sucessão legal e a sucessão de fato para definir qual é o órgão ou entidade legitimado para receber os anistiados (art. 2º, parágrafo único da Lei nº 8.878, de 1994).
Elemento essencial à análise da transferência ou absorção das atividades é a previsão legal ou regulamentar, por estar-se tratando de competências de órgãos ou entidades da administração (art. 2º, parágrafo único da Lei nº 8.878, de 1994).
Não há outra espécie de aferição possível da transferência ou absorção das atividades senão por intermédio da lei e dos regulamentos, ainda que a expressão "execução" da forma como posta no texto legal em análise - art. 2º, parágrafo único, "a" - passe a idéia errônea de possibilidade de identificação fundada em elementos meramente fáticos, simplesmente porque não há como executar algo que não esteja na esfera legal de competência do órgão ou entidade, sob pena de cometimento de ato de improbidade (art. 2º, parágrafo único, alínea "a" da Lei nº 8.878, de 1994 c/c o art.11, I da Lei nº 8.429, de 1992).
A expressão "estejam em curso de transferência ou de absorção" prevista na alínea "b" do parágrafo único do art. 2º da Lei de Anistia refere-se aos casos em que já foram iniciados estudos, projetos, análises, diagnósticos, levantamentos preliminares, enfim, qualquer iniciativa no âmbito do Governo tendente a promover a absorção ou transferência das competências dos órgãos extintos, privatizados ou liquidados para órgãos ou entidades já existentes ou a serem criados. Nessas hipóteses seria atraída a incidência da regra contida na alínea "b" (art. 2º, parágrafo único, alínea "b" da Lei nº 8.878, de 1994).
A regra contida na alínea "b" do parágrafo único do art. 2º da Lei de Anistia funciona como cláusula impeditiva de indeferimento do retorno do anistiado pelo fato de a transferência ou a absorção de atividades entre os órgãos e entidades não ter sido concluída. Contudo, o retorno somente se perfaz após a efetiva implementação da transferência ou da absorção (art. 2º, parágrafo único, alínea "b" da Lei nº 8.878, de 1994).
Na hipótese de as atribuições de um determinado órgão ou entidade serem absorvidas por mais de um órgão ou entidade, não cabe ao servidor ou empregado público optar para qual retornará. Trata-se de prerrogativa da administração, à luz do princípio da auto-organização previsto no texto constitucional (art. 2º, parágrafo único e art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994, art. 84, VI da Constituição Federal e art. 5º do Decreto nº 6.077, de 2007).
No que concerne à dimensão temporal da verificação da transferência de atividades, concluída ou em curso, é absolutamente razoável, constitucional e legal que a análise do disposto no parágrafo único do art. 2º, alíneas "a" e "b", seja feita à luz da atual estrutura da administração federal, em face do protraimento desarrazoado no tempo de todo o processo de concessão de anistias de que cuida a Lei nº 8.878, de 1994 (art. 2º, parágrafo único, alíneas "a" e "b" da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o § 1º, do Art.1º-A do Decreto nº 5.115, de 2004, acrescido pelo Art. 1º do Decreto nº 5.954, de 2006).
Não há condições objetivas de avançar, no atual momento, no âmbito administrativo, com a tese que admite a possibilidade de conversão de regimes, especialmente do celetista para o estatuário, quando há a "absorção transversal" de atribuições de que trata o parágrafo único do art. 2º da Lei nº 8.878, de 1994, em face da inconsistência jurisprudencial, inexistência de registros doutrinários relevantes e escassez legislativa (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 1994 c/c o art. 2º, parágrafo único do Decreto nº 6.077, de 2007).
Nesse sentido, deve prevalecer a jurisprudência e a orientação doutrinária predominante que apontam para a impossibilidade de conversão de regimes (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 1994 c/c o art. 2º, parágrafo único do Decreto nº 6.077, de 2007).
Havendo a absorção ou transferência de atividades antes desempenhadas por entidades por órgãos, autarquias ou fundações, prudente é que se adote o entendimento de que os empregados que eram regidos pela CLT nas entidades que foram extintas, liquidadas ou privatizadas integrarão, como celetistas, quadro especial em extinção, em face do disposto no inciso II do art. 37 da CF (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o art. 2º, parágrafo único, do Decreto nº 6.077, de 2007).
O item 9, V, "a" da Orientação Normativa SRH/MP nº 01, de 2002, da SRH do MPOG que previa a possibilidade de conversão do regime celetista para estatutário deve ser alterado, consoante já havia assinalado a NOTA DECOR nº 76/2006-MMV (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o art. 2º, parágrafo único, do Decreto nº 6.077, de 2007).
