Paulo Batista Gomes

Paulo Batista Gomes

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

A previdência social surgiu da iniciativa e luta dos trabalhadores por todo o mundo para garantir uma renda quando já não pudessem mais trabalhar.

A previdência social surgiu da iniciativa e luta dos trabalhadores por todo o mundo para garantir uma renda quando já não pudessem mais trabalhar.

Sofia Manzano
A previdência social surgiu da iniciativa e luta dos trabalhadores por todo o mundo para garantir uma renda quando já não pudessem mais trabalhar. Na Inglaterra, país da primeira revolução industrial e berço do capitalismo, no século XIX, os trabalhadores eram obrigados a trabalhar sob contratos que determinavam não só jornadas de trabalho de até 18 horas por dia, como recebiam salários diários ínfimos, quase insuficientes para a alimentação (pobre e miúda) diária. Se faltassem ao trabalho por qualquer motivo, não recebiam nada. Qualquer dia de repouso, ou ainda dias “guardados” por questões religiosas, não eram remunerados. Se acometido de alguma doença ou acidente de trabalho, não tinham como sobreviver, já que não recebiam nada. Ou seja, as condições a que foram submetidos os primeiros trabalhadores das primeiras indústrias capitalistas eram tão precárias e sub-humanas que levaram o próprio governo inglês a instituir fiscais para relatar essa situação. Mas os trabalhadores não ficaram parados, esperando a morte pelo predador capital. Organizaram-se em ligas e lutaram em greves, revoltas e revoluções para mudar esta situação. Estas lutas, desde as revoluções de 1848, até as revoluções socialistas vitoriosas do século XX, fizeram avançar significativamente os “direitos sociais” dos trabalhadores.
Com relação à previdência social não foi diferente. Se os trabalhadores não tinham direito nem a descanso remunerado, quem diria direito à aposentadoria depois de uma vida inteira de trabalho. Por isso, os próprios trabalhadores, através de suas ligas e sindicatos instituíram sociedades de ajuda mútua. As caixas formadas por essas sociedades mutualistas eram constituídas com a contribuição dos próprios trabalhadores e os recursos eram usados para remuneração dos colegas em caso de adoecer, auxílio funeral, auxílio às famílias cujo trabalhador morresse, enfim, com os poucos recursos que conseguiam juntar, os trabalhadores começaram a formar um fundo de ajuda cujo conteúdo de solidariedade de classe era explícito.
No final do século XIX e início do século XX, muitos fundos previdenciários dos trabalhadores contavam com montante de recursos significativo, o que despertou a cobiça dos capitalistas por estes recursos. Além disso, a capitulação reformista dos partidos sociais democratas e trabalhistas na gestão de governos de vários países favoreceu a transformação dos fundos de ajuda mútua dos trabalhadores nos sistemas previdenciários administrados pelo Estado. Claro que os trabalhadores não entregariam seus recursos ao Estado sem qualquer reação, portanto, houve um processo de cooptação, política e administrativa, para que as caixas de previdência se tornassem públicas e sob a administração do Estado. O acordo envolvia a contribuição patronal e do Estado (em vários países) e a administração tripartite. Ou seja, os trabalhadores aceitaram transferir seus fundos para a administração do Estado desde que os patrões também contribuíssem e que seus sindicatos tivessem participação na administração do uso desses recursos. Formaram-se assim, a maior parte dos sistemas previdenciários.
A principal característica desses sistemas previdenciários, chamados de sistema de repartição, é que ele promove a solidariedade intergeracional entre os trabalhadores, ou seja, os trabalhadores que estão trabalhando hoje e, portanto, contribuem com a previdência, estão financiando a aposentadoria daqueles que trabalharam no passado. Vale dizer, cada trabalhador está financiando a aposentadoria de seus pais, avós. Além disso, esse sistema conta com a contribuição patronal e, em caso de servidores públicos, o Estado, como empregador, deve contribuir com sua parte ao sistema.