Será necessário, também, retificar os atos administrativos que concederam anistias com base no entendimento de que era possível a conversão de regimes - de celetista para estatutário -, para que no retorno dos anistiados seja preservado o regime jurídico da época do afastamento (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o art. 2º, parágrafo único, do Decreto nº 6.077, de 2007).
Não é possível, no que concerne ao pleito específico dos presentes autos, de que aos anistiados, bacharéis em Direito, sejam aplicadas as regras de transposição de que tratam o art. 19-A da Lei nº 9.028, de 1995, na medida em que os mesmos não são ocupantes de cargos efetivos (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o art. 2º, parágrafo único, do Decreto nº 6.077, de 2007).
Ainda quanto ao caso concreto tratado nos presentes autos, tampouco seria aplicada aos anistiados bacharéis em Direito a regra do art. 46 da MP nº 2.229-43, de 2001, visto que o Quadro Suplementar de que trata essa norma é composto por cargos efetivos (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o art. 2º, parágrafo único, do Decreto nº 6.077, de 2007).
Ressalva-se, no âmbito dos presentes autos, o caso excepcional da servidora Maria Lenita Lopes de Andrade que obteve, por intermédio de decisão judicial ainda não transitada em julgado, o retorno como anistiada para cargo regido pela Lei nº 8.112, de 1990, enquanto essa decisão não for revertida (art. 2º, parágrafo único, da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o art. 2º, parágrafo único, do Decreto nº 6.077, de 2007).
Além de serem preenchidos os requisitos estabelecidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.878, de 1994, hão de ser aferidas, ainda, por força do disposto no art. 3º do mesmo diploma legal, a necessidade e as disponibilidades financeiras e orçamentárias do Poder Executivo (art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994).
As necessidades e disponibilidades orçamentárias e financeiras da administração deverão ser aferidas à luz das alterações promovidas pela EC nº 19/98 e pela Lei Complementar nº 101, de 2000 - Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994; art. 4º do Decreto nº 5.954, de 2006; inciso IV do art. 3º do Decreto nº 6.077, de 2007; arts. 16, 17, 19 e 21 da Lei Complementar nº 101, de 2000; art. 169 da CF).
O retorno ao serviço do anistiado dar-se-á exclusivamente no cargo ou emprego anteriormente ocupado ou naquele resultante da respectiva transformação, independentemente de vaga para o cargo ou emprego (art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o art. 3º, § 2º do Decreto nº 6.077, de 2007).
No caso de absorção das atribuições de órgão ou entidade extinta de que trata o parágrafo único do art. 2º da Lei de Anistia, em que não há a equivalência direta cargo/emprego - anistiado, a discussão sobre vagas deve ser decorrência da análise dos requisitos de necessidade e disponibilidades orçamentárias e financeiras, de que trata o art. 3º da Lei (art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o art. 3º, § 2º do Decreto nº 6.077, de 2007).
Não há que se olvidar, ainda, da regra inserta no art. 4º da Lei de Anistia, que dispõe sobre o abatimento das vagas a serem ofertadas nos próximos concursos a serem promovidos pelo órgão ou entidade ao qual o anistiado retorne daquelas providas pela aplicação da Lei de Anistia (arts. 3º e 4º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o art. 3º, § 2º do Decreto nº 6.077, de 2007).
A regra referente à existência de vaga deve ser interpretada em conjunto, também, com o disposto no caput do art. 5º do Decreto nº 6.077, de 2007, que possibilita ao Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no exercício de prerrogativa fixada em Lei - § 7º do art. 93 da Lei nº 8.112, de 1990 - compor força de trabalho para atuar nas hipóteses descritas nos incisos do art. 5º, determinando a lotação ou exercício de empregado ou servidor em outro órgão ou entidade, independentemente de cargo em comissão ou função de confiança (art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o art. 3º, § 2º e art. 5º do Decreto nº 6.077, de 2007).
Deve ser levada em consideração, na análise do critério de priorização de retorno dos afastados arbitrariamente, previsto no parágrafo único do art. 3º da Lei de Anistia, a condição sócio-econômica atual dos servidores e empregados a serem anistiados, de modo a privilegiar aqueles que estejam desempregados ou subempregados na data de hoje e não na data da publicação da lei, há treze anos (art. 3º, parágrafo único da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o § 3º do art. 3º do Decreto nº 6.077, de 2007).
A norma - parágrafo único do art. 3º da Lei de Anistia - deve ser interpretada em busca de sua máxima efetividade. Assim, o objetivo do legislador ordinário, à época, que era privilegiar os mais necessitados no retorno ao serviço público, deve ser transportado para os dias de hoje (art. 3º, parágrafo único da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o § 3º do art. 3º do Decreto nº 6.077 de 2007).
A análise do art. 4º da Lei de Anistia evidencia o reconhecimento do legislador de que aqueles servidores ou empregados que retornam ao serviço público, cumpridos os requisitos estabelecidos na Lei nº 8.878, de 1994, eram e, com o retorno, continuam a ser, legítimos ocupantes de cargos efetivos e empregos permanentes no âmbito da administração pública federal (art. 4º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c o inciso III do art. 5º do Decreto nº 6.077, de 2007).
O art. 4º da Lei de Anistia determina a exclusão das vagas ocupadas pelos anistiados quando for necessária a realização
de concurso público para prover vagas nos órgãos ou entidades em que houve o retorno. (art. 4º da Lei nº 8.878,
de 1994, c/c o inciso III do art. 5º do Decreto nº 6.077, de 2007).
Com a edição do Decreto nº 5.115, de 24.06.2004, D.O.U. de 25.06.2004, foi instituída a Comissão Especial Interministerial - CEI, com o objetivo expresso em seu art. 1º de promover a revisão dos atos administrativos praticados pelas comissões criadas pelos Decretos nº 1.498 e 1.499, ambos de 1995, e pelo Decreto nº 3.363, de 2000. Essa é, ainda hoje, a competência da CEI, visto que o Decreto segue em vigor e a CEI encontra-se em funcionamento (art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994).
Com o Decreto nº 5.115, de 2004, por força de seu art. 4º e, posteriormente, com a edição do Decreto nº 5.954, de 2006, que inseriu, por intermédio de seu art. 2º, inciso III ao art. 2º do Decreto nº 5.115, de 2004, ficou evidenciada a competência da CEI de tomar, ela própria, a decisão quanto ao reconhecimento da condição de anistiado (art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994).
Os pedidos de anistia indeferidos durante o Governo Itamar Franco, não são objeto de revisão por parte da CEI (art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c os arts. 1º e 2º do Decreto nº 5.115, de 2004).
Os pedidos de anistia formulados em 1994 e pendentes de decisão serão objeto de análise da CEI, que poderá conceder ou negar a anistia, à luz deste parecer da AGU (art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c os arts. 1º e 2º do Decreto nº 5.115, de 2004).
Os pedidos de anistia deferidos durante o Governo Itamar Franco, sem ato de anulação pelo Governo FHC, estão fora do objeto de análise da CEI. Se houve ato de retorno do anistiado a questão está equacionada. Se não houve ato de retorno, o mesmo deverá ser promovido à luz do que dispõe o art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994 (art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c os arts. 1º e 2º do Decreto nº 5.115, de 2004).
No caso de o servidor ou empregado ter obtido o reconhecimento da condição de anistiado e o órgão ou entidade ao qual retornaria foi extinto, há dois desdobramentos possíveis. Se as atribuições do órgão ou entidade extinta foram absorvidas, transferidas ou executadas por outro órgão ou entidade, o servidor ou empregado anistiado tem direito ao retorno, observado o disposto no art. 3º da Lei nº 8.878, de 1994. Se as atribuições não foram absorvidas, o anistiado não tem direito ao retorno (art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c os arts. 1º e 2º do Decreto nº 5.115, de 2004).
Os pedidos de anistia deferidos durante o Governo Itamar Franco, com ato de anulação pelo Governo FHC, são objeto de análise da CEI (art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c os arts. 1º e 2º do Decreto nº 5.115, de 2004).
Se a anulação foi revista e, portanto, mantida a anistia, estando pendente o ato de retorno, o caso será analisado à luz deste parecer da AGU. Se já tiver havido ato de retorno, o caso não será revisto pela CEI (art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c os arts. 1º e 2º do Decreto nº 5.115, de 2004).
Se a CEI tiver mantido a decisão adotada pelas Comissões durante o Governo FHC de anulação de anistia, não será reconhecida a condição de anistiado (art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c os arts. 1º e 2º do Decreto nº 5.115, de 2004).
Se não tiver havido ainda deliberação da CEI sobre os atos de anulação empreendidos pelas Comissões durante o Governo FHC, a matéria será apreciada à luz deste parecer da AGU. Revista a anulação, será mantida a anistia. Mantida a anulação, não há que se falar em anistia (art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994, c/c os arts. 1º e 2º do Decreto nº 5.115, de 2004).