Este breve transcurso histórico tem por objetivo lembrar que os sistemas previdenciários, como de resto, todos os “direitos” sociais, civis e políticos, são resultado de lutas concretas dos trabalhadores. Não são dádivas advindas de um “Espírito Absoluto” abstrato que “faz leis” como se elas seguissem um cronograma “científico puro e abstrato” sem relação alguma com a realidade concreta que as gera. Porém, o objetivo deste artigo é apresentar os problemas e as conseqüências das transformações recentes nos sistemas previdenciários em fundos de pensão. Mais especificamente, o projeto do governo federal brasileiro em criar o fundo de pensão dos servidores públicos federais – Funpresp.
Os fundos de pensão, ao contrário dos sistemas previdenciários, não apresentam nem a solidariedade intergeracional, muito menos a responsabilidade pública em garantir a aposentadoria dos trabalhadores. Um fundo de pensão (que na maioria dos casos é privado), constitui um fundo formado com recursos de contribuições dos trabalhadores. Cada trabalhador tem uma conta neste fundo e, de acordo com sua contribuição e o rendimento que este fundo gera, no final da vida, quando se aposentar, o trabalhador poderá receber, em parcelas calculadas de acordo com sua expectativa de vida, os recursos de sua conta. Alguns fundos contam com a contribuição patronal, outros não.
Além da individualização que os fundos de pensão representam, solapando ainda mais a solidariedade entre os trabalhadores, os fundos de pensão representam montantes de recursos providenciais para o processo de acumulação do capital.
Desde o aparecimento dos fundos de pensão, seus recursos passaram a ser investidos – como qualquer capital acumulado privadamente – em atividades presumidamente lucrativas ou rentáveis, a fim de gerar os rendimentos necessários para que o trabalhador, no final de sua vida, receba a aposentadoria. Percebe-se, desta forma, que os fundos de pensão podem ser considerados mais um mecanismo de acumulação primitiva de capital. Vale dizer, os recursos originais dos fundos de pensão são formados com a contribuição dos trabalhadores, portanto parte de seus salários. Porém, sua utilização se dá como capital. Assim, os trabalhadores estão contribuindo ainda mais – além da mais-valia que produzem ao trabalharem – para a acumulação de capital, ao fornecerem um acúmulo de recursos para investimentos capitalistas.
Como os sistemas de fundo de pensão, baseados no individualismo das contas, competem por rendimentos crescentes, os gestores dos fundos – sejam eles representantes dos sindicatos ou profissionais especificamente contratados para essa função – arriscam cada vez mais nas aplicações dos recursos dos fundos de pensão. Na quebra do sistema financeiro norteamericano em 2007/2008, milhões de aposentados daquele país viram suas aposentadorias reduzirem-se consideravelmente devido às perdas que seus fundos sofreram decorrente da especulação desenfreada em que estavam metidos. Aqui no Brasil é de amplo conhecimento a participação dos fundos de pensão dos trabalhadores da Petrobras, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, entre outras grandes empresas estatais, nos maiores negócios capitalistas, inclusive no financiamento das privatizações de serviços e empresas públicas. Neste ano, espera-se que estes fundos, mais uma vez, participem com seus recursos na privatização dos aeroportos.
É também de notório conhecimento que os fundos de pensão, por todo o mundo, constituem um dos principais pilares no processo de financeirização e especulação financeira. Assim, além de financiar o processo alavancado de acumulação capitalista, os fundos de pensão arcam com os riscos das crises e dos ciclos do processo de acumulação capitalista.
Percebe-se, portanto que, enquanto os sistemas previdenciários de repartição solidificam a solidariedade entre os trabalhadores, os fundos de pensão são solidários com o capital e intensificam o individualismo entre os trabalhadores.
Reforma da previdência e criação do Funpresp