O art. 1º do Decreto nº 6.077/2007 promoveu alterações no Decreto nº 5.115, de 2004, com o intuito de centralizar no Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, e não mais do Ministério ao qual está vinculado o servidor ou empregado anistiado, os procedimentos para efetivação do retorno daqueles que tiveram suas anistias deferidas pela CEI (art. 5º da Lei nº 8.878, de 1994).
Clara é a disposição do art. 6º da Lei de que a anistia só gera efeitos financeiros a partir do efetivo retorno ao serviço público. Não há que se falar em efeitos financeiros retroativos à data do afastamento do servidor ou empregado (art. 6º da Lei nº 8.878, de 1994).
Eventuais decisões judiciais que imponham o pagamento retroativo à data do afastamento devem ser objeto das medidas judiciais cabíveis a serem impetradas pelos órgãos competentes da Advocacia-Geral da União (art. 6º da Lei nº 8.878, de 1994).
As despesas referentes ao retorno do servidor ou empregado devem ser arcadas pelo órgão ou entidade ao qual o servidor se vinculará funcionalmente após o retorno (art. 7º da Lei nº 8.878, de 1994).
Não há que se confundir a centralização de procedimentos a cargo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, no que se refere ao retorno dos anistiados, por força do que dispõe o art. 1º do Decreto nº 6.077, de 2007, aos dispêndios a serem efetivados de que trata o art. 7º da Lei (art. 7º da Lei nº 8.878, de 1994).
Deve-se sublinhar a necessidade de compatibilizar a norma contida no art. 7º com aquela expressa no caput do art. 3º da Lei de Anistia que impõe a verificação da disponibilidade orçamentária e financeira, já à luz das normas constitucionais introduzidas pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998, e pela Lei Complementar nº 101, de 2000 (art. 7º da Lei nº 8.878, de 1994).
A norma contida no inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, não se aplica ao retorno dos anistiados, assim como o § 1º do art. 81 da Lei nº 8.713, de 1993, lei temporária, válida apenas para as eleições de 1994, de comando normativo similar, não se aplicava, posto que não se equipara o retorno nos três meses que antecedem às eleições, às novas nomeações, contratações ou admissões de servidores e empregados vedadas pela lei eleitoral,
com o fito de impedir a ruptura da isonomia no processo eleitoral por conta do abuso do poder político (art. 8º da Lei nº 8.878, de 1994).
É equivocada a redação do art. 4º do Decreto nº 5.954, de 2006, na parte em que determina a aplicação do inciso V do art. 73 da Lei nº 9.504, de 1997, ao retorno dos anistiados. Esse comando gera flagrante antinomia com a regra inserta no art. 8º da Lei de Anistia que pugna pelo afastamento da vedação contida na Lei eleitoral, posto que não há que se comparar o retorno dos anistiados a novas formas de admissão, contratação e nomeação de
servidores (art. 8º da Lei nº 8.878, de 1994).
Recomendações
A análise a ser empreendida pela CEI deve ser efetuada caso a caso, respeitados o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório.
Caso haja decisão judicial transitada em julgado em sentido diverso das orientações contidas neste parecer, acaso aprovado pelo Advogado-Geral da União, a decisão deve ser cumprida até que se logre revertê-la com os instrumentos processuais disponíveis.
Da mesma sorte, havendo decisão judicial, ainda que não transitada em julgado, que determine a adoção de alguma medida com referência à Lei de Anistia, em contrariedade às orientações firmadas no âmbito do Poder Executivo, ela deve ser obedecida até que o competente recurso interposto pela AGU consiga reverter a decisão judicial.
Caso haja decisão judicial transitada em julgado que aponte ilegalidade em afastamento ocorrido em órgão ou entidade e reconheça o direito à anistia, essa decisão deve ser considerada pela CEI no julgamento administrativo de casos que possuam o mesmo fundamento.
A CEI não poder concluir pela anistia quando, para o caso concreto, já houver decisão judicial denegatória transitada em julgado por falta de amparo legal.
As decisões da CEI devem ser motivadas, individualizadas para cada caso e não podem se lastrear em fundamentações genéricas.
As decisões da CEI devem ser encaminhadas previamente à Consultoria Jurídica do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão para que exerça a competência estatuída no inciso V do art. 11 da Lei Complementar nº 73, de 1993, - assistir o Ministro no controle interno da legalidade - antes de ser enviada ao Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão, para fim de deferimento ou indeferimento do retorno dos servidores e empregados anistiados, em face do disposto no art. 1º do Decreto nº 6.077, de 2007.
Não compete, contudo, à CONJUR do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, rever as decisões adotadas pela CEI, pois tal procedimento se configura em supressão da competência estatuída no inciso III do art. 2º do Decreto nº 5.115, de 2004, com a redação conferida pelo art. 2º do Decreto nº 5.954, de 2006.
Recomenda-se que um dos dois representantes do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão com assento na CEI, ex vi do disposto no inciso I do art. 1º do Decreto nº 5.115, de 2004, seja da CONJUR/MPOG a fim de que possa identificar, ainda no âmbito dos trabalhos da CEI, qualquer problema quanto à legalidade das decisões, a bem da eficiência da atuação da administração pública, consoante o contido no caput do art. 37 da CF.
Recomenda-se que a CEI seja permanentemente assessorada, tanto na instrução dos processos como na deliberação, por especialistas em Direito Constitucional, Administrativo e do Trabalho, para aferir se os afastamentos violaram a Constituição, as leis e ainda, no caso dos empregados regidos pela CLT, as convenções coletivas, os acordos coletivos e as sentenças normativas da justiça do Trabalho.
Recomenda-se que os trabalhos da Comissão sejam permanentemente acompanhados por representantes da Procuradoria-Geral da República, do Ministério Público do Trabalho, do Tribunal de Contas da União e da Controladoria-Geral da União, sendo facultado a esses representantes manifestarem-se sobre os procedimentos.
V
Considerações finais e encaminhamentos
Sr. Advogado-Geral, o presente parecer está sendo encaminhado à apreciação vinte dias após a audiência pública realizada na Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, em 07.11.2007, em que V. Exª se comprometeu a apresentar o texto final elaborado no âmbito na AGU em quinze dias. Peço desculpas pelo atraso.
Registro, ainda, que o compromisso firmado com os representantes dos anistiados, com as autoridades do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (Conjur, SRH e CEI) e da Casa Civil da Presidência da República (SAJ e SAG) de submeter o texto do parecer, antes de sua conclusão, ao crivo do debate e das críticas foi cumprido com a realização de reuniões nos dias 31.10.2007 e 14.11.2007, ambas na sala de reuniões do Conselho Superior da AGU, que contaram, ainda, com a participação de representantes da Procuradoria-Geral da União e da Secretaria-Geral do Contencioso.
Segue, em anexo, diagrama que tem por objetivo condensar, de forma esquemática, as orientações veiculadas neste parecer relacionadas às competências legalmente atribuídas à CEI, e assim, facilitar sua análise pelos interessados.
Encareço, caso o presente parecer seja aprovado por V. Exª, o encaminhamento de cópias, com a urgência que o caso requer, para:
o Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG;
o Consultor Jurídico do MPOG;
o Secretário de Recursos Humanos do MPOG, órgão central do Sistema de Pessoal Civil - SIPEC;
a Presidente da Comissão Especial Interministerial - CEI, no MPOG;
os representantes dos anistiados com assento na CEI, consoante o inciso V do art. 1º do Decreto nº 5.115, de 2004;
o Procurador-Geral da União;
a Secretária-Geral do Contencioso;
o Ouvidor-Geral da AGU;
o Ministro-Chefe da Controladoria-Geral da União;
a Presidente do Supremo Tribunal Federal;
o Presidente do Superior Tribunal de Justiça;
o Presidente da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça;
o Presidente da Câmara dos Deputados;
o Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados;
o Presidente do Senado Federal;
o Presidente da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa do Senado Federal;
o Presidente do Tribunal de Contas da União;
o Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União;
o Procurador-Geral da República;
o Procurador-Geral do Trabalho.
Encareço, ainda, Sr. Advogado-Geral da União, seja o presente parecer disponibilizado, na íntegra, no sítio da Advocacia-Geral da União para que se lhe confira máxima publicidade, em face do significativo número de interessados.
Quero por fim, Sr. Advogado-Geral, registrar meu agradecimento ao espírito público e ânimo de colaboração demonstrados no debate e na busca pelo entendimento mais consentâneo da Lei nº 8.878, de 1994, com o ordenamento jurídico-constitucional do país pelos Advogados da União, Sérgio Tapety, Neleide Abila e Maria Margareth Veríssimo, todos integrantes do quadro de servidores da Consultoria-Geral da União, cujas contribuições foram imprescindíveis à conformação final deste parecer.
À consideração.
Brasília, 27 de novembro de 2007
Ronaldo Jorge Araujo Vieira Junior
Consultor-Geral da União
* Este texto não substitui a publicação oficial.