A proposta do governo federal brasileiro em criar o Funpresp, fundo de pensão dos servidores públicos federais, encaixa-se na lógica de avançar na financeirização capitalista e precariza ainda mais as condições de remuneração e vida dos trabalhadores do serviço público brasileiro. Todas as vezes em que as forças conservadoras e de direita, aliadas aos meios de comunicação de massas, hoje articulados pelo governo petista e sua coalizão, querem avançar sobre os direitos sociais e econômicos dos trabalhadores, conquistados em lutas passadas, inventam histórias para convencer trabalhadores e a população em geral da necessidade vital dessas reformas “para o bem de todos”, ou seja, leia-se, do capital. Neste atual governo, não é diferente.
Todos os jornais, na mesma semana em que divulgam a aprovação da lei orçamentária para 2012, com destaque aos R$ 653 bilhões de reais para rolagem e financiamento da dívida pública e dos juros, preenchem suas páginas com matérias e notícias sobre a necessidade da criação do Funpresp. O argumento mais usado – e devo lembrar, sempre apresentado quando o assunto é reforma previdenciária - é a necessidade de conter ou acabar com o seu “déficit”. Esse argumento é uma falácia. A previdência não tem déficit, nem a previdência pública, nem a previdência privada. O que ocorre é que os governos, desde Fernando Henrique Cardoso, passando pelo Governo Lula e agora na gestão de Dilma Roussef, não cumprem a Constituição Federal de 1988 que determina a separação dos orçamentos, fiscal e da seguridade social. Estes governos utilizam, através da Desvinculação das Receitas da União – a DRU, recursos tributários que foram criados desde 1988 para financiar a previdência e a seguridade social, para fazerem superávit primário e pagar juros da dívida pública. Ou seja, na prática, o governo funciona como um mecanismo de concentração da renda, pois tributa os trabalhadores para transferir recursos que deveriam servir às aposentadorias, para a parcela mais rica da população que mantém aplicações em títulos públicos. No ano passado, 2011, o superávit primário foi de R$ 93 bilhões, superando a meta para o ano que era de R$ 81,8 bilhões. Enquanto isso, os jornais divulgam falaciosamente que o déficit da previdência do setor público foi de R$ 55 bilhões, calculados da seguinte forma: o governo pagou aos servidores inativos R$ 80 bilhões e recebeu dos servidores R$ 25 bilhões de contribuições (onde está a parcela correspondente à contribuição “patronal” do Estado?). Por outro lado, no setor privado, a previdência teve superávit de R$ 20,8 bilhões referentes aos trabalhadores urbanos e um déficit de R$ 36,5 bilhões dos trabalhadores rurais (onde estão os recursos da COFINS, da CSL e outras contribuições criadas em 1988 para financiar justamente a aposentadoria rural? No superávit primário).
A aprovação do Funpresp é dada como certa pelo governo apesar da resistência formal das centrais sindicais, principalmente a CUT que representa a maior parte dos funcionários públicos. Digo resistência formal pois como o Funpresp não atinge os atuais servidores públicos federais que continuarão no regime atual, o governo e as forças conservadoras contam com a falta de solidariedade reinante na sociedade para a aprovação do projeto. Resta aos futuros servidores, que ainda não têm consciência da precarização das condições de trabalho que os aguarda, expressar seu descontentamento.
Por outro lado, todos os trabalhadores, devem se mobilizar e resistir a estas reformas. Não só por que serão afetados em sua condição de vida, como também contarão com futuros servidores mal remunerados, precarizados e desmotivados no setor público.
Cabe, neste momento, ao conjunto dos trabalhadores brasileiros, tanto do setor público como do setor privado, bem como aos jovens que se preparam para o mercado de trabalho, a luta contra esse projeto da burguesia capitaneado pelo governo Dilma, no sentido de impedir mais essa medida que só beneficia o capital, principalmente financeiro e especulativo, em detrimento do serviço público e das condições de vida dos trabalhadores. O momento é de retomar a solidariedade entre os trabalhadores, na defesa e na luta de seus interesses, contra os interesses do capital.
1. Sofia Manzano é economista, professora universitária e membro do CC do PCB.


